segunda-feira, dezembro 28

Ano novo?



E mais um ano se vai em fumaça. Sei que não temos muita coisa para comemorar, pois o mundo está de cabeça para baixo. As mazelas comportamentais, o fanatismo religioso, as crises, a ganância, a vaidade e outras tantas bruxas e tragédias, reinaram em 2015. Muita zica para poucos dias. Ano digno de ser esquecido. Lúgubre começo de conversa para uma crônica de quase fim de ano. Certo, não foi bom mesmo, mas será que foi de todo ruim? Pensemos. Se estamos escrevendo ou lendo estas mal traçadas linhas já é um bom sinal – sobrevivemos. Atravessamos águas turbulentas, ondas de metros, tempestade e vendavais. Mas, do ponto mais alto de mastro de nossa frágil nau, quase sem rumo, alguém, um anjo talvez, gritou a plenos pulmões: Terra à vista!

Será? Entreolhamo-nos céticos. Terra à vista! A voz se fez ouvir novamente. Teimosos, sorrimos. Timidamente, é verdade, mas logo ali já se avistava a terra firme de um tempo novo. Raça resiliente essa nossa. A evolução assim o provou. Nascemos humanóides, quase símios, todos descendentes de Lucy a nossa Eva. Esta, “uma mocinha de 20 anos, 1,20m de altura, provavelmente morta por um crocodilo e que passou cerca de 3,2 milhões de anos sob as areias da Etiópia até ser descoberta em 1974” (mundoestranho.abril.com.br). Enfrentamos todo tipo de provação que a evolução das espécies impõe às criaturas. E olha só, chegamos até aqui. Se para melhor ou para pior não sei bem, mas chegamos. Não será um aninho, um átomo de tempo, que vai nos colocar em desespero. Há esperança.

Derrotas pessoais, amores perdidos, amizades rompidas. Tristezas. Tapetes puxados, nada disso pode nos derrubar. Um ano-novo é como uma porta que abre para o vazio. Cabe a nós preenchermos cada pedacinho dele com o que de melhor pudermos oferecer. Plante árvores, ouça passarinhos, sinta o vento. Ria de si mesmo, cumprimente e sorria para as pessoas. Aprendi, com meu filho João, algo que me fez outro. Não fale mal de ninguém, cada um tem sua sina e caminho. Se não puder ajudar, não atrapalhe. Seja gentil.
Sempre fui muito otimista, até com fome e bolso vazio. Cito mais uma vez o enigmático personagem do magnífico iluminista Voltaire. Sou uma espécie de dr. Panglóss melhorado, pois a sobrancelha ainda levanta para certos atos e “desatos”.

“Tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”. Seguremos o bridão, toquemos a encarar os desafios de se sentir vivo. O ano de 2016 pode ser melhor ou pior do que este que se vai, como se dele quiséssemos guardar poucas lembranças. Depende muito mais de cada um de nós.

Como bom atleticano e devoto de São Jorge, abro o peito e solto o grito: — Eu acredito!

Tomo a liberdade de usar uma máxima que, desde sempre, conduz minha vida, do mestre Mario Quintana: “Todos estes que aí estão/ Atravancando o meu caminho, Eles passarão. Eu passarinho!”.

Acredite também, acredite em você, vai na fé e, já que estamos em tempos de “Star Wars” outra vez, fica minha mensagem de paz e otimismo: que “a Força esteja com e em você”. Vai que é sua. Sejamos um pouco Cândido, sem perder o senso crítico. Feliz ano-novo. Vale a pena. Vejo sua última frase:
“— Tudo isso está muito bem dito, mas devemos cultivar nosso jardim.”







Jornal Correio em 27 de dezembro de 2015



https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhOGhUZVhFNUhwZWs/view?usp=sharing

segunda-feira, dezembro 21

Quintal luz





Noite passada, presenciei deslumbrante espetáculo. No elenco, milhares de atores e figurantes. Fiquei paralisado com tanta beleza. Não havia cortinas para se abrir e o palco era a imensidão. Associar o apoteótico “gran finale” daquele maravilhoso momento aos mais belos espetáculos de luzes do mundo seria pouco, ante a beleza que escorria do ar bem ali à minha frente no meu quase quintal.

Fui nascido e criado sempre junto a grandes quintais. Meu mundo, meus sonhos, minhas descobertas das pequenas e grandes coisas estão visceralmente ligado a eles. Ali não precisava de nada, nem de ninguém, criava um imaginário lugar onde tudo era belo e funcionava. Ali me escondia. Claro, à medida que eu, infelizmente, crescia, os quintais de minha vida ficaram menores. Queria sempre mais espaço.

Aprendi com os habitantes dos quintais ser o que sou. Sapos, pererecas, galinhas, passarinhos milhões, fadas, sacis e outros tantos, me contavam os segredos do mundo. Ali, ávido li milhões de livros. Em dias de Sol, me deixava ficar deitado na grama a olhar nuvens criando formas. Conversava sozinho, me contava histórias e inventava sonhos. Sozinho no quintal, sonhei minha primeira namorada. Era linda. Cabelos loiros, olhos de um azul mineral. E ela gostava de mim. Na verdade, nunca tive uma namorada loira, mas nos meus quintais da vida podia. Depois, adulto, já não sonhava loiras, nem namoradas. Sonhava viagens, sonhava lugares sonhava histórias.

Hoje não tenho mais quintal, mas tenho sonhos. O quintal carrego comigo, como caramujo carrega concha. Como caranguejo eremita assumo posse temporária de algo que não construí.

O quintal a que me referi lá no início não passa de uma área comum de onde atualmente moro. Agradável, mas impessoal. Para minha sorte, parte de meu eu criança me permite muros invisíveis, jardins e árvores imaginárias. Crio meus quintais, minhas veredas, minhas florestas. Mas o espetáculo foi real. Horário de verão tem o grande prazer de atrapalhar quase tudo. Custou a escurecer e meus beija-flores ainda vinham ávidos buscar um último golinho de néctar. Voavam cansados, olhos pesados, mas cadê noite para aquietar?

Pronto, custou mas veio o manto de lua nova. Enfim se fez noite e, como passe de mágica, zilhões de quase estrelas vieram brincar em meu quase quintal. Um esvoaçar de brilhos. Natal luz que nada, meu quintal luz particular. Vaga-lumes brotavam do vazio e se espalhavam a minha volta, em festival de romântico caçar de par. Alguns por engano entravam por minha janela. Corria lá e tratava de colocá-los para fora, onde os feromônios eram mais fortes. O amor literalmente estava no ar. Quanto tal beleza me fazia falta. Senti-me tão vivo.

Fechei com força os olhos e como se recebesse a bênção de centenas de estrelas cadentes, personificadas em cada luzinha daquelas, fiz meu pedido. Vai, vaga-lume, ilumina a noite, meus sonhos, a vida. Corre atrás da eternidade da perpetuação de sua colorida e luminosa espécie. Quem sabe um dia terei novamente quintal de verdade, para com mais pompa recebê-los.











https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhTUJYZlpVYTZ3RkE/view?usp=sharing

segunda-feira, dezembro 14

Fumaça



A noite chegou. Horário de verão complica a vida de todo ser vivente, custa a escurecer e o amanhecer demora mais um pouco. Particularmente gosto, pois posso aproveitar um pouco mais o fim de tarde. Confesso, chego ao fim de semana cansado de um não sei o quê. Fico imaginado as gentes que moram na terra de Papai Noel e aproveito o clima de Natal, apesar do mesmo não estar para peixe ou peru. Na Lapônia, que fica encostada no círculo Ártico, acontecem em alguns períodos “noites sem noites”. É quando o sol nunca some na linha do horizonte, corre por ele de ponta a ponta, mas não desaparece.

Assim têm luz vinte e quatro horas por dia, durante meses. Coitados dos poetas, dos seresteiros, dos namorados. Gilberto Gil se lá vivesse, jamais teria composto “Lunik 9”, pois jamais “haveriam derradeiras noites de luar”. Aquela noite, que mansa chegou, seria diferente. Lua nova, escuridão total, canto longe de alguma Mãe da lua, pensando ter perdido sua companhia. Os Urutaus são assim, melancólicos.

Do fundo do breu, uma risadinha arranhada. Um cachorro vigia uivou, de medo. Logo outra risada mais aberta, seguida de outra e mais outra. Depois de certo tempo o que se ouvia era um gargalhar de milhares. Risos de doer o estômago, como quem boa e bem contada piada, ou caso, ouviu. Aquele riso aberto de quem vê alguém levar um tombo em lodo de pedra de riacho. Machucou? Diante da negativa despenca em gargalhar a plenos pulmões. As risadas não paravam. Depois de muito tempo, um movimentar sem fim deu lugar ao riso. Inquietação geral, despencar de lugar algo, esborrachar em chão com som seco, tosses, risos, delírios acéfalos.

Pela manhã, rebordosa geral. Todos para o caminhão. O chacoalhar martelava cada pedaço. Ressaca assim nem de cachaça de carotinho de cinquenta centavos. Quem disse que conseguiam ficar em formação ali na carroceria? Para espanto geral, mal se mantinham, e não era o balanço de estrada esburacada não, a zoeira estava dentro de cada um. Volta e meia, quando o vento conseguia levantar parte da lona que os cobria e uma brisa gostosa entrava sem educação, o alívio era breve. Alguns mais resistentes ainda davam longas, sinistras e sonoras gargalhadas. Motorista e ajudante se entreolhavam arredios na boleia.

Aqueles tijolos, depois da queima de droga tipo cocaína, crack, cigarro falsos, toneladas de “Maruamba” em forno de cerâmica pela Polícia Federal, por muito tempo não iriam prestar para levantar paredes, podia até bater prumo, mas logo, no meio da linhada assentada, um risinho arranhado se faria ouvir e logo a algazarra novamente se instalaria.

Pedreiro assentava hoje, no dia seguinte, encontrava confusão de formatos de paredes do nada, efeito “poltergeist”. Amanheciam de ponta cabeça equilibrados em apenas um cabo de enxada. Os tijolos, muito doidos, não conseguiam ficar parados em pilhas. Farra do bode no transporte até a obra, depois só confusão. E cadê peão para voltar trabalhar nessa obra?

Roubo frase de, nem acredito, “Max Payne” um game antigo: “Não sei quanto aos anjos, mas o medo é que dá asas aos homens…” Ótimo domingo!







Jornal Correio em 13 de dezembro de 2015




Fumaça

segunda-feira, dezembro 7

Consolo



Para uma amiga em dor certa feita escrevi, sê Fênix.
Usufrui do direito quem tens ao sofrimento real, ele é teu e único.
Necessário.

Mas lembra-te, a vida segue inexoravelmente seu curso. Atropela os incautos, deslumbra os afoitos, premia os justos e corajosos.

Após amarguras sentidas transforma-te, sê a grega e mitológica ave, que além de seu eterno retorno das cinzas é capaz de suportar pesadas cargas. Ressurge exuberante e mais sábia, mais serena.

Desvenda os mistérios que regem nosso universo, eterno, possível, prazeroso.
Sê feliz querida amiga, sê feliz.














Escrever


Imagem web


 

Não sei se já aconteceu com você querido leitor, mas aposto que sim. Sabe aquele dia quando, por mais que você queira, não consegue escrever uma linha sequer? Não, não é meu caso hoje em particular, pelo contrário. As ideias e os estímulos são milhares, assunto não anda faltando. Basta andar pelas ruas de qualquer cidade, ler um jornal ou sentar em um boteco sozinho que seja, pedir uma cerveja, uma garrafa de água mineral e se deixar ficar. Pode ser numa praça também. Os bancos à sombra ou na noturna penumbra são locais perfeitos para armar tocaia. Com olhar e ouvidos atentos, logo captura-se uma ideia, uma história.

Como em toda boa caçada é bom fingir desdém, pois algumas ideias são ariscas, parecem canarinhos rondando arapuca da infância. Mesmo com quirera farta à disposição os danadinhos custam a entrar debaixo da armadilha. Mas é exatamente aí que vive a emoção. O entra não entra, a tensão, a espera.

Melhor do que essa sensação, só o desarmar da armadilha com o bichinho lá dentro e correr para segurá-lo. Um afago na cabeça do apavorado, sentir seu coraçãozinho repicando entre seus dedos e depois de manso abrir a mão, deixá-lo ir embora em voo ligeiro.

Tinha um amigo que arrancava o rabo das avezinhas não apenas para vê-las voarem cotós e de lado, mas para que elas apreendessem a ter medo de arapuca e nunca mais caíssem numa. Não sei se funcionava, mas a verdade é que nunca pegamos um passarinho cotó em nossas caçadas.

Pois, naquele tempo, não havia esse papo de politicamente correto, de vida sustentável, de preservar bicho. E, mesmo assim, sem aulas ou repressão externa, mas por natureza mesmo, não gostávamos de prender, nem de judiar de bicho ou criação. Os de prender eram estrangeiros e que não conseguiriam viver soltos, tipo canário belga ou periquito australiano. Nunca entendi bem essa história de não aprender a viver solto. Será que tem até bicho que nasce com sina de prisão?

Se nunca gostei de prender bicho, com ideias a história era e é outra. Desde muito miúdo, tomei gosto pelo agarrar as escorregadias lembranças que por mim passavam. Na praça, no bar, na venda de beira de estrada, onde quer que eu vá, carrego sempre isca de pegar ideia. Aliás, estou prestes a patentear uma máquina de pegar ideias que inventei para tal.

Tenho de confessar que me inspirei na máquina de esticar horizontes, de Manoel de Barros, uma de suas mais geniais invenções. Está em fase de testes, mas tem me dado bons frutos. O problema é quando as ideias chegam em bando, em alvoroço discreto de bicos-de-lacre, miudinhos e belos. Minha máquina ainda tem o defeito do encanto e isso a distrai a ponto de perder todos os pensamentos. Questão de tempo, aprimoro o instrumento, talvez lhe dando mais portas, mais ouvidos, mais olhos atentos.

Assim, meu amigo, se algum dia se sentir entrevado no escrever, liga não, são ideias que andam pousadas perto. Preste atenção na direção do vento que elas lhe contarão segredos inimagináveis. Relaxe e se deixe ficar. O papel nunca ficará em branco. Bom domingo.






Jornal Correio em 06 de dezembro de 2015




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