sexta-feira, setembro 25

Estiagem

“Ninguém recebe agradecimento por estar certo”

Escritor e matemático John Casti

 Tarde modorrenta outra vez. O calor se faz tanto que quase dá para senti-lo com as mãos como se fossem gotas de chuva em luz. Os gatos se escondem em sombras preguiçosas, com muito custo e abrindo olho só, bocejam sem precisar mexer um músculo além dos necessários. Enfastiados, quanto em vez valem-se de um pequeno tremor de orelhas a espantar mosquitos, deixam a cabeça cair de lado voltando a cochilo sem sonhos.

As Angolas antes arteiras e velozes, se recusam agrupar na grama forçadamente verde por molhança inútil de mangueira. Mesmo percebendo movimento diferente a preguiça as deixa assim, um quase inaudível “Tô...”, o “fraco” da cantiga, é engolido  seco com a umidade de deserto...

O vento se atreve mormo. O sol indomável explode nas paredes dos muros e as transformam em barro de fornos de carvoeiras.

 A noite vai custar a chegar. Mas como sempre o tempo não dá trégua e cauteloso avança.  O chegar do fim dia calor não respeita e fica. As pás dos ventiladores movem ar morno. A secura parece amainar. Pura impressão.

As cigarras arriscam um canto de namoro. Promessa de chuva perto? Antes era assim. Hoje? Vai saber, os bichos e seus fazeres foram mudados por nós, na bruta.

Lá embaixo, beirando brejo sapos em muito cantar saúdam o chegar da noite. Não, não conseguimos destruir o ciclo da vida dos pequenos. A sinfonia tanto dos sapos quanto das cigarras anuncia sim que logo as águas vão voltar. Não deu outra, as águas deram o delicioso ar da graça em plena segunda-feira, o som cadenciado nas telhas me acordou em plena madrugada. Pela janela a ver a festa. Durou pouco é verdade, mas lavou o céu e muitas almas. Amanheceu com sabiá cantando. Sei que poucos notam, mas fui acostumado assim.

Falo baixo demais segundo algumas pessoas e sempre me fiz longe de gritaria humana onde todos falam ao mesmo tempo e ninguém escuta ninguém. Com outros viventes, das pequenas abelhas Lambe-Olhos com seu milímetro e meio aos imensos jequitibás-rosa me dou melhor. Falo com plantas e bichos e podem acreditar elas respondem. Um dia, tempos atrás, semente de lichia foi gentilmente colocada em um vaso de minha horta. Anos se passaram, mas ela, indiferente ao tempo, teimava em se deixar quando a de palmo e meio de altura chegou. Sentei bem perto passei os dedos entre suas folhas então ásperas e cochichei baixinho recado de última chance. Ia transportá-la para vaso pequenino dando espaço para outra planta. Dois dias se passaram e os brotos em tons claros de um verde macio surgiram. Podem me dizer louco, mas assim aconteceu.

Com bichos e plantas tenho troca, com humanos quase nunca.

As inter-relações humanas são, maneira geral, tóxicas. Sentimentos ancestrais afloram com facilidade não em mim, bom eventualmente sim, não  fujo a regra, porém aprendi controlar e calar, mas noto em algumas pessoas de meu convívio pessoal e virtual: ódio, inveja, arrogância, competição. O simples fato de não ser ouvido em uma conversa deixa escancarado o mais primitivo sentir brotando dos grotões da consciência humana.

Tente conversar com um maluco terraplanista ou um antivacina. Assim também se dá com um fascista, um xenofóbico, um racista ou misógino. Me desculpe o excesso de pleonasmos. Boa sorte com seu monólogo. Ou melhor não perca seu tempo, deixa prá lá, nada de bom vai receber. Exemplifico: Estou em alguns grupos de WhatsApp por pura educação, pois nunca, nem escrever neles escrevo, mas também nada leio. Toda noite vou lá e limpo a conversa, só tem bobagem e um ranço triste. Claro, gosto de alguns e é por respeito a estes que ainda fico, por enquanto.

 Um dia deixo de lado as bobagens e saio desse convívio tão perigoso e peçonhento quanto sala de fumante.

 Céus, sim ao céu e à chuva voltemos. Preciso aprender a fugir de devaneios com tanta frequência. 

 A chuva. E nós, algum tempo depois das chuvas começaremos a reclamar do excesso dela . Eterna insatisfação, o ser humano desconhece felicidade plena.

Verão, ovos nas cercas e rezas para Santa Bárbara pedindo o fim das redentoras águas.

O calor, o incomodo passado do quase irrespirável ar seco em poeira e fumaça serão rapidamente esquecidas. As conversas, ah as conversas...

Será quando que vai estiar de vez? Pô essa chuvarada não passa? São Pedro está apelando...

E as florestas ardendo em criminosas chamas outra vez. Um ciclo de destruição que a cada dia nos leva mais próximos da extinção. O planeta terra agradecerá. Não faremos falta

Destruam as cidades e as florestas renascerão, destruam as florestas e as cidades sucumbirão

E ninguém por nós, ninguém pela vida.

 

Publicado em Diário de Uberlândia em 25 de setembro de 2020



segunda-feira, agosto 24

Boas viagens

Acordei hoje com vontade louca de viajar. Já tinha virado costume. Não, não me refiro a viagens de atravessar o Atlântico e tais, pois estas estavam programadas para outro momento. A última, malas prontas, passagens marcadas, resolvemos saborear um vinho em Valparaiso e deitar os olhos nas paisagens das quais Neruda tanto desfrutou de suas janelas, em sua morada Casa La Sebastiana, hoje museu. Também imaginávamos degustando um delicioso caranguejo ou um Chupe de Mariscos no Mercado Puerto, sentindo a brisa do Pacífico, nem tão manso assim por essas bandas.

Claro que Santiago estava programada, assim como o deserto de Atacama ao norte e a Patagônia Chilena ao sul. Se dinheiro desse, uma expedição à ilha de Páscoa estava no cardápio.

A primeira ideia de destino era a Colômbia, mais precisamente Cartagena das Índias, com seu cálido mar caribenho. O roteiro bem estudado incluia as ilhas de Rosário, o Castelo San Felipe e Las Bóvedas, que também queríamos conhecer.

Tanta coisa, que fica até difícil descrever. O que é que aconteceu? Tivemos que (des)escrever todos os sonhos. Motivo? Dengue. Isso mesmo, a tal dengue que as autoridades insistem em divulgar que os casos estão noventa e cinco porcento menores do que o ano anterior. Ah, como amo estatística! Instrumento perfeito, tanto para reforçar verdade, quanto para criar sensações de falsa segurança nos incautos, não afirmo que seja o caso aqui, mas cara, sei que estamos na seca, mas mostrem-nos um dado comparativo sem pensar em ano político, mas com foco na nossa gente. Ano passado mesmo em julho/agosto qualquer febrezinha (já ouvi alguém dizer isso), e o diagnóstico era… dengue, Agora, tossiu, espirrou ouviu dizer… Covid 19.

Nada melhor para maquiar uma adversidade do que uma maior e mais aterradora. Mas esse assunto não me importa mais e me esforço e quero acreditar que seja verdade. Do julgamento de nossas ações e palavras ninguém escapa e não estou me referindo à mística religiosa da eterna luta entre bem e o mal. Anjos e Demônios se digladiando. Em saúde coletiva não tem como enrolar por muito tempo.   As contas são ajustadas aqui mesmo meu rei, aqui mesmo.

Enfim, caí uma semana antes da tão esperada partida. Dá para imaginar a frustração.

Apesar de detestar fazer malas, desfazê-las no mesmo lugar é pior ainda.

Sem problemas, outras datas virão, pensamos. Tome sonhar planos, lugares, desejos. Uma cerveja gelada à beira-mar em qualquer lugar do Caribe, ou mesmo em algum canto sossegado de uma praia deserta de gente aqui no Nordeste. Certo, podemos mergulhar com os peixes em Bonito, visitar e descobrir as belezas da Serra da Bodoquena, suas trilhas, cachoeiras e grutas.

Aí... O mundo parou, os sonhos novamente adiados, mas desta vez para não se sabe quando. Instala-se a pandemia de um novo Coronavírus. Juro, não queria tocar mais nesse assunto, mas tem como fugir? Resolvemos não programar mais viagens. Mas, mesmo assim, continuamos viajando todo dia. Bons filmes (vimos tantos que os bons começam a ficar escassos). Viajar em leitura, valendo revisitar paragens maravilhosas. Cortei o Urucuia com Diadorim, sofri com Riobaldo:

(...) Aquela Mulher não era má, de todo. Pelas lágrimas fortes que esquentavam meu rosto e salgavam minha boca, mas que já frias já rolavam. Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais levados de verdes... Buriti, do ouro da flor... E subiram as escadas com ele, em cima de mesa foi posto. Diadorim, Diadorim – será que amereci só por metade? Com meus molhados olhos não olhei bem – como que garças voavam... E que fossem campear velas ou tocha de cera, e acender altas fogueiras de boa lenha, em volta do escuro do arraial... (João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1968. p. 453-454.).

Chorei com Sorôco, morte e dor. Rosa nos faz viajar, viajar.

Mais decolar: retornei à Aragão e a Catalunha, ciceroneado pela ingenuidade de Dom Quixote de la Mancha e seu fiel escudeiro Sancho Pança. Cervantes nos permite sempre cavalgar o velho e sofrido Rocinante que, dependendo do dia e como estou “viajando”, se não tem turbulência e o céu é de Brigadeiro, se não há mar agitado, na minha cabeça se torna o belo Pégaso, filho do amor impossível de Poseidon e Medusa.

De Rosa a Garcia Márquez, ainda lhe vejo Cartagena. De Cervantes ao símbolo da Santhatela, rica mitologia grega. Podemos sim viajar “por mares nunca dantes navegados.” Perdoe-me Camões, mas também revistei seus poemas, sua Coimbra. “Que me quereis, perpétuas saudades?/

Com que esperança ainda me enganais?/ Que o tempo que se vai não torna mais/ E, se torna, não tornam as idades.”

Melhores dias virão, mas enquanto isso tenho uma estante repleta de belas viagens com vantagens extras. Na~p carece check in, execesso de bagagem só depois da jornada sempre voltamos mais ricos. Especial amigo e grande Juiz togado Dr. Queiroz, que dispensa e ralha conosco pelo “Dr.”, definiu em uma frase estes tempos turbulentos: “Barriga cheia goiaba tem bicho, barriga vazia vai com bicho e tudo.”

# vaipassar #sepuderfiqueemcasa #sempremascara e claro, viaje muito, certeza que em sua casa tem passagens para lugares mágicos esquecidos, empoeirados em algum canto.

 

 

 

 

sexta-feira, junho 26

Carta aos netos


Meus queridos netos/netas. Tenho que citar os dois gêneros se não os excessivos “politicamente corretos” vão cair matando. Poderia usar um X para resolver o caso. Olha o que inventaram! Machado de Assis deve estar a dar pinotes na tumba. Seria tipo netxs referindo a ambos os sexos, mas como o X foi adotado por posição política de esquerda, aliás com a qual muito me identifico e simpatizo dependendo de referencial é claro, mas turma da direita já viu, vai criar caso. Não que me incomode nem um pouco com que os reacionários/fascistas possam vir a sonhar. Nem aí para o pensar deles, mas escrevo para contar o quão radicais se tornaram os nossos tempos, uma chatura sem fim, tempos de correntes de pensamentos horrivelmente dicotómicos e radicais. Um dia vocês vão escutar uma história desse passado muito louco. Queria e quero eu poder contar pessoalmente a experiência pela qual passamos, em um longe 2020. Se não for possível, serão meus filhos, genro, nora e seus outros avôs e avós que também vivenciaram o inacreditável e darão a vocês um testemunho tristemente histórico. Parece escrito de Garcia Márquez de tão surreal.

Tenho que lhes dizer que o bisavô de vocês, meu pai, pôde também, do jeito dele, reservado sobre o assunto, me passar outro relato histórico forte sobre a segunda guerra mundial, sobre os horrores do nazismo e do holocausto. Ele combateu muitos anos no front de batalha. Era da Marinha dos Estados Unidos e viu com os próprios olhos o que muitos hoje negam ter acontecido. Espero que vocês possam resgatar e entender de forma honesta a barbárie daqueles anos negros, nunca podemos esquecer para que não se repita. Mas este não é o foco dessa missiva, apesar de já a terem chamado de insignificante. O tempo, poderoso e soberano tempo, provou o contrário.

Em minha época de escola estudamos e avaliamos muitas situações complexas em várias áreas. Vimos em sala de aula como se deu a evolução das espécies e tivemos, entre outros, Darwin como ídolo. Trabalhamos as artes e seus grandes mestres, enveredamos pelos principais movimentos artísticos e seus expoentes. Aqui no Brasil debatemos com ardor a bela mudança que nos proporcionou a semana de arte moderna de 1922. Para vocês, se não mudou, ficou uma escola estéril, onde mal e porcamente se aprende ler e escrever.

Porém, vocês terão oportunidade de ver tudo isso, pois seus pais são especiais e os guiarão pelos caminhos do conhecimento, da justiça e, como eles, serão íntegros e engajados em lutas contra preconceitos de quaisquer espécies. Saberão se indignar.

Quero lhes contar, netos queridos, sobre uma fase bizarra que todos nós passamos. A pandemia de um coronavírus altamente contagioso e com uma letalidade como nunca tínhamos visto.

De um dia para o outro, o mundo como conhecíamos mudou geral. Pegou o planeta de surpresa e, como sua parente a gripe espanhola, lá em um quase pré-histórico 1917-1918 fez estragos, com mortes inimagináveis. Caso tenham curiosidade e queiram ler, o nome “Espanhola” não tem nada a ver com a origem da doença, mas sim, se deve à imprensa espanhola que “ficou conhecida por divulgar as notícias dela pelo mundo. A explicação para isso tem relação direta com a Primeira Guerra Mundial.”(História do Mundo, www.historiadomundo.com.br)

Sua mãe, sempre disse que eu sou dramático, que exagero em tudo mas tenho certeza que dessa vez ela vai concordar comigo.
Até os feriados mudaram de data. Nossa senhora da Abadia mudou para 12 de junho, normal é 15 de agosto. O aniversário da cidade adiantou para 16/06. Nessa toada vamos comemorar o Natal em setembro e nem vai ter ano novo, pois este 2020 simplesmente não existiu.

Isso vocês poderão ler em qualquer E-reader ou tablet. O que quero contar é um pouco do impacto que a atual pandemia causou em nossas vidas. Pensem. Quarentena implantada, só podemos sair de casa para ir comprar comida e remédios. Bares, comércios, clubes, transporte coletivo, tudo parado. Praças interditadas, ruas desertas e um silêncio sepulcral. O desemprego tomou conta, milhões desempregados, passando fome e desespero. Ao mesmo tempo o serviço de saúde não dá conta da demanda, com hospitais lotados e filas de espera por um respirador. A parte mais trágica são as mortes. Milhares e milhares sob os holofotes da imprensa que não dá trégua e só mostra tragédia. Quando se tem uma folga e são feitas as tais flexibilizações com abertura de alguns setores, o povo sai aos montes pelas ruas, como se nada estivesse acontecendo. Fazem festas, não usam máscaras para se protegerem e muito menos protegerem aos outros. Aí vem uma nova onda com aumento de pessoas infectadas e joga todo mundo em casa outra vez. Mais mortes. Nada aprendemos com a “Espanhola”. A história é cíclica e nos mostra isso. Agora se vive a loucura da busca por uma vacina ou tratamento e o que vemos? O poder do dinheiro. Grupos se unindo para ver quem primeiro acha alguma solução e de preferência cara. O lucro acima das vidas. Nada muda mesmo.

Nada do pouco que aqui conto vem para trazer pânico a vocês. E o muito a contar, contarei pessoalmente um dia. Entretanto, continuarei a escrever relatos de um tempo que transformou o mundo, mas que parece não transformar o ser humano. Fico quieto aqui, paciente, esperando o nascimento de vocês. Sei que seu pai e sua mãe os têm em planos e a hora de chegarem é a hora que eles acharem certo. Não tenham pressa, nesse meio tempo vamos lutando para que encontrem um mundo mais bonito, mais justo, mais perfeito, onde reine a paz, o carinho entre as pessoas e um relacionamento do bem com o planeta e com todas as criaturas viventes. Beijos. Os amo desde já.

William H Stutz
Jornal Diário de Uberlândia

https://diariodeuberlandia.com.br/coluna/4517/carta-aos-netos




sábado, março 21

Final de partida



Nada de original no dizer, mas tenho que. Cada dia de nossas vidas um aprendizado, um susto, uma decepção, cada vez um pouco mais atento.

Um domingo. Fui assistir clássico das letras, UEC versus URT.

Tempos sem estádio visitar. Estranhamento ao ver o belo gigante do Sabiá quase às traças, a conservação exterior e de acesso um horror, bateu um calafrio. Deu uma saudade dos tempos da Dona Maria do Estádio. Cuidava do Sabiá como se fosse a casa dela. Zelosa, não deixava nada passar. Um sujinho aqui, já gritava por limpeza. Nem pombo fazia ninho na fiação exposta. Hoje, me lembrou a decadência do velho Juca Ribeiro.

O gramado não. Está impecável. Levando-se em conta os times que agora o Uberlândia Esporte enfrenta, com exceção os da capital, podemos considerá-lo o décimo segundo jogador do Verdão, pois não é fácil para a várzea, sem desmerecer ninguém, suportar a correria naquele tapete.

Falta time? Claro que sim. O pessoal está dando sangue, correndo feito louco, mas cadê investimento? Por onde andam patrocinadores de peso? Tiro o chapéu para o Café Cajubá. Este nunca abandonou o futebol local. A tão pujante Uberlândia é pobre em visão e, para variar, dão mais força para os de fora. Soube que uma grande empresa de nossa cidade patrocina um time de São Paulo. Tem base? Até em carnaval de outro estado a prefeitura já participou.

Pronto. Domingo fui assistir ao jogo. Já estava feliz com a vitória de meu Galo sobre o Cruzeiro no dia anterior e queria fechar a semana com festa dupla. Interessante como quase todos se conhecem pelo nome na pequena, mas fiel torcida. Parece encontro de amigos em churrasco.

Tinha tudo para ser um domingo normal. Enquanto aguardava em frente à bilheteria o companheiro de futebol domingueiro, sogro de minha filha e grande companhia, ao qual tive a liberdade de me convidar para acompanhá-lo, sabedor de que ele não costuma perder nem um jogo do Periquito, um pequeno corre-corre se formou à minha esquerda. Logo a ambulância dos Bombeiros chegou em sirene. Um torcedor foi ao chão de asfalto quente devido a um mal súbito e foi levado para uma UAI (Unidade de Atendimento Integrado). A notícia veio antes do início do jogo. O torcedor não resistiu e faleceu em pleno domingo de muito sol e céu azul. Fiquei muito tempo a olhar o gramado sem nada ver. Quem seria este homem? Como acordou naquela manhã? Despediu-se da mulher e filhos, vestiu a camisa de seu time e feliz foi ao jogo vibrar. Quem sabe depois comemorar uma vitória com os amigos ou tristemente encarar uma derrota? Custei a sintonizar no jogo e ter a grata satisfação de ver nosso Uberlândia Esporte vencer com placar de 2 x 1, com gol aos 47 minutos do segundo tempo.

Caro torcedor, que partiu tão precocemente, tinha 57 anos. Não o conhecia, mas acho que esta vitória deveria ser dedicada a você. Minhas condolências à família. Sim, houve um minuto de silêncio para uma pessoa que, apesar de não a ter conhecido, merece todo nosso respeito. Infelizmente, como em tantas partidas, poucos vão lembrar seu nome. Justa homenagem. Mas morrer tão cedo?

Será que ele sabia seu destino ao sair de casa, depois de tomar seu café, despedir-se da família e beijar as crianças? Sentiu em algum momento que não retornaria?

Efêmera vida.

Cada dia de nossas vidas um aprendizado, um susto, uma decepção. Cada vez um pouco mais atento e aberto a cada segundo, pois o próximo pode nem chegar.





Diário de Uberlândia 20 de março de 2020

Nove moças e um galo - reminiscências





O ano? Não me lembro mais. Época boa, estudante morando em república, precisa mais? Apertos comuns a todos e já deles falei, mas que eram recompensados por uma vida em que a maior preocupação era fechar todas as matérias do período. Apesar de o curso ser integral, dava-se jeito de trabalhar à noite. Aulas de inglês. Puxado, mas divertido. As repúblicas faziam alegria e aborrecimento da cidade, morar vizinho de uma podia ser sinal de dor de cabeça. Sempre tivemos vizinhos muito bons e compreensivos, nos suportavam, relação harmônica.

Pois foi nesse tempo que aconteceu ótima passagem. República só de garotas. Nove de uma vez, cobiçadas, viviam cortejadas por filas imensas de estudantes vorazes em adolescência. Moravam em um prédio baixo, três ou quatro andares apenas. O apartamento delas parecia dormitório de colégio interno de freiras. Sete camas militarmente enfileiradas e, ao fundo, um beliche.

Sempre imaginava como seriam as noites ali. Lá pelas tantas, os falares dormindo, os roncos, é, acha que não? Meninas também roncam e alto às vezes. Pensa-se que cozinhar não seria problema, pois dezoito prendadas mãos estariam ali sempre alegres e dispostas a fazer almoço e jantar. Vai nessa. Pena que em nosso tempo não existia Restaurante Universitário (RU). Ali nas meninas custava sair um café. Nove de uma vez, cada uma com um gosto, cada uma com desgosto de alguma coisa. Coentro nem pensar, sal de mais, sal de menos, comida no óleo, comida na banha. Melhor era cada uma comer onde bem entendesse.

Ciclos menstruais sincronizados têm disso, convivência. Casas dos horrores de cólicas e humor tétrico, TPM voando pela janela em rosnares. Ai do moço estudante que aparecesse por lá nesse período rubro-negro do mês. Assim eram as nove meninas. Um belo dia, resolveram, depois de muita, mas muiiiita conversa, fazer um frango caipira. Uma delas trouxe de casa na roça um vivo. Começou o dilema, quem ia matar o penoso. A faca de pouco fio, como quase toda faca de república feminina, passava de mão em não.

– Não pode ter dó senão não morre!
– Eu não faço isso nunca, faço veterinária para cuidar de bichinhos e não matá-los.
– Ah sei, mas churrasco no Vila Verde você come, né!
Passa o tempo. Tentam imobilizar o frangote. Uma segurando numa asa, outra noutra e nas pernas mais duas. Seis para imobilizar, uma para sangrar. Arrancar as penas do pescoço outro sofrimento.
– Pega minha pinça de sobrancelha – gritou uma. – Tadinho…
– Já diz, não pode ter dó! Aí é que não morre nunca.
Tarde caindo, fome apertando, o galo exausto quase se matando para ter sossego. O que se via eram nove meninas descabeladas, suadas, espalhadas pelos cantos. Não deu outra, desistiram e, banho tomado, refeitas e maquiadas, faceiras foram comer galeto frito no Sobrado, felizes da vida ver os moços e serem vistas. De lá para o Pedal (D.A. da Pedagogia, Economia, Direito, Artes e Letras).
Quanto ao frango. Bom, este também se refez, trocou penas, saiu da requeima do pretenso sacrifício, mudou-se para terreiro de vizinho das meninas. De lá, toda madrugada, cantava forte atazanando-as até que formadas, foram embora cada uma para seu canto.






Diário de Uberlândia  13 de março de 2020

Marcadores



Existem, sabemos, vários marcadores de vida ou do passar dela, de nossa existência. Marcadores físicos são facilmente identificáveis, embora depois do botox, do silicone e em dias de avanços da medicina, nem sempre o que vemos por fora reflete a idade cronológica. Porém, inquestionável sinal do tempo passar está dentro de cada um e este não tem como esconder, nem fugir dele. Temos em nosso corpo estruturas denominadas telômeros, do grego "parte final”:

"As extremidades dos cromossomos, como aquelas pontas de plástico dos cadarços do tênis. Eles são partes do DNA muito repetitivas e não codificantes - sua função principal é proteger o material genético que o cromossomo transporta.

Na medida em que nossas células se dividem para se multiplicar e para regenerar os tecidos e órgãos do nosso corpo, a longitude dos telômeros vai se reduzindo e, por isso, com o passar do tempo, eles vão ficando mais curtos.” - BBC News abril 2018.

Ficando mais curtos, estes marcadores biológicos do envelhecimento, vão ditando como uma ampulheta o tempo que nos resta neste plano e agendando nosso encontro com a energia maior, o Divino para quem crê ou para o nada como alguns querem acreditar, com Ele, não para acerto de contas, mas para em plenitude usufruir da eternidade. Carl Sagan nos dizia que somos poeira das estrelas, “Era o modo lírico dele de explicar nossas origens no Universo.”

Contudo, existem outros marcadores de tempo dos quais raramente nos damos conta. Podem ser músicas cantaroladas em reuniões de bons amigos, que pedem: Toca aquela do Adoniran! Ou, entre suspiros, alguém que de olhos fechados sussurra: Que saudade, me lembra Pierrot apaixonado, Fita amarela e Último desejo ou Palpite infeliz, estas do grande e eterno Noel Rosa.

Particularmente me deixo levar longe quando ouço Beatles, Pink Floyd, Led Zeppelin, Deep Purple, The Who, Elis Regina, Chico Buarque, Milton Nascimento e o pessola do Clube da Esquina ou outros gênios como Duke Ellington e seu mágico piano, de onde saiam o melhor jazz de todos os tempos. Posso ficar meses aqui lembrando marcadores: livros, quadros, peças de teatro, cheiros, viagens, amigos, gostos, paisagens, o perfume do primeiro e infantil amor, Lírio do Vale. Mas, vou ficar com um especial, lembrado por Irmãos também especiais.

Quando criança só usava calça Farwest e tênis Bamba. Eventualmente rolava um kichute e, para as ocasiões especiais, o sapato era um Vulcabrás lustroso. Dormia com a musiquinha dos cobertores Paranayba... Tá na hora de dormir, não espere mamãe mandar...

No inverno as casas Pernambucanas cantarolavam: não adianta bater eu não deixo você entrar... Acordava cedinho e logo tomava um banho com sabonete Gessy Lever. Lavava os cabelos com shampoo e os enxaguava com Creme Rinse.

Cabelo penteado com pente Flamengo (que nome horrível) e ajeitado com Gumex. Na adolescência o ritual do banho se encerrava com desodorante de leite de rosas e uma bela passada de perfume Lancaster, antes de colocar a camisa Volta ao mundo, engomada e tratada com anil.

O escovar de dentes era com Kolynos. No desjejum Toddy, com leite em litro de vidro da Itambé.

Na pasta de escola do Instituto de Educação e de todas as escolas públicas a cartilha Caminho Suave. Havia um estojo escolar Faber Castell, com tampa decorada com tucanos e papagaios. Alguns levavam também a caneta tinteiro Parker 51. No pulso um belo relógio de Georges Beguelin, automático!

Merenda? Pão com goiabada, cobiçada. Os cadernos tinham na contra capa as bandeiras do Brasil e de Minas, além do hino nacional. Presentes para namorada tinham que ser das lojas Slopper, senão era rompimento. Depois do almoço o sofrimento da colher de sopa de Emulsão Scott, o temido óleo de fígado de bacalhau. Aquele vidro com o homem com o peixe nas costas nos dava arrepios.

A roupa era lavada com sabão de quadro e com o já citado anil. O carro da família era uma DKW-Vemag Belcar. Antes dele foi um Simca Chambord. Paqueras. A bicicleta era uma Göricke, as Phillips eram muito caras, Irmão Ézio e depois da conquista, sorvete na sorveteria São Domingos.

Há ainda alguns lembrados pelos Irmãos/amigos Ézio, Daniel, Roni e tantos outros: Conmel, bicicletas Humner e Reileih, Geladeira Admiral Springer, Óleo de Rícino, Gelada Kibon, pílulas de vida do Dr. Ross, Óleo de Lavanda, 1,2, 1,2 Regulador Xavier... Poderíamos ficar horas aqui detalhando estes marcadores que tantas lembranças nos trazem. Contudo, encerro citando início de uma das marcantes músicas do filme Casablanca de autoria do magnífico Louis Armstrong:

“You must remember this/
A kiss is just a kiss, a sigh is just a sigh/ The fundamental things apply/
As time goes by”.

Sim meus amigos, Time goes by. Mas como valeu e ainda vale muita a pena!





Diário de Uberlândia em 3 de março de 2020

Infelicidade, TV e pescaria



Estudo recente realizado pela Universidade de Maryland, EUA, comprova que pessoas infelizes ficam mais tempo à frente da televisão. Quem sou eu para duvidar de pesquisas sérias e com base científica? Mas constatações dessa natureza me levam sempre a um devaneio.

Os tempos atuais, que daqui a pouco já serão versão beta, mudaram radicalmente nosso comportamento. Calma, sei, eu não disse nada de novo. Os perigos mudaram de endereço. Saíram dos quintais e das ruas pacatas de outrora, onde o maior risco era uma queda de muro ou de uma árvore, uma briguinha por causa de um jogo de bete ou pique bandeira, no meu caso, um tombo de carrinho de rolimã nas ladeiras ainda seguras de uma Belo Horizonte que, drumonianamente, virou retrato na parede e, estão agora vivendo lado a lado conosco em nossas casas. O mundo virtual transformou-se em campo minado, com grande poder de fogo, ameaça para nossos filhos, atraindo-os para armadilhas por vezes fatais. Paradoxalmente desenvolvemos diariamente mecanismos para patrulhar um mundo autorizado a entrar sem cerimônia em nossas alcovas.

Até o então inocente telefone virou arma de crime, e não estou me referindo às agressões cinematográficas com aqueles aparelhos pretos enormes não, falo de golpes variados praticados com o uso da invenção de Graham Bell. O isolamento familiar aumenta a olhos vistos. Raras as famílias que podem desfrutar de um almoço de domingo juntas. Não que todos não estejam em casa, mas um está no computador, outro, esse deve ser o mais infeliz, vendo televisão.

A prosa doméstica vem diminuindo. Se o filho quer falar com o pai, que mande um e-mail, ou um SMS. Viu as fotos de meu filho? Não? Estão no Instagram. O garoto está crescendo sô, tem tempo que não o vejo offline.

Até boletim escolar é virtual e pais só têm acesso se tiverem a senha. Se tiver nota vermelha fica uma semana sem computador ou sem ver televisão. Isso é que é castigo severo. Realmente as janelinhas de plasma, ficam mais tempo abertas do que as da casa, e o sol, a vida de verdade, presos do lado de fora. Também, quem liga?

Levantar da cama e correr para o quintal é coisa do passado na maioria das residências. Abrir as cortinas, deixar os sonhos ou pesadelos saírem e se dissiparem à luz do dia está cada vez mais difícil. Cá pra nós, tem coisa mais estranha do que levantar e ficar de pijama até a hora do almoço? E luz acesa de dia? Mas voltemos à televisão como indicador de infelicidade e por tabela da falta de prosa doméstica. Outro dia um amigo me contou história que demonstra que os tempos modernos estão contaminando até nós mineiros de alma simples e caipira. O caso: Dois compadres estão na barra do rio Tijuco pescando, bebendo uma cervejinha gelada e observando com atenção a boia, quando um deles diz:

- Tonho, vou me separar da minha mulher. Já faz três meses que ela não fala comigo.

O outro, após refletir por alguns momentos, lhe diz:
- Pensa bem Zé, hoje em dia é muito difícil achar uma mulher assim, com essas qualidades...

Quanta tristeza. Estes dois devem ver televisão demais da conta. Resta ainda uma dúvida a ser esclarecida pela tal pesquisa: se a felicidade leva as pessoas a ver menos TV, ou se o tempo em frente à TV leva à infelicidade.

Portanto, amigos, há esperança.





Diário de Uberlândia  em 28 de março de 2020

Psicografia



Como soco seco em vazio estômago, sobe em peristaltismo contrário e acaba na garganta como sufocante bolha de ar. O escrever. As letras mansas como gado tangido em corredor de terra, a vontade, a ideia, a vontade que conduz vem rápida. Ou se guia o gado ou o rebanho, como as palavras, se desfaz em nuvem pó, cada uma toma um rumo. Nunca mais.

Eu queria ter mais letrinhas na cabeça assim escreveria uma história que de tão grande a boiada sonora seguiria em longa fila. Das gerais das Minas ao sertão de imenso Goiás sem pedágio que a interrompesse. A caneta meu berrante, meus óculos minha visão.

De tão grande que o tropel levantaria nuvem de poeira densa. Se faria noite por seis dias, apagando estrelas por seis noites. E quando cortado o trecho e o pó em mansidão se assentasse, não haveria sujeira e tristeza, mas sim colorida e imaculada paisagem. Seria como se as mais puras das geladas brisas das montanhas em julho, lá da serra por ali fossem sopradas e a escuridão do tropel seria substituído por sol em invulgar brilho. Reinando. As gentes seriam felizes, belas e doces.

Eu queria tanto ter mais letrinhas na cabeça e o dom de juntá-las em harmônico conto. Seria conto de amor a longa história. Eu queria. O escrever sem ter lido. Estranho. Descobrir Kant, ou a saga de Tristão e sua salvadora e venenosa língua de dragão, troféu.
É como conduzir caminho vazio, sem carga. Porém o condutor se sente feliz pois para ele, seus olhos e seu corpo, a carga é farta em algo que alimenta, irá satisfazer almas.

Entre arrumações de camas, vassouras e faxinas, as ideias vão brotando. Entre trocas de pês e bês atrabalhando e atrapalhando. As histórias se formando, os poemas nascendo assim como que sozinhos, alguns cheirando a detergente outros a temperos raros: Anis estrelado em céu azul?

Psicograficamente, do nada, é o vazio da criação. Se algum valor literário pode ou não a escritos assim serem conferidos, se ruins ou bons podem assim soar, não importa. Quem escreve, quem compõe lava a alma, limpa a casa. Vive de ideias só suas sem sorver sentimentos alheios, sem se alimentar da alma do outro. Pensamento completo, só seu, difícil, inteiro, completo/completo/completo. Vampiro de suas próprias emoções.





Diário de Uberlândia 21 de março de 2020

2020, desafio final?



Acordo sentindo um peso de quase uma tonelada no peito. Estranho, deitei cedo ontem com um nó na garganta e desperto assim. Uma lembrança irritante vem me deixando angustiado dias seguidos. Outro dia topei com uma pessoa que muito conheço, que me chamou pelo nome e seguiu. Até hoje não consigo lembrar seu nome. Este incômodo foi o catalisador de uma série de pensamentos hostis.

Fico quieto. Nem estico o corpo. Qual motivo real para tamanha ansiedade depois de uma noite de sono profundo, sem sonhos? Nada, nenhum motivo aparente. Aparente, repito e reflito. Dou uma olhada para o passado recente e avalio, busco respostas, possibilidades, frustrações, perdas. Encontro resquícios e muitas cicatrizes. Algumas conheço bem, pois são antigas, outras não sei mais explicar origem. Recuso-me a sair da cama. O quarto ainda escuro me proporciona um abrigo seguro nesse estranho momento. Penso, repenso. Respostas, grito em silêncio. Peço ajuda aos Orixás, a santos que desconheço e, claro, ao meu São Jorge/ Ogum. Não clamo a Ele, pois seria egoismo ocupá-lo com tão pouco em momento no qual o mundo anda tão desarranjado, afundado em egoísmos e mal fazer. Opa! Uma luz se faz brilhar, tênue. Brilho que talvez me ajude a encontrar fonte louca de minha melancolia. Começa um play-back mental. Som precede as imagens que vão se formando. Motivo de tanto corroer pode aflorar. Talvez a psicologia tenha um nome, um rótulo, para o que estou sentindo guardado em algum pequeno frasco na prateleira dos tormentos humanos. Desconheço e batizo o que sinto de cafubira mesmo, pois deixa um coçar atazanado.

Penso primeiro nas loucuras locais. Um bando de vereadores é preso e eles passam Natal e ano novo literalmente na prisão. Até aí tudo certo. Errou, fez besteira, foi comprovadamente desonesto, abusou do cargo em benefício próprio, tem que pagar e caro.

Mas aí vem o torniquete da realidade, lentamente a apertar alma. Aos poucos fazem acordos, confessam falcatruas e um a um vai sendo solto. Alguns até voltam a exercer o cargo perdido. A justiça é cega, mas não é boba, Quem tiver culpa comprovada vai pagar, grita a voz da esperança dentro de mim. Para finalizar, custam a arrumar suplentes para aqueles que pediram para sair ou foram saídos. Todos fogem de exposição. Será algum medo?

Ainda local. Os servidores municipais ativos e aposentados são mais uma vez ignorados pelo executivo no que diz respeito a salários. Em um discurso vazio contam a todos do “aumento” oferecido. A ver navios novamente ficam os carregadores de piano municipais e, pasmem, alguns até aplaudem o recebido. Gado tangido por migalhas como recompensa em seus cargos comissionados. Espectros humanos.

Avanço para nosso espoliado Estado de Minas. Tragédias e mais tragédias. O horror de Brumadinho faz as gentes esquecerem Mariana. Nada como outra tragédia para apagar a anterior. A Vale continua mandando e desmandando. Corpos ainda não encontrados esperam enterro digno que não a lama fétida, espalhada pelas veias de nossa amada Minas.
Uma cerveja intoxica e mata, sem explicação lógica até hoje de como a bebida se contaminou. Teorias da conspiração pipocam nas redes.

As besteiras federais não param. Ministros e secretários brincam de troca de cadeira. Alguns viajam em avião da FAB como se fossem donos do país. A história da terra plana é fichinha perto do que está por vir da boca dessa gente. O presidente muda de opinião a cada minuto, “tá ok”?

Desconsidera a vida de quarenta e poucos brasileiros isolados na China em meio a uma emergência sanitária mundial. Seu ídolo do norte declara que onde estiver um cidadão norte-americano, este terá toda ajuda de seu país. O mandatário de plantão esquece o que falou, que era caro, que eram poucos, “só” uns quarenta, e felizmente, a pressão popular e o falar do outro do Norte o faz mudar de ideia. E nós, outra vez, gado.

Coronavírus, desonestidade, tapeação, mentiras e falcatruas. O torniquete chegou no último aperto? Que nada. Quando pensamos assim e olhamos no entorno estamos sós. Celulares deterioram as relações de afeto. No social as prosas pouco mudam e algumas vezes degeneram em falas inoportunas. Estorvo. Amigos de verdade, poucos. A vontade de levar vantagem pessoal em tudo se espalha em epidemia de caráter. Muitos “King of the hill” para poucas cadeiras.

Caramba, levantei brigando com o mundo hoje! Talvez um simples cansaço existencial, talvez choque de realidade para me tirar do mundo da fantasia criado por mim. Defesa, escudo, prancha de salvação. O ano nem começou, mas sinto que 2020 vai ser duro de encarar.

Meu amigo, minha amiga, se aviso fosse bom seria vendido e não dado, mas aqui vai um muito antigo: “No melhor pano cai a nódoa”. Se estiver triste, amargo, nunca escreva. E se escrever não publique. Fiz os dois. Dá um tempo, deixa passar. Pois vai passar, afinal o carnaval está aí. Vista sua fantasia de Pierrot, Palhaço ou Colombina e, se não der mesmo, finja alegria. Aos poucos tudo volta ao normal. Cantarole com a multidão: “A minha fantasia ninguém muda/ Este ano vou sair de Buda…”

E quer mesmo saber? Continuo não lembrando o nome do cara.




Diário de Uberlândia em 14/02/2020

domingo, fevereiro 9

Naftalina

Tem certas coisas que se eu contar podem até parecer mentira, conversa inventada ou coisa parecida. Mas estas estranhezas levam jeito de só acontecerem comigo. Mesmo assim insisto no falar sobre, depois não me crucifiquem quanto ao fato da maioria dos meus escritos terem bicho no meio, quase sempre como protagonistas. É sina. Fazer o quê?

Chego de treino anoitecendo. Raro isto, pois gosto de minhas corridas no bem cedo da manhã, ar orvalhado, dia querendo nascer. No trecho parece que vejo sonhos saindo sorrateiros de janelas, como a não querer serem lembrados por seus donos no despertar. Talvez aí more a razão de muitas vezes acordarmos com aquela sensação de algo esquecido. Observo os sonhos, lentos a flutuar deixando rastro de pequena lembrança para trás. Escondem-se em cantos calmos e talvez retornem na próxima noite ou hibernem entorpecidos para, só muito tempo depois, se manifestarem em um Déjà vu. Galicismo à parte, por favor. Sonhos fadas, deixemos as quimeras de nosso divagar de lado, se não nem história tem.

Pois sim, suado feito tampa de marmita pelas quase duas léguas entre trotes, tiros e rápido caminhar, nada melhor do que um belo banho, roupa velha desfiada e larga de em casa ficar. Um jantar leve e um esparralhar confortável, a buscar um bom filme para finalizar o abençoado dia.

Nesse zanzar pela casa, no sobe e desce escada, no vai daqui para ali, quem está juntinho ao meu calcanhar? Ora a Princesa, minha gata vira-latas. Aquela já citada aqui várias vezes e que até parece gente. Não, retiro o que escrevi, gente não, seria o estragar da felina. Arrumo: que até parece… gato.

Até quando ao chuveiro, ela fica deitada à porta a me esperar. Não sei se já contei que sempre procura algo meu para dormitar,camisa, mochila, cadeira, mas tem que ter meu cheiro.Torme com um olha aberto e outro fechado, tinhosa que só, Boba nada. Nós é que tentamos ficar com os dois olhos abertos, somos quase sempre pegos de surpresa, em ciladas vindas de tantos e menos esperados seres humanos. Muito a aprender com os bichos, felinos em particular.

Pronto. Já engatilhado um bom e velho filme me ponho a rever pela enésima vez, com prazer, o indescritível “Casablanca”. Humphrey Bogart como Rick Blaine, Paul Henreid, Ingrid Bergman e seu marcante e deslumbrante personagem, Ilsa Lund. Que doido. Não se faz mais tamanha beleza como aquela. Destaque também para Claude Rains, genial na pele do Capitão Renault. Não viu? Não sabe o que está perdendo.

Apenas a luz do abajur acesa, calma e morna. Casablanca rolando. Nada não. Ouço o triturar de ração. Penso, sem pensar, que Princesa come muito devagar e aos poucos. E lá isso é hora de lanchinho noturno? Continuo com olho pregado no filme. Mas não é que do nada olho para o lado e quem vejo? Princesa no maior dos sonos, chegando a ronronar. Talvez algum sonho voltou a visitá-la. Aqui um rápido à parte. Sentindo-se em segurança, bichos dormem profundamente e eu, como Hipnosera, o guardando seu sono. Que Morfeu, que nada! Este era irmão daquele e levou a fama. Típico, como algumas gentes que querem glória à custa do trabalho de outrem, até os deuses gregos podem ser traiçoeiros.

Uai! Se não era Princesa… Mal terminei o pensamento e levantei de manso. Descalço, sem fazer ruído, fui espiar. Só deu tempo de ver o pequeno corpo cinza puxando sua cauda pelada. Um filhotão de gambá! Entrou na mais falta de cerimônia e veio à ceia. Fui atrás para convidá-lo a sair. Sabia que iria me dar trabalho. Nunca mais poderia deixar fruta ou alimento que fosse, pois o danado iria lá. Tornar-se-ia o “Provador oficial” de tudo quanto há. Eu não queria isso.

E agora José? Como despejar o gambazinho sem machucá-lo? Princesa, indócil, já o procurava com o faro e me indicava o seu esconderijo. Mais um perigo. Se os dois se pegassem o confronto iria ser grave. Minha experiência em manejo de animais silvestres me ajudou, em termos. Capturávamos gambás juntos com o Corpo de Bombeiros e com auxílio de gaiola. Agora sei que a Zoonoses de Uberlândia faz cada vez menos, para capturar intrusos. Pois, por experiência própria e de muitos conhecidos que acabam pedindo orientação, a resposta de sempre é: “Não fazemos mais isso”.

Pensei cá comigo, se já conseguimos desalojar morcegos em pequenas colônias com naftalina. Quem sabe daria certo com o meu visitante? Pois fui à busca em plena noite, sem nem trocar de roupa, só percebendo que estava caseiramente mulambado quando notei olhares estranhos a mim dirigidos. Farmácias várias, sem chance. Supermercados seria a derradeira opção devido ao avançar da hora. Com muita busca consegui achar um que tinha naftalina. Sorte total.

Cheguei em casa com jeito de batalha vencida. Espalhei bolinhas pra toda banda. Debaixo da máquina de lavar, fogão e um mundo dentro do motor da geladeira, onde era o seu esconderijo. Resumo da ópera? A casa ficou cheirando caixa de enxoval, como me disse uma amiga. E mais. Princesa, eu, as lagartixas, as aranhas de teia, grandes companheiras, saímos todos. Todos menos quem? O gambá! Ninguém aguentava o cheiro forte daquilo. Aquilo não pode ser bento não. Cria do cão, só pode.

Assim ficou durante dois dias. O visitante saiu certa tarde por sua conta e risco. Acho que se mudou. Não foi a naftalina que correu com ele, foi a falta de comida, pois passei a guardar até fruta na geladeira. Acabou a mamata e ele foi garimpar rango em outras praias. Passei horas catando as bolinhas brancas. Casa ventilada, posso contar que até hoje o cheiro está impregnado.

Arrematando, depois da busca pela naftalina voltei ao meu filme. Esqueci e o deixei rolando. Mais uma vez não pude por atenção se Bogart disse para o ator Dooley Wilson, o Sam do Rick's Café ao piano, famosa frase: “Play it again Sam”. Acho que não.

William H Stutyz
Diário de Uberlândia em 09/02/2020

Dias loucos

As grandes janelas de vidro estão cobertas de espuma. Paro e fico a observar as bolhas pela nesga de sol, que nos concede o privilégio de capturar, nem que seja por breves segundos, um belo arco-íris por leas capturadas, carro alegórico do instante. Como ser vivente elas, as bolhas, escorregam calmas pela superfície translúcida e se deixam ir. Algumas dão de encontro a outras maiores e se fundem em uma só, levando consigo seu colorido arco de sete cores. Mesclados, parecem se abrir em sorrisos. Seguem. Mais alguns momentos se abrem como frutos a espalhar sementes e devolvem ao sol e ao céu adorno tomado emprestado. E eu, testemunha e jurado do deslumbrante desfile, grito em silêncio só meu: Dez, nota dez!

Que semana doida. Combinado, prometi não falar mais de joaninhas. Não que o assunto esteja esgotado, mas acho que já deu para você meu amigo, minha amiga. Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre a importância das pequenas fique à vontade para fazer contato. Podemos conversar horas sobre o assunto. Aliás, conto outra vez o encontro que tive em um destes acasos do viver, com um senhor na fila da padaria. Cenhoso, em voz alta e me apontando sua bengala como espada:

─ Você encheu minha casa de bichos! Claro, todos os olhares da renque matinal se dirigiram a mim. Fiquei sem ação. Paralisado em quase súplica consegui um hesitante e baixo “mas o que é que eu fiz?” Abrindo-se em sorriso largo e matreiro, também em tom de trovão, respondeu: Uai, quase só tem bicho em suas crônicas de domingo! Chegou mais perto sussurando:

─ Contínua, me faz lembrar minha infância.

Olha, vou te contar, foi o maior elogio que recebi em toda minha vida. Nem em premiações em concursos literários ou títulos a mim conferidos ao longo da vida, como o de cidadão honorário de nossa Uberlândia e Veterinário do Ano pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária, CRMV MG. Cara, ando pouco modesto hoje, me perdoe. Esse senhor conseguiu prolongar minha vontade patológica de escrever por tempo indefinido. Queria muito agradecê-lo. O que não consegui fazer no momento do “ah, é”. Voltei várias vezes àquela padaria em diferentes horários, mas ele simplesmente desapareceu como outro senhor que tratava das rolinhas todas as manhãs, hora falo dele.

Do nada um forte jato d’água derreteu todas as bolas e os seus adornos coloridos de sol escorreram com pressa no vidro, acelerando na avenida para finalmente sumirem na área de dispersão, empurradas por um imenso rodo. Ficou o vidro/passarela translúcido, à espera de novo desfile.

Que janeiro doido! Um nosso (ex) Secretário Especial da Cultura encenou personagem espúrio? Eu disse nosso? Deus me livre e guarde. Nosso não, deles! Como bem definiu o UOL Notícias: “O Goebbels caipira...”–– e arremata com maestria (…) a degradação da democracia é uma ameaça à democracia...

Lá nas estranjas um embate de proporções inimagináveis entre EUA e a Pérsia, ops Irã, quase descamba ladeira abaixo arrastando o mundo junto. Também a UOL e outros tantos veículos de comunicação nos contam: “China tem 9ª morte provocada pelo coronavírus; já são mais de 400 casos.Transmissão entre humanos causa pneumonia. EUA, Japão, Tailândia, Taiwan e Coréia do Sul também confirmaram casos da doença.”

Outra do mês: Sabe-se lá o motivo REAL, oferecem denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald e recebem críticas contundentes do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a OAB e de entidades de imprensa com justa razão.

O UEC empata com o Galo no Sabiá, mas jogou muito bem. Se fosse contra o Cruzeiro seria vitória fácil do Verdão. Vai estar nas quartas de final. Pode escrever.

E para completar, aqui em Uberlândia uma do SOS Uberlândia: “Caminhão Tapa-buracos é engolido - por quem?- Por um buraco(!) declaração de Guerra de guerrrilha Vietcongs no asfalto.

E os escorpiões continuam matando…

Meus amigos, minhas amigas, afirmo, prefiro falar de bichos a abordar tanta coisa estranha. Entre a benignidade e a malvadez, fico sempre com a primeira. Daí falar tanto de plantas, bichos, anjos, estrelas e sonhos. Mas, como sempre digo: Tem dia que de noite é assim!

Bom domingo.


William H Stutz
Diário de Uberlândia em 02/02/2020 - Belo palíndromo

Ah não !

Ah, não! Outro domingo e esse cara vai falar de joaninhas novamente? Calma que explico. Devido à quantidade de mensagens, e-mails e tefonemas que recebi em função dos escritos de domingo passado, me senti na obrigação de continuar o assunto. Tá certo, não foram mensagens para me parabenizar pelo conteúdo em si. Embora algumas almas generosas assim o fizeram, na verdade o que as missivas e ligações traziam em comum eram relatos de aparições de joaninhas. E, olha, senti um fio de esperança, pois talvez eu estivesse julgando a humanidade com um olho só, o meu. Mas voltando às mensagens. Uma dizia: “Bom dia, pois eu vi uma Joaninha de duas pintas outro dia no elevador de meu apartamento.”

Outra: “Tem um vaso grande com plantas de plástico que rego pelo menos uma vez por semana na antessala de meu consultório e na semana passada mesmo vi uma dessas em um antúrio lindo que tenho lá. Para quem quiser atrair as bolinhas vermelhas é só me escrever in off que mando o endereço da loja. Eles têm cada coisa! Até samambaias de plástico MARAVILHOSAS !!!” Grafado desse jeito mesmo, em maiúsculas e com três pontos de exclamação. A pessoa estava realmente extasiada. Reservo-me a circunspecção para não colocar o contato do autor(a) aqui. Vocês irão entender meu ponto de vista no que diz respeito às imitações e ao plástico, assim espero.

Mais uma: “Em que mundo você vive? No meio do mato? Em alguma floresta ou beira de cachoeira? Você é do tipo que viaja vendo borboleta voar, grilo cantar? Só pode! Começou bem não é?” E continua: “Pois eu vejo esse bicho quase todos os dias em minha indústria textil, onde produzo fibras de viscose e poliéster. “

Antes de agradecer os adjetivos a mim dirigidos fiquei curioso com a relação entre essas tais fibras que todos usamos e nem sabemos de onde vem e o bicho. Uma corrida ao Google e me assustei. Olha o que encontrei no site da BBC (alguém duvida da seriedade da fonte?): “Se você veste calças ou malhas de poliéster, por exemplo, fique sabendo que a fibra sintética mais usada na indústria têxtil em todo o mundo não apenas requer, segundo especialistas, 70 milhões de barris de petróleo todos os anos, como demora mais de 200 anos para se decompor.” E mais: “A viscose, outra fibra artificial, mas feita de celulose, exige a derrubada de 70 milhões de árvores todos os anos.” (Quer consultar? Aí vai o endereço https://www.bbc.com/portuguese/geral-39253994).

Como ler é bom. Todo dia aprendendo. O News Brasil ainda nos conta que os têxteis só perdem para a indústria do petróleo como poluente. Destaquei com mais detalhes apenas esses dois exemplos, mas os locais onde as nossas joaninhas são avistadas, segundo as mensagens, são cada vez mais insólitos, inimagináveis. Chaminés, trigésimo sexto andar de prédio, dentro de metrôs e mais uma longa lista louca. Pelo que senti, as pequenas estão entrando para a categoria dos Objetos Voadores Identificados, mas raros, OVINIS RARUS primo dos OVNIS, com tais aparições discutíveis.

Como nem tudo está totalmente perdido, sou também portador de boas novas. A notícia é de 2018 e se puderem me atualizar agradeceria. O fato é que a Prefeitura de Belo Horizonte começou naquele ano a “produzir” joaninhas com a implantação de uma “Biofábrica” na Casa Amarela, mais precisamente no Parque das Mangabeiras, para quem conhece BH.

De lá sairão ou saem, não sei, kits com joaninhas para soltura e assim controlar um monte de pragas. Só não me simpatizei com o nome, Biofábrica. Poderiam ser mais criativos, mas se cumprirem o que prometem, será um avanço. Porém, a experiência tem mostrado o contrário. Promessa de político é que nem risco n’água. Bom, neste ano até que eles destampam em fazer de conta, pois tem eleição. Aí já viu. Não, não vamos estragar o domingo falando dessa gente.

Desejo sorte a Belo Horizonte com sua criação e que seja tamanha que possamos voltar a ver joaninhas, com pintas ou não, em todas as praças e todos os quintais que ainda existirem na nossa capital. No mais, como aposentei e depois fui literalmente escorraçado de “meu” laboratório de escorpiões, desde já me prontifico a implantar em nossa Uberlândia, como voluntário, um belo criadouro das joias da natureza. “Mole para quem toma Toddy”, como me disse um anjo em longe carnaval ouropretano e que até hoje produz efeito avassalador, parafraseio e lapido: para quem criou escorpiões por décadas com altos índices de reprodução e taxas de mortalidade mínimas, joaninha além de ser um mundo de fantasia e sonho é um “Piece of cake”, como diria meu velho pai.

William H Stutz
Diário de Uberlândia em 26/01/2020

Joaninhas

Começo hoje com uma pergunta daquelas que sempre faço aos meus amigos e amigas. Penso que através de perguntas de respostas simples me aproximo mais daqueles que raro vejo e dos poucos que conheço, pois me põem a pensar em quanto o mundo que nos cerca pode ser belo e na maioria das vezes não temos olhos para de fato enxergá-lo e muito menos as pessoas que, como planetas, nos rodeiam em órbitas de amizade e carinho.

Há quanto tempo você não vê uma joaninha? Isso mesmo, aquela pequena joia na maioria das vezes vermelhinha. Algumas com duas pintas brancas às costas, outras sem pinta alguma, deixando mostrar seu vermelho verniz. Curiosamente, de forma universal, fomos educados a proteger e tratar com carinho esse inseto. Mães, pais, tias/tios, avôs e avós, sempre nos passaram respeito e admiração pelas joaninhas. Se uma pousasse atrapalhada em voo nas mãos de criança a exclamação era sempre de alegria: Olha que lindo, que bichinho mais bonitinho! Com olhos de encantamento os pequenos giravam a mão ou o braço para acompanhar o rápido andar daquele pontinho a caminhar desajeitado de um lado para outro, observando o abrir de seu estojo e um desdobrar de minúsculas asas ao tomar rumo em confusa mistura de planar e voar. Que linda, foi embora…! O sorriso dos pequenos, um quase sempre feliz bater de palminhas, iluminavam o entorno. Algumas choravam. Não de medo. Nunca, isso não! Exclamavam, mediante um beicinho e balbuciar tristonho, prelúdio de choro: Eu quero! Olhos a buscar no vazio aquele nosso pontinho de pernas.

Sim, é verdade, muito diminutivo. Mas o palavrear com os miúdos não é assim? Tudo no “inho”?

Chora não lindinho (ou lindinha), mamãe vai trazer um monte de joaninhas para você, viu? As avós, mais exageradas, sem querer deixam a semente da frustração plantada muito cedo, diziam: Que bichinho bobinho, não quis ficar com meu netinho! Não sabe o que está perdendo. Não é queridinho da vovó? Tome “inhos” e “inhas” o resto do dia. Puro carinho.

Pois conto. Em dias seguidos vi duas joaninhas, das mais simples e, verdade, modelo standard, basicão mesmo, mas que não tirava sua beleza. Sem pintas, porém com as latarias intactas saídas reluzentes de fábrica. Uma cumpriu o ritual. Pousou nas costas de minha mão, correu aflita para a beirada do vazio, mas inconscientemente a virei e ela teve que caminhar mais um pouco. Senti que ela me deu uma olhada de reprovação como a dizer: “Qual é cara, velho assim e parece que nunca me viu!” Não, joaninhas nos ensinaram que jamais seriam grosseiras assim. Talvez um pernilongo ou um mal humorado besouro-de-chifre pudesse resmungar um pouco, mas as pequenas jamais!

A outra estava no portal de minha casa em passeio despreocupado. Acompanhei bem de pertinho seu zig zag até se lançar rumo a um nada, em aparente cegueira. Contudo, ela sabia aonde ia. Duas joaninhas em dois dias. É muita sorte e felicidade juntas. O ano estava começando bem, até que…

Uma caminhada leve para não perder o dia. O corpo grita por descanso. Teimoso não dou folga e forço barra em corridas e trotes diários. Não deu outra. Dor e músculos da coxa a reclamar. Fui obrigado a diminuir o ritmo. E lá vou eu bem mais lento do que o normal, ouvindo uma seleção de músicas de sossego.

Olhar e pensar na lonjura, em outras praias, outras montanhas. Percebo no trecho copos plásticos atirados por todos os lados, como folhas brancas a arranhar o chão com o vento. Um início de indignação que se transforma em sentimento sem forma ou nome, mas ruim e eu lembrando de joaninhas. Passar raiva por conta? Vou vendo, catando e contando. A cada dezena despejo em lixeira que, aliás, são muitas. Sem lógica serem atirados assim. Educação, que falta faz.

Vem outro lampejo. Brasileiro viaja para Europa ou Estados Unidos e volta importante e deslumbrado, quase sempre não com museus, praças, castelos e monumentos, mas com a organização, limpeza das ruas, com os trens e ônibus pontuais. Não se vê um papelzinho nas ruas! Contam orgulhosos, como se de lá fossem. Aqui, participo de algumas corridas de rua ou simplesmente passeio pelos parques. Muitas vezes aquele que joga aqui é o que elogia o primeiro mundo. Explique-me tamanho desconchavo.

No fundo, acredito que se mais crianças fossem embaladas cobertas de “inhos” e “inhas” talvez vivêssemos em um mundo onde as mentes não seriam tão inhas e valores menos mesquinhos. Se assim fosse, milhões de joaninhas povoariam como anjos deste tamaninho, nosso entorno, nossas vidas, nossos sonhos e o mundo respiraria saudável, bem devagarzinho, calmo, sereno, zen.


William H Stutz

Diário de Uberlândia em 19/01/2020

segunda-feira, janeiro 13

Alvitre







Moleque nas cercas vivas. Criava ondas verde vegetal imitando um mar vertical. Trazia paz e lembranças de um mundo de água longe. O cheiro de maresia veio fundo enchendo pulmões. A espuma se formando a cada onda quebrada. As bolhas dos buraquinhos dos tatuis.

Senti cheiro de moqueca de Marlene e seus encantos culinários. Senti nos olhos e na garganta o gosto salgado de um tempo indefinido. Lágrimas são filhas do mar, mergulhei em onda imaginária, sentindo o prazer que quem só mergulhou conhece. Um abraço quase materno da água.

Um aperto carinhoso lhe segurando por todo o corpo. Cada milímetro. Vontade de virar peixe naquele imenso útero protetor. Vento trouxe outra onda verde, casal de bem-te-vis surfou alegre entre as folhas. Ali deve ter ninho. Melancolia tomou conta. Tinha acabado de fechar a última página de “A morte de Ivan Ilitch”. Tolstoi produz um efeito estranho em quem o lê. A desconstrução da alma humana de seus personagens é certeira e direta. Sei que vou ficar dias impregnado de Ilitch.

A onda verde. Vento morno para um outubro que não se faz anunciar. A beleza da primavera ainda se deixa notar tímida com seus ipês brancos, flores que lembram lenços de linho, a balançar em despedida de navio quando, lentamente, manobra em um desatracar do cais do porto.

O vento agora segura, em congelada imagem, andorinhas. Pairam em leveza, observam. O vento é sólido amparo para elas, gaviões e abutres. A maré virou. Agora em rodopios a cerca viva balança histérica. Parecem saias de monjas empurradas para o alto. Os bem-te-vis, juntinhos, pousam no chão. Suas penas também esvoaçam em descabelo, talvez preocupados com os filhotes, assustados com corcovear dos galhos como brinquedo de parque de diversão. Lembranças voltam a girar com aquele quase redemoinho.

Um telefone toca, um cão late, um carro passa com música alta e de péssima qualidade. Quem dotado de bom gosto musical colocaria música dessa altura numa merda de carro? Dizem que agora dá multa. Tá, mais uma lei para não ser cumprida. E tem quem fiscalize?

Já reclamei mil vezes dos imbecis que ocupam vagas de idosos e deficientes em shoppings, clube e supermercados. Apareceu alguém? Alguma “autoridade” se dispôs a sair do conforto de seu nada fazer para agir? Nunca!

O vento verde aquietou-se. Parecia cansado. O mormaço subiu em golfadas. O céu não estava com a mínima vontade de mostrar chuva. Concordo, e lá isso é prosa para um domingo? Avisei, estava tomado por Ilitch. Não poderia ser de outra forma. Até passarinho na muda emudece.

Acho que vou ler algum “escritor maldito”. Quem sabe melhoro? Quem sabe reler Anthony Burgess e sua Laranja Mecânica? Não, quero não. Vou me refugiar nas belezas do mágico Manoel de Barros, pois ali sim um viver feliz guarda tons de serenidade:

“Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.”

E o vento verde em arco-íris se transformou. Belo domingo!






Diário de Uberlândia 12/01/2020

quarta-feira, janeiro 8

Feliz ano novo





A esta altura do campeonato você meu amigo, minha amiga, já deve ter se curado da gigantesca ressaca das festas da virada. Já tentou por em prática as promessas para Iemanjá feitas a cada pulinho de onda e, para sua total decepção, lembrou que esqueceu metade dos compromissos assumidos com você mesmo. O “nunca mais eu bebo” da rebordosa da virada já deu lugar a uma cervejinha gelada neste primeiro domingo do ano e já faz planos para o carnaval. A academia fica para uma semana qualquer. Afinal, você tem um ano inteiro, zero bala para gastar. Pô, se eu tenho 54 semanas pela frente, a capanga cheia de outros finais de semana, domingos e feriados, me dê um motivo para ter que começar a pagar promessas justo nessa segunda-feira? Este é o pensamento quase geral.

Muitos ainda estarão de férias agora em janeiro e este período não se mistura com coisas prometidas. Deixa para fevereiro. Além da academia, o parar de fumar – tem muita gente que ainda fuma acredita?- o emagrecer, o amor perdido a recuperar, o parar de beber, a peregrinação a Nossa Senhora de Aparecida, o caminho de Santiago de Compostela ou percorrer os 1600 e tantos km da Estrada Real a pé. Tudo isso em promessa e sonhos realizáveis, caso decidido. Porém, o ano engata uma primeira, joga uma segunda ligeira e deslancha em quarta e quinta. Ganha a velocidade da mesmice, da repetição, da rotina. Os sonhos da noite de fogos e muita bebida vão sendo guardados nas gavetas dos anos comuns e passados junto outras promessas cobertas de poeira e mofo. Quando você percebe este novo ano já não é tão novo e aí você começa construir novos sonhos velhos para o próximo ciclo. “Quer saber? Ano que vem faço isso, agora está muito complicado, os compromissos me rodeiam...” Então se foi em fumaça, estampidos e brilhos fugazes, mais uma chance de verdadeiras mudanças. Eu sei, mudar dá trabalho e dói, então põe a postergar.

Quem sou eu para dar palpite, mas dou assim mesmo. Hoje AINDA é começo de ano. Pense sério em suas sementes de romã, em suas preces junto a velas brancas. Acredite em todas as simpatias que você fez na virada e vá para vida meu amigo! Sem querer ser pessimista e chato, convém pensar que pode não haver outro ano novo e aqui cabe a máxima atribuída a Mahátma Gándhí (deixo claro que tenho minhas dúvidas quanto à autoria): “Aprenda como se você fosse viver para sempre. Viva como se você fosse morrer amanhã.”

Pé na estrada, pé na vida, pé na alma. Viver não é para ser sofrência. Viver é a realização plena de seus desejos mais íntimos e os quais você mesmo acha impossíveis. Claro, desde que sejam seus e não magoem, não firam ninguém, nem a você mesmo. Não espere passar outro ano longo e repleto de oportunidades nos próximos 360 dias. Isto só vai te trazer arrependimento e dor.

E olha, temos todos uma grande responsabilidade este ano. Eleições municipais. Observe seu entorno, analise o que anda acontecendo. Tenha certeza de que uma ondinha, uma semente de romã, uma vela usada por dos pretensos candidatos está mirando seu voto. Não se deixe enganar por propagandas enganosas e conversa fiada outra vez. Olha no que deu com os últimos eleitos. Pense e analise sempre o ditado antigo, mas bom parâmetro: “Diga-me com quem andas (ou defende) que direi se te darei um voto”.

Taí, se por algum motivo verdadeiro você não conseguir realizar os pedidos que fez para o ano, saiba que você pode ajudar a mudar o curso da história de nossa cidade. Seu voto, seja ele cumprimento de promessa ou sufrágio, tem o poder de fazer o novo ano acabar muito melhor do que começou.

Lembrei-me de um velho homem que todo final de ano fazia uma lista de suas vontades, de suas viagens, dos museus que gostaria de visitar, das bibliotecas onde pretendia passar semanas, dos parques, das matas e florestas das quais queria sorver o frescor de puro orvalho. Sim, ele fazia a lista e realizava sempre seus desejos. Tanto viajou, tanto viu, tanto aprendeu que, para seu espanto, com as últimas mudanças de regras de peso das bagagens, foi barrado e quase impedido de viajar.

Motivo: tanta bagagem não caberia no avião e não pode embarcar sem pagar taxa extra. Excesso de sabedoria.

Deixo aqui meu abraço de feliz ano novo, de verdade. Não se amedrontem nem desistam de seus sonhos. Você é o único instrumento de suas mudanças. Aprendi a duras penas e aconselho a ir sempre em frente, pois 2020 te espera de braços abertos.





Diário de Uberlândia 05/01/2020

A primeira vez

Não há desencanto de amor, paixões bem resolvidas.
Amigos os tenho, poucos. Porém forjados em boa têmpera.
Inoxidáveis, eternos.

Com o Criador mantenho bom cortejo, sem intermediários.
Não confesso a homem que se diz, arrogantemente, santo.

Me deixo levar pela louca vida embriagado e em permanente torpor.
Fardo árduo. Empreita difícil.
Me embriago em busca de centelhas de êxtase, de verdadeira razão.
Me embriago.
Atormentado, padeço à mingua de vida não correspondida.

(William H Stutz em um longe dia . Hoje no aguardo de um ano novo melhor para todos)

Nada é por acaso. Esse era seu eterno pensamento, sua verdade absoluta. Acreditava que tudo estava escrito nas estrelas e que, por mais que remasse contra a correnteza, o que teria de acontecer, aconteceria.

Assim levava sua vida insossa, sem sustos, planos ou certezas.

Um dia após o outro. O tempo ia se acumulando em sua alma, em seu corpo, em suas vestes. Não se dava conta de nada que o cercava. Fechado em copas vagava, flutuava. Fantasma.

Não se podia dizer que era triste, pois tristeza pressupõe sentimento. Não os tinha.

Não se podia dizer que era alegre, não o era pela razão mesma.

Não via televisão, não ouvia rádio. Cinema o entediava e teatro o punha a dormir. Nunca lera um livro ou jornal. No trabalho era peça de mobiliário. Cumpria mecanicamente seus afazeres sem questionar, não se aborrecia, não se exaltava.

Tinha horror a férias pois não sabia o que fazer delas. Feriados eram tortura. Nunca sorria, nunca franzia a testa.

Não tinha amigos ou conhecidos, jamais sentava à mesa de um bar. Não bebia, não fumava.

Certa feita sentado em banco de praça, avistou um anjo. Anjo de tal beleza tal que ofuscava o brilho do sol, calava pássaros, adoçava a brisa, iluminaria a noite.

O anjo estava parado próximo a uma fonte. Suas asas enormes em posição de descanso chegavam até o chão e eram de um branco divino jamais visito, jamais retratado. Contemplativo o anjo o observava curioso. Não havia reciproca pois para ele o anjo era na realidade apenas um anjo.

Curioso, a celestial criatura se aproximou. Chegou bem próximo dele. Frente à frente, nada. Encostou seu rosto no dele para que pudesse sentir o mais doce dos perfumes, o toque da mais macia e tenra das peles. Era como se ali não estivesse.

Perturbado, o anjo soprou levemente o seu rosto um hálito do mais puro frescor, ervas aromáticas mentoladas das mais finas regiões do éter, nada. Sentou-se intrigado por alguns instantes no encosto do banco bem ao seu lado. Com as angelicais mãos no queixo perfeito, avaliava a situação cuidadosamente.

Em leve flutuo postou-se novamente, agora agachado e com as mãos nos joelhos da pétrea figura. Entoou baixinho o mais belo de seus cânticos, ouvidos moucos, nem lágrima ou susto, mais uma vez um simples nada.

Pela primeira vez em sua eterna existência o anjo não se viu. Não foi festejado nem adorado, Não ouviu os ou ais de espanto/encanto. Não foi louvado nem escorraçado

Agoniado em imensa confusão voou solto e alto, o acompanhava agora para sempre a terrível dúvida se ele, anjo, realmente existia.





Diário de Uberlândia 29/12/2019

Juizo Final



Nem tudo ia assim tão bem pelas bandas do grande irmão do norte. Talvez influenciados por
 esperteza tropical, em que se definiu que não haveria mais certo ou errado no ensinar língua pátria. Lá, foram mais longe ainda e resolveram abolir a escrita cursiva. Argumentos não faltaram, inclusive o hipócrita discurso de preservar florestas, pois deixaram de produzir papel e lápis. Pensou-se também em abolir matérias como Geografia e História, mas pesquisas demonstraram que estas já haviam sido extintas na prática há muito tempo. Para os “Brothers”, Buenos Aires sempre foi e sempre será a capital do Brasil, assim como, no inconsciente coletivo, eles derrotaram as tropas vietcongs com facilidade e só precisaram de um Rambo para tal.

“Bom dia, Vietnam” para eles é um hino de conquista. Quando perguntados o que achavam de outros países, a maioria, espantada, respondia com outra pergunta: “existem outros países?”

O que não se esperava era que, já acostumados a uma linguagem própria, o internetês crescesse vertiginosamente superando em anos luz o esperanto, que vinha tentando ganhar adeptos desde meados do século 17 d.C. A linguagem nas redes tomou conta do mundo em menos de duas décadas. Se uma risada era “lol”, “rss” ou “jajaja”, de uma hora para outra, o mundo inteiro passou a utilizar o “kkk” e assim foi com todas as outras palavras. Como microrganismos, foram entrando em todas as máquinas do mundo e, em pouco tempo, universalizou-se uma linguagem sem pé nem cabeça e, pior, sem som. Sem som, porque as pessoas pararam de conversar e os contatos passaram a ser feitos apenas por digitação.

Falar tornou-se obsoleto. Escrever partituras? Nunca! Os Loops Studio da vida davam conta de orquestras completas ao alcance dos dedos e de todos. E o homem passou a se sentir divinamente superior a tudo. De sua mesa, com seus fios, reinava soberano. De encomendar pizza a declarar guerras, a vida se tornou totalmente virtual e globalizada. Foi quando resolveram desenvolver um software livre, o Office_stairway_2_heaven 1.0, para chegar ao Criador. Assim, poderiam conversar de igual para igual com Ele, discutir alguns detalhes da condução da vida e fazer reivindicações.

Foi o estopim, a gota d’água que faltava. Deus ficou tão P da vida, tão de saco cheio com a desordem e presunção humana que resolveu dar um basta, pôr um ponto final naquilo tudo e desceu a mutamba.

Por séculos, observava aquele furdunço e, mesmo com toda a sua santa e infinita paciência, percebeu que até o próprio infinito tem limites. Com as mãos no teclado de onde fazia valer sua onipresença, pensou primeiro em dar um Ctrl+Z geral e desfazer todo processo evolutivo de sua obra. Analisando com calma, achou melhor implantar um vírus no sistema mundial e detonar tudo criado naquela nova Babel.

Não seria má ideia, mas, agindo desse modo, o Criador estaria muito próximo de imitar a própria criatura e isso não Lhe parecia correto. Resolveu, então, fazer à moda antiga. Mandou água com vontade por 40 dias e 40 noites, só que, desta vez, todos os homens e mulheres verdadeiramente justos e de fé estavam offline. Dessa forma, não houve um Noé a avisar nem arca a construir.






Diário de Uberlândia   22/12/2019