domingo, julho 27

Fábulas


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Outro dia, aqui mesmo no nosso CORREIO, falei sobre a absurda repressão sofrida pelas versões originais das histórias infantis. O tal “politicamente correto” levado ao extremo produz barbaridades. Comecei com o “Atirei o pau no gato” e por ai afora.
No amanhecer hoje, um estranho fenômeno aconteceu na porta de casa. Tenho uma grande quantidade de árvores frondosas no jardim da frente, grandes mesmo, todas plantadas por Bia e eu. Um jambolão gigante tornou-se morada de centenas de passarinhos, self-service de outros tantos durante a época de frutos. Uma bela colônia de morcegos por lá mora, itinerante. Ora se instala, ora desaparece. Um ipê rosa se emaranha no jambolão em namoro secreto.

Duas cariotas, quase a tocar o céu, apóiam ninho de gavião carcará, que, aliás, anda muito feliz com as queimadas urbanas, acredito que apenas eles estejam em festa, pois é durante e depois delas que mais gostam de caçar.

Mais ipês, sete-de-copas, mama-cadela vigorosa, e outras tantas, completam mini mata.
Ao sair para o trabalho notamos um aranzé de folhas espalhadas, mais do que de costume e, em área bem delimitada, apenas folhas de ipê. Parecia que bando de bugios tinha passado só por aquela árvore e chacoalhado com força os galhos. Talvez na tentativa de derrubar algum ninho ou fazer voar passarinho ainda tonto de sono. Mas como chegaram ali sem passar por outras árvores, rastro no chão não havia. Fica o mistério que me proponho a desvendar em uma ou duas noites de campana. Se for bicho descubro. Depois conto.

Olhando aquelas folhas grama afora me lembrei da musiquinha infantil “O cravo Brigou com a Rosa.” Se fosse cair na armadilha do policiamento ideológico que sataniza tudo e todos, imagino como seriam as notícias sobre o enredo da cantiga.

Nos noticiários: Briga violenta entre Cravo e Rosa acaba em delegacia. Cravo teve ferimentos leves, foi atendido na UAI e liberado. Já Rosa, despedaçada, encontra-se em observação no Hospital de Clínicas, sem previsão de alta. Cravo foi indiciado com base na lei Maria da Penha, autuado, responderá em liberdade.

Manchete do dia seguinte: Margaridas, Açucenas e Camélias ainda em luto por irmã que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu, organizam passeata em todo país contra violência. Redes sociais bombando. Hashtag com sua centilha da semana: #perfumesimespinhosnao. Não criamos monstros contando histórias, eles são formados a exemplos. Como os bugios fantasmas de meu jardim, plantamos idéias, conceitos e preconceitos em nossas crianças conforme agimos. Cantando? Jamais.










Fábulas






Publicado Jornal Correio em 27 de julho de 2014

domingo, julho 20

Humilhação




Mais de semana se passou depois da estarrecedora derrota da seleção brasileira por incríveis sete a um. Confesso que naquela quarta estava otimista em relação ao nosso time. Arrisquei palpite de dois a zero para nós. Eu, como milhões de brasileiros, estava contaminado pela propaganda maciça a favor de nosso futebol hexa, certo em cores e brilhos Brasil afora. Acho que a seleção que compramos não era a que nos foi vendida 24 horas por dia, de forma ufanista e ostensiva. Compramos o produto errado. Pensei em reclamar ao Procon e ao Conselho Nacional de Autorregulamentação (Conar). Propaganda enganosa da brava. Quero meu sonho de volta e em dobro, pois assim reza a lei.

Não sou de morrer por futebol. Fico mais tenso em jogo de meu Galo Mineiro do que em Copa do Mundo, mas confesso que, naquele dia, sentia algo diferente no ar. Vibração positiva. Estava totalmente tomado pelo canto da sereia, regozijo excessivo, lavagem cerebral. Íamos ganhar.

Bola rolando, me dei conta do drama anunciado. Quatro a zero para os teutônicos. Tupiniquins mais fanáticos, em momentos assim, roem unhas demais, fumam demais ou bebem em esbórnia depressiva. Há aqueles mais apaixonados que até enfartam demais. Eu faço diferente. Quando estou alegre ou triste demais, aborrecido ou pasmo ao extremo, saio às ruas e corro. Começo em lenta caminhada e depois disparo. A distância não interessa, o importante é deixar o pensar livre. Assim fiz. Tênis velho no pé e rua. A cidade parecia paralisada, silêncio de catedral gótica, Notre-Dame do Cerrado, quietude nervosa de caverna profunda onde apenas ouvem-se sussurros de sonhos hibernados. Um cãozinho saiu de um matagal e me seguiu aflito, talvez acuado pelos foguetes ensurdecedores que antecederam o jogo. Corri à exaustão, quebrei.

Antes do jogo, crianças jogavam bola, uniformizadas em verde-e-amarelo, gritando alegres e inocentes a vitória. Imagino o rosto dos pequenos frente à televisão. Isso é aquilo? Pais baixando olhos envergonhados da mentira engolida e repassada às crias.

É, chegou a hora de contarmos para nossas crianças que Papai Noel e Coelho da Páscoa não existem. Mas, sinceramente? Acho que qualquer criança com mais de 4 anos já sabe disso. Jogou no Google.






Publicado em Jornal Correio em 20 de julho de 2014



Humilhação

domingo, julho 13

Papa Chico

Será que dou conta?





Meio de tarde cheirando à queimada. Não me acostumo nunca. Humanos vão queimar todo o mato roçado do mundo até explodir em tosse seca. Porém não é sobre fumaça que escrevo hoje.

Recebi telefonema que me fez tremer. Assim na lata, sem rodeios, convite para escrever no espaço em que mestre Clarimundo ficou por tantos anos. Na hora, me veio um lampejo: mal chegou lá no alto e já aprontou mais uma das suas. Sei que tem o dedo de Clarimundo nisso. Tenho plena convicção de que nada é por acaso. Vejamos: ele agrônomo, eu veterinário. Nós dois sempre falamos de observações do movimentar da vida.

Miramos onde poucos prestam atenção. Tenho aqui comigo que ele queria que o espaço ficasse com gente ligada a terra, às miudezas dos seres viventes que poucos olham. Passou uma empreitada sem nem pedir. Não sei se mereço ou se vou dar conta.

Nunca tal grandeza havia passado sequer em pensamento por minha cabeça. Escrevo por prazer e senso de liberdade. Escrevendo, ganho asas que, normalmente, não possuo. Só e, raramente, em sonhos, consigo alçar vôo alma humana adentro e visitar cantos que nunca foram abertos.

Clarimundo Campos é insubstituível. Jamais chegarei perto de seus escritos e de suas lições de vida. Peço, portanto, permissão por aqui estar. Se não agradar, me conte logo, pego minha tralha e sigo caminho. Contudo, se gostarem um pouquinho, saibam que tirarei leite de pedra para tentar ser boa companhia aos domingos.

Nunca escrevi com hora marcada e tem dia que travo. Vem o tal vazio de palavras. Quando isso acontece, encolho em canto mais longe de meu quintal e falo com formigas, corujas e gambás que teimam em morar na cidade. Muitas vezes, eles sopram uma história antiga ou algo que viram na cidade lá embaixo. Rabisco correndo para não esquecer.

Clarimundo de onde estiver me conte: por que eu? Tantos bons escritores bem perto. A responsabilidade de utilizar um espaço que foi, e continua sendo seu, por tantos anos, é grande. Prometo que vou tentar fazer de tudo para honrá-lo. Agora um pedido meu: quando tiver tempo me conte, daí, que escrevo daqui. Vamos tentar essa parceria em segredo. Desejem-me sorte. Não me vejam como intruso, sou apenas mais um contador de casos, um observador de gente, de bichos e do mundo.

Fecho meu primeiro dia com Manoel de Barros, pois tanto ele quanto o Sr. e Guimarães Rosa, ocupam espaço idêntico em meu pensar. “Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.”








Jornal Correio de 13 de Julho de 2014 -  Página B8 - Revista




Será que dou conta?


segunda-feira, julho 7

Reposição hormonal

Homens também precisam da reposição hormonal; veja dica de especialista

Os problemas de saúde que surgem com o passar dos anos, como a redução dos hormônios, não é exclusividade das mulheres. A popularmente conhecida “andropausa” – na verdade um termo incorreto faz analogia a menopausa – afeta os homens a partir dos 40 anos e é denominada Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino (DAEM) ou Hipogonadismo Senil. Os sintomas, segundo o urologista Luiz Mauro Coelho Nascimento, vão desde a diminuição do desejo sexual a piora da qualidade das ereções, e assim como nas mulheres, pode causar depressão, osteoporose , alteração de humor e insônia.

Para o médico, mesmo a queda dos hormônios masculinos sendo lenta e progressiva em relação às mulheres, o crescente aumento da expectativa de vida fará com que a “andropausa” chegue a todos os homens em idade mais ou menos avançada. “Nos últimos anos o interesse em estudos envolvendo o homem idoso aumentaram significativamente, trazendo uma relação muito forte entre hormônios masculinos e função sexual, osteoporose, depressão e qualidade de vida”, disse o especialista.

A redução da testosterona pode ainda estar associada a algumas doenças como obesidade, estresse, diabetes, Aids, alcoolismo e insuficiência renal, hepática e respiratória. Para o diagnóstico em pacientes com suspeita de hipogonadismo senil, recomenda-se procurar um especialista e fazer uma avaliação laboratorial, com a dosagem da testosterona biodisponível. “Se diagnostica a DAEM, poderá ser realizada a reposição hormonal. O tratamento é contra-indicado para pacientes com de câncer de próstata ou mama, obstrução urinária grave e apnéia do sono”, afirmou Luiz Mauro.


Fonte: Jornal Correio


domingo, julho 6

Heróis



Hora do almoço. Meio-dia em ponto. Garis param a varrição e buscam suas marmitas. No canteiro da avenida, sob a sombra generosa de belos oitis, em silêncio de templo budista, cabeças baixas, calados comem. Um faz o sinal da cruz ao amassar a quentinha vazia. Agradecimento sincero. Aos poucos vão, um a um, terminando a refeição. Talvez a primeira do dia após o café puro, solitário do madrugar.

Alguns se estendem à sombra, jogam o boné sobre os olhos em busca de cochilo reparador. Outros conversam baixinho. Disciplina. Dura pouco. Logo um começa a brincar com outra. São garis e garis. Ou seriam garis masculinos e garis femininos? Hoje, tudo tem que ser pontuado, risco do politicamente incorreto. Não mais sussurram. O volume da voz toma conta da rua e ouve-se de qualquer canto as provocações brincalhonas. Casam um com outro, “coretam” – concordo, esta palavra não existe, é inventada, faz parte de nosso vocabulário regional e, deliciosamente, expressa o que sonoriza. Um sinônimo? Gozação, troça, zombaria. Coretam uns aos outros em alegria infantil.

Passado um tempo aquele que parece ser o chefe da turma, bate palmas e grita: “Bora gente, vamos mexer o doce!”. A alegria com que voltam às suas vassouras e pás é contagiante. Quem não gostaria de ter um grupo assim, motivado, feliz no dia a dia de trabalho duro e, acredito, de remuneração nada convincente?
Penso em gente engravatada e triste. Pena que os garis são invisíveis. Passamos por eles como se fossem inanimados seres; postes, calçadas. Mal sabemos que aqueles possuem o MBA da vida. Certa feita foram humilhados ao vivo, na televisão, por um jornalista. Microfone estava aberto. Me nego até hoje a assisti-lo. O que ele falou com até certa raiva é que é uma vergonha!

A vida urbana seria impossível sem a presença deste batalhão de profissionais. Houve época em que o trabalho de varrição e coleta de lixo era atribuição direta do município.

Quando se ventilava algum movimento de greve ou paralisação no setor público, a grande preocupação dos mandatários de plantão era a adesão ou não da limpeza urbana.

E do outro lado, os sindicatos torciam e rezavam para que a moçada aderisse aos movimentos. Eram o fiel da balança. A população parecia não sentir a mínima falta do restante dos servidores. Mas do pessoal do lixo, a história era outra. Deu no que deu, terceirizaram o serviço para alegria de uns e desmobilização de outros.

Conheço por nome os que varrem minha rua. Os admiro. Não levam suas frustrações para a linha de frente, cuidam da maquiagem da cidade, reduzem consideravelmente o risco de doenças das gentes. Fazem-nos sentir orgulho de mostrar nossa cidade.

Uma grande pena que o trabalho destes heróis passe despercebido da maioria de nós.

Rua limpa hoje não demora muito a receber outra carga da formação do caráter e educação de muita gente fina. Não demoram os papéis, as pontas de cigarros, garrafas e coisas que até Deus duvida, serão novamente lançados despudoradamente em nossas vias. Como formiguinhas, tão logo amanhece, lá estão eles e elas. Novamente, a rua se enche de sons de vassouras, de risadas e “coretos”. As vassouras não param nunca. Com tanta sujeira, varre-se também a falta de educação, a civilidade, a falta de vergonha na cara daqueles que, como monarcas, atiram seus restos ao vento.






Publicado Jornal Correio em  6 de Julho de 2014








quarta-feira, julho 2

O contador de casos











Foto Paulo Augusto - Jornal Correio

Prezado Clarimundo Campos, me tornei íntimo, não vou chamá-lo de “senhor” nem “doutor”, pois esta intimidade nasceu da companhia domingueira de suas crônicas. Podia sentir formas e cheiros em seus escritos. Sua ironia sutil me fascina. Assim dito, peço: Caro Clarimundo, puxe um banquinho e vamos levar um dedo de prosa. É claro que você notou que algumas mangueiras estão floridas em pleno junho. Deu a louca no mundo. As paineiras e os ipês conseguiram misturar suas flores a formar tapetes daqueles feitos para dias santos. Sei que grandes jornalistas, escritores, mestres e afins saberão muito melhor do que eu contar de você. Mas, se me permite, deixa esse simples veterinário criador de sacis, aprendiz de escriba, com meus arremedos de crônicas, prestar tributo a quem merece.

Nunca vou me esquecer do dia em que me telefonou para falar de escorpiões e morcegos. Foi conversa longa e saborosa. Depois nossos contatos se deram por meio de palavras escritas. Você, generoso, me citou por algumas vezes concedendo-me títulos maiores do que o de monarcas e grão-duques. Os recebi com justas e explicadas ressalvas. Nunca fui merecedor de tanto. Contudo, o simples fato de ser lembrado teve o peso de medalha de honra ao mérito. As carrego invisíveis no peito para que todos vejam pelo resto de minha vida.

Talvez, meu caro Clarimundo, o motivo da florada temporã das mangueiras, junto com os ipês e primaveras, tenha sido proposital. Acontecido a mando de anjos e santos, colorindo assim, os caminhos para sua passagem até as portas de grande jardim metafórico, onde tudo são cantos de passarinhos, sol suave, cachoeiras imensas despencando das rochas maciças de um Espírito Santo majestoso. Onde também, a Mata Atlântica com seus bichos e orquídeas ainda existe intocável como você sempre sonhou. Segue feliz o trilheiro Clarimundo. Sua presença está por essas bandas perpetuada em seus casos e saborosos escritos.
Os domingos ficarão menos aprazíveis sem suas prosas, jornal em luto. Literatura perde um desenhista de pensamentos da mais elevada linhagem. A pena se deita, o tinteiro pelo meio se aquietada sem leves cutucadas. Fica um vazio.

Mas alegremo-nos, também há motivos de sobra para tal. Retorna você às estrelas, pois, como elas, somos feitos do mesmo pó, da mesma matéria. Aproveita a viagem. A jornada por esses rincões foi boa, repleta de carinho e amor. Aproveita Clarimundo, meu amigo, para perguntar a idade de São Tomé. Assim, quando sabido em noite de muita estrela e lua escondida, me sopra em sonhos esse segredo. Juro, não conto para mais ninguém. Vá feliz e em paz sabendo que seu clamor permanente em defesa dos bichos e das matas deu muitos frutos.

Fico triste em perder a companhia certa de seus casos, sua crônica inteligentemente republicada nos alertou que nada é para sempre, só acreditamos quando o sempre acontece. Até algum dia mestre Clarimundo Campos. Chegará a hora de novo encontro ao pé de uma serra, com cheiro de mata e chuvisco de cachoeira. Aí, nesse paraíso, baterá a palma da mão na curva da perna e daremos risadas daquelas de dar lágrimas de espremidos olhos e que ecoarão infinitas, atingindo lonjuras. Então, caro amigo, todos saberão de verdade que, em suas palavras, “Tudo é eterno…”






Publicado Jornal Correio em 2 de Junho de 2014



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