quarta-feira, julho 19

Here there and everywhere

Não sei, por mais que se viva atento, tem um bando de coisas que nos fogem, escapam aos olhos, ao sentir, ao mais profundo e silencioso pensar. Manada de enormes girafas em seu absoluto silêncio passam às suas costas e você, entretido com um nada, deixa de perceber.
Não sei. Tiro noites a sonhar estrelas que, dizem , nem mais existem. Só nos chega um brilho espectral, eterno viajante a assombrar e encantar. Te conto baixinho que estas fantasmas de luz quando contadas a dedo fazem nascer verrugas, um perigo. Sobre nós um falso céu estrelado, mas como fogo fátuo, Boitatá protetor, continua a esquentar peito com beleza, sonho e poesia.
Penso, não sei direito, se tudo assim anda de formosura solitária nós também rumamos para um deserto de emoções puras.

Namoro/amor/encanto de aplicativo dura mais do que o vivido, tocado. Passam-se anos de convivência boa com troca, carinhos, amor, risos e afagos. É só entrar no relacionamento que aplicativos, trocas de mensagens, imagens, defectíveis mensagens vazias de bom dia, de oba chegou sexta-feira, fazem com que aquelas 24 horas chamadas segunda-feira tornem-se nossas inimigas, a lembrar que a vida não é para um fim de semana. Os aplicativos ampliaram ou deram voz e rosto ao ódio pela semana, raiva da vida.
Os risos, as gargalhadas transformadas em ridículos kkkkk, jajajajaja espanhóis, lol ingleses, risos de polidez, de cyber-etiqueta , Socila dos novos tempos.

O beijo, uma careta horrível com beiço de chipanzé. A expressão máxima do amor, outra cara de lua amarela com dois corações no lugar de olhos. Para cada expressão ou sentimento, uma figura.
Relações não podem existir fora das redes.

Você chega em casa recebe um oi, um beijo por um “app” que não significa área de Preservação Permanente” e muito menos “áreas de aproximação”, do inglês em torres de comando aéreo ” approach control”, mas algo como “aplicativo”. Aqui o app virou zap. O que seria numa analogia sonora gringa com “what`s up”, aqui, na bruta, virou ‘uatszapi” ou “zap” ou, pior ainda, “zap-zap”.
Sei, sei. Não sou o primeiro e acredito não serei o último a falar desses alienadores programas.

Assim meus amigos, dada as circunstâncias, resolvi falar o menos possível. Vou aderir a todas as tecnologias de comunicação, reduzindo palavras, rindo em Ks, chorando em snifs ou carinhas tristes. Desejando bons dias e espalhando ops, compartilhando curtidas e améns para não quebrar correntes nas quais até o filho Dele está batendo à sua porta, acompanhado quase sempre de alguma frase tipo “se você acredita, veja o que vai acontecer em sua vida”, além de fazer papel de idiota, é claro.
Vou salvar vidas de crianças com doenças raríssimas onde cada “curtida” vale uma doação virtual. Não vou procurar saber se o que compartilho é verdade ou um “Hoax” – olha a palavra criada para falso. Parece ou não nome de dragão nórdico, inimigo do Thor e assassino de aldeias Vikings? Pelo menos a linda e deliciosa donzela ele leva. Bobo nada!

Não sei. Quer saber ? Sei sim! Em um mundo real onde o assédio moral é uma constante e se traduz em isolamento e descaso, as redes sociais têm até um papel importante em denunciar o errado e de mobilizar. Sabendo usar são fantásticas. Aliás, sobre assédios e isolamento está no prelo um imenso artigo/crônica/caso. Sem pressa vou tecendo essa história e hora conto.
Use bem, mas quer um conselho? Quando chegar em casa, no bar, “here, there, anywhere”, desligue Faces, Instagrams, Twitters, Whatsapps. Desligue tudo! Caso contrário suas relações afetivas estarão por um fio.

E, queridos, quando quiserem um pouco de isolamento leiam um livro, escolham um bom filme, pois assim, mesmo longe, jamais ficarão irritados com chamados à cozinha, ao jardim para ver flores ou ao quintal para namorar lua e brilhos de estrelas que, para você, jamais estarão mortas. Eternamente belas e singelas.






Publicado em Uberlândia Hoje em 19 de julho de 2017

terça-feira, julho 18

Foda-se




"Voto para Membro Eterno da ABL!

Millôr Fernandes escreveu e publicou milhares de toneladas de textos, incríveis e infernais textos, usando uma máquina de datilografia. Um gênio pré-histórico sem igual, sobretudo por sua eterna atualidade. Data vênia, aliás, máxima vênia, respeitando a sensibilidade dos mais pudicos (que não devem prosseguir lendo), selecionamos um de seus escritos mais memoráveis, sua tese de doutorado para aplicar xingamentos no momento certo e exato.
Para vocês o FODA-SE, do maior filósofo ipanemense de todos os tempos, Millôr Fernandes."

Ricardo Kohn, Escritor.


"O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de foda-se! que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do foda-se!? O foda-se! aumenta minha autoestima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.

─ Não quer sair comigo? Então, foda-se!

─ Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então, foda-se!

O direito ao “foda-se!” deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

Pra caralho, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que pra caralho? Pra caralho tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do Pra caralho, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso Nem fodendo!.

O “Não”, “não é não!” e tampouco o “nada eficaz” não têm mais nenhuma credibilidade. Não, absolutamente não o substituem. Mas o Nem fodendo é irretorquível e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo: Marquinhos presta atenção, filho querido, Nem fodendo! O impertinente se manca na hora!

Por sua vez, o porra nenhuma! atendeu tão plenamente a situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional:

─ Ele redigiu aquele relatório sozinho?, porra nenhuma!

O porra nenhuma, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos aspone, chepone, repone e mais recentemente, o prepone – presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um Puta-que-pariu!, ou seu correlato Puta-que-o-pariu!, falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba…

Diante de uma notícia irritante qualquer puta-que-o-pariu! Dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso vai tomar no cu!?

E sua maravilhosa e reforçadora derivação vai tomar no olho do seu cu!. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:

─ Chega! Vai tomar no olho do seu cu!. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua autoestima. Desabotoa a camisa e sai a rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: ─ Fodeu!. E sua derivação mais avassaladora ainda:

─ Fodeu de vez!

Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar. O que você fala?

─ Fodeu de vez!"


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segunda-feira, julho 10

Praça

Foto: William H Stutz


Engraçado, a passagem nem era para virar escrita, mas uma foto, na verdade várias em uma rede social plantou o pensar dentro de mim e, por bem, acho melhor compartilhar. Assim são as histórias. se você é do tipo que olha o entorno com olhos de bicho ou de atirador sabe do que estou falando. Tudo quanto há vira narrativa, vira conversa vira assunto.
Não gosto de descrever o horror, o feio lado da alma humana ou das coisas, das pedras, dos bichos, das árvores.
Desvio olhar de acidente acontecido, as gentes se aglomeram para apreciar o trágico, corto volta. Se acontece na hora paro ajudar, mas não procuro horrores, me apego a amores.

Assim seguindo para resolver assunto passo pela praça e me dou mais uma vez com o espetáculo do belo vestir da linda da praça. Todo ano assim se faz, primeiro se desnuda em sensual cair de vestes folhas. Nua se deixa ficar. Poucas a olham. mas de salto em pleno romper de manhã esplendorosa de um finzinho de junho ainda cheirando a pólvora dos foguetes dedicadas aos santos, eis que em pudor adolescente se veste em traje de gala. De folhas, agora flores em profusão estonteante amanhece linda em lilás vivo. Se nua atenção não chamava, agora, raro aquele que não lhe dirige um olhar mesmo ligeiro. Por alguns segundos ou fração esquece problemas, desgostos, rotina, planos. Por mais breve que seja, aquele simples olhar leva a lugares ocultos dentro de cada um. Cheiro de mato, colo de mãe, beijo de filho, abraço de amigo, ranger de porteira, latido do primeiro cão da infância. A namorada que ficou escondida no passado, talvez a o primeiro toque em seio de mulher.

 Mesmo o mais distraído mesmo sem querer, sem sentir/perceber se projeta longe, até que a buzina do carro de trás o faz movimento. Automático, o olhar da bela da praça para o retrovisor, não viu direito nem um nem outro. Mas ela deixou um gosto doce na alma, imperceptível mas deixou. Todos chegarão em casa mais leves como se anjo lhe cantasse aos ouvidos suave perfume.

Ligeira, tempo curto. Aos poucos, com sensualidade, gestos milimetricamente calculados, se despe serena. Olhos desejosos observam suas vestes a cobrir chão agora transformado em deleitoso tapete. O erguer da vista é sem querer, nascem sorrisos e suspiros. Ligeira, tempo curto logo amanhece plenamente nua. Devagar, botões a lhe fazer cócegas vão muito lentamente cobrindo seu corpo, galho a galho, não há mais plateia.
Morosa, já naquele instante inicia ensaio
para sua apresentação em outro finzinho de junho, ar cheirando a pólvora de foguetes que tanto céu seco iluminaram em louvor a santos, e são tantos os santos.







Publicado em Uberlândia Hoje em 5 de julho de 2017