quarta-feira, fevereiro 15

Recuerdos

40 anos de amizade - 40 years  friendship

O tempo judia, estraga/melhora mas a alma de criança vive trancada dentro de cada um de nós. Força saída todo instante. Insistimos em mantê-la presa, tristonha de brilho e luz. Esses três ai nas fotos mostram o resultado de deixar esse lado de permitir moleque sempre solto, livre como passarinho, livre como vento, livre com poeira de estrela.

Quarenta anos, quarenta anos, de verdadeira amizade pura e verdadeira. Encontros poucos mas quando acontecem são intensos como explosões de uma super nova - hecatombe . Sempre presente a sensação que ontem foi que nos encontramos pela última vez. Cada um mora dentro do outro, em prova verdadeira de que amor fraternal existe.












segunda-feira, fevereiro 13

Progresso

O barulho de roncos e sirenes surgiu sem aviso no meio da mata. A terra, em tremor, assustou gentes, galinhas e pôs em revoada passarinhos de tudo quanto é qualidade canto e cor. O céu, aquarela em movimento. Cachorro uivava medo. Cavalo em porta de venda desfez amarra de cabeçada e vazou na braquiária, sem rumo, mas sempre em trilheiro oposto ao piseiro, que lento se via chegar.
Foi um entreolhar geral. Apenas alguns sorriam já sabendo do ocorrido.
Era surpresa do prefeito para seu povo. Foi tudo combinado na quietura de gabinetes regados a cafezinhos, água mineral e brinde com espumante de boa procedência e safra.
O progresso finalmente chegaria aos grotões abandonados por homens e Deus. Ali nem o Cadreel, o Mefistófeles, o Belzebu, queria pouso.
A vida ia melhorar.
Da pequena estrada de chão, que se estendia da vila muitas léguas mata adentro até no susto dar de encontro ao asfalto, brotaram caminhões, tratores, máquinas imensas e gente, muita gente.
Muita árvore tombou no passar do cortejo de aço. Muito ninho de angola foi pisoado.
Depois de grande espera finalmente chegava a tão prometida obra.
A vila amanheceu de um jeito e posou de outro. Pouco retirado da rua única construiu-se acampamento. Primeiro barracas imensas de lona. Depois furaram fossas, montaram cozinha e até campinho de futebol.
A ordem naquele momento era evitar a vila. Desincômodo para moradores não.
Tempo. Agora casas de alvenaria, vila dos operários e dos engenheiros apartada, vendas cheias e sortidas. Vida seguia. E vida e sustento era a obra.

Fim-de-semana armava-se torda imensa. Tinha baile. Sanfona pé-de-serra soprava até altas horas.
Assim, uma a uma, as moças do lugar foram arrumando par. Namorando, noivando, casando. Umas emprenhavam e moço guardava na capoeira. Via-se mais não. Esbravejo de pai era comum, mas amolecia quando rebento nascia inocente e lindo.

Assim foi. Dia veio ideia. Sêo Hildebrando e dona Valdirene concluíram que era hora de desencalhar a filha mais velha Isolina.
Como moravam no sítio, a única chance de aproximar a filha dos futuros-quem-sabe-maridos era a festa da torda.
Relutante em sua timidez, Isolina acabou cedendo. Não sem muito conselho de mãe. Vê se me arruma moço bão de posto na obra, fecha as perna e segura mão de afoitado viu filha!

Na festa pai se ajeitou em um canto, com garrafa de boa cachaça a botar tento e proteção na cria.
Ela refuga dois, três pedidos de dança, vira e vê cara de pai amarrada. Se solta e dança com um, com outro e mais outro. Por fim achou rapaz arrumado, cheirando a leite de rosas e com botina bem zelada. Encantou. Marcaram encontro e visita ao sítio para pedir namoro.

Na volta pra casa, já na charrete, o pai animado pela pinga e pelo encontro, pergunta à filha:
— E aí filha, moço bão né?
— Bão pai. Respeitador que só.
— E o serviço, pelo tipo é de bom posto, é engenheiro, tô certo?
— Tá não pai, diz ele que tem cargo dos mais importantes e sem ele a obra não anda. É diretor de pare-siga.
O velho não quis se fazer de dessabido . Calado ficou, matutando que profissão era essa. Queria coisa boa, de posição e recurso para filha. Ia assuntar. Ora, se não!

No amanhecer escuro do dia seguinte arriou cavalo e seguiu para a obra. Objetivo traçado.
Demorou muito não. Na entrada da obra a estrada afinava, era cavada entre pedras e as rochas permitiam passagem de um ser vivente de cada vez. Fosse carro, caminhão, trator ou cavalo, era um estreito que só.
Já na boca do estreito deu com o moço, agora de uniforme amarelo e capacete, com placa na mão. Ele a virava para um lado, que era vermelho e escrito PARE. A torcia para o outro em verde, era SIGA.

Operador de pare-siga, pensou então o pai. Pensativo, deu volta nos cascos, rumo de casa.
Pois olhe, se deu casamento, não posso contar. Isolina, mande notícias.

William H Stutz
Veterinário e escritor






Publicado em Uberlândia Hoje em 12 de fevereiro de 2017

segunda-feira, fevereiro 6

Envelhecer

 Pois assim é. De tempos para cá ando a pensar no tal do envelhecer. Absolutamente não, nada me diz respeito diretamente apesar de me saber em constante mudança de era. Isso, o início da contagem dos anos já se vai longe, mas nem tanto assim. Acostumei a buscar a marca do tempo nas outras pessoas. Quando você fica muito, muito tempo sem encontrar alguém e do nada topa com ele, ou ela, as manifestações são mais marcantes. É cada susto que só.


A mais bela e cobiçada da rua, dono de sonhos e desejos de tantos, como flor de sete-copas murchou, amarelou a pele, o sorriso e este dói, ficou pálido. São alguns casos isolados te garanto. Para algumas gentes o tempo é extremamente generoso e com o seu passar estas pessoas ficam cada vez mais bonitas, pele linda, sorriso radiante. Tudo haver com modo de vida e aqui não me remeto a alimentação regrada, exercícios físicos diários que tem sim sua função de inegável preservar, nem conto de medicamentos milagrosos vendidos em cápsulas ou garrafadas. Falo do coração. Não do coração anatômico que faz circular e trocar o sangue, encher átrios, ventrículos, válvulas mitrais , veias cava e, por vezes, pontes e stends.

Não. Refiro-me ao coração poético, benfazejo, que dói de amor e não de enfarto, que pára de paixão e não na morte física. Refiro-me ao coração da sensibilidade, da afeição, do amor. Quem tem este acesso pulsando é eterno jovem. Pode até envelhecer, mas é lento e quase imperceptível. Repare quem ama e quem vive paixão. É diferente. Mais leve, mais sorrisos, menos desatento com as coisas do mundo. Passarinho é lírico, caramujo simpático, borboletas bailarinas.
Que todo ser vivente envelhece é fato, mas como o fazem é que é fita.

Ódios, rancores, sentimento de vingança. Inveja, medo, ganância. Bebem dessas águas e envelhecem feios e solitários.
E por falar nisso, hoje ouvi frase ótima sobre beleza e feiúra. Conto: “Gente feia é igual gente bonita, só que feia”.
Contam com muita propriedade que as três causas principais de mortes entre os erados são: tombo, friagem e caganeira, nessa ordem. Cuide-se pois e deixe a poesia te levar, o amor de preencher, o sorriso te iluminar. Que vai morrer, a lá isso vai, mas tenha certeza, vai demorar um cadinho mais. A escolha é sua. No mais, Gerais.







Publicado em Uberlândia Hoje 05 de fevereiro de 2017