segunda-feira, maio 25

Praga de plágio




Uma semana fora de nossa Uberlândia parece uma eternidade quando se trata de acontecimentos inusitados. Cheguei de um longe Maranhão, onde estava, mais uma vez, a convite do Ministério da Saúde, capacitando técnicos daquele Estado para implantarem programa de manejo de escorpiões. Sensação de realização absoluta quando vemos o resultado destas capacitações.

Percorrermos praticamente todo país mostrando nossa experiência. Modéstia às favas, temos, sim senhor, um dos melhores programas de controle desse bicho no Brasil. Participamos da elaboração do Manual de Controle de Escorpiões do mesmo Ministério, portanto, da normatização de condutas a serem seguidas para tal em um país continental – a rima foi sem querer, mas fica rica. Pode um profissional de saúde ter satisfação maior?

Cheguei sábado, depois de longo e confuso vôo, repleto de conexões malucas e horas de espera em aeroportos, onde cafezinho custa até oito contos. Constatação: a distância mais curta entre dois pontos da aviação nunca é uma reta. Domingo, ainda com ressaca de tanto voar, participei da superbem organizada Corrida do Sesc. Fiquei feliz. Depois, almocei na “Nossa Feira” da Praça Sérgio Pacheco.
Em casa, abri os jornais do dia. Aí o susto: “Argh, plágio!” de Gustavo Hoffay. O simples passar d’olhos já me trouxe péssimas lembranças. Mais espanto ao ler, como é de costume, a bem escrita crônica de Hoffay. Explico.

Por muito tempo fui roubado em textos por certo cidadão, que se diz jornalista e que publicava sistematicamente textos meus, de Thogo Lemos, de Ana Maria Cunha, de Marília Alves Cunha, Cláudio Vital e sabe-se lá de quantos mais. Muitos amigos leitores, indignados, escreveram para o tal jornal, sobre o demente. Resposta nenhuma. Sigam o link cerradodeminas.blogspot.com.br/2011 e confiram.

Se este for o mesmo jornal, provavelmente o ladrão de idéias, o intelectualmente doente, será o mesmo. Ah, não sei se já viram, mas o seu “Salve-se quem puder” amigo Gustavo, publicado em 29/09/2010, foi copiado na integra lá também.

Certa feita, ao ser entrevistado por enigmática, articulada, informada e de muito bem escrever personagem, que assinava @uberlandia, foi feita a mim a seguinte pergunta:
“Qual a sensação de se ter um texto roubado? É igual, parecido ou pior do que ter uma casa arrombada?”
Respondi: As criações, sejam literárias ou outra forma de expressão, custam algum sofrimento para quem as produz. Pode parecer mentira, mas criar muitas vezes dói, machuca. Porém, depois de prontas vem um porre de endorfina. Relaxante sensação de prazer absoluto. Quando te roubam um texto te roubam mais do que palavras, roubam um pouco de sua vida e isso incomoda pra caramba.
Ao final das contas um texto roubado é uma casa violada.

Salvei o dia com meu Galo dando tunda no Fluminense por quatro a um. Poderia ser um domingo perfeito não fosse o remoer em asco e nojo do mau caráter “tartufo acéfalo” plagiador (adorei esta expressão) e a pequenez de um jornal que aceita tais escritos.
Mas deixa estar caro Gustavo, hora ele acha o dele.








Publicado em 24 de maio de 2015  Jornal Correio 



segunda-feira, maio 18

Lagartixas




Muito tempo atrás construímos primeira casa, daquelas financiadas pelo BNH. Casa miúda, mas enfim própria. Chega de aluguel, que vinha se arrastando desde os tempos de república. O bairro era longe que só. Acesso só pela estrada do Caça e Pesca pista simples e estreita, um ermo. Como tive que vender moto para comprar o terreno, ficamos a pé. O ônibus tinha roteiro por lá, mas como quase não tinha morada, comia volta. Era comum ver só a capota do bruto por sobre a braquiária tomando rumo da cidade outra vez. Aí era bater a pé e rezar por rara carona. Isso era em tempo de sol ou chuva. Aos poucos, bem devagar o bairro foi crescendo. Região foi aprumando mansa, estragando paisagem, destruindo cerrado onde filhos cresceram descalços, subindo em árvores, livres.

Do nada, a estradinha de pista única virou avenida, fim de sossego pairava sobre gente que queria silêncio e ar puro.

Dia da mudança. Toda tralha coube em carroceria de caminhonete. Vasculhando casa alugada agora vazia, repleta de ecos desconhecidos, ouvia-se o próprio andar, a respiração ficava pesada em denso ar de lembranças que ficariam para sempre no limbo, em busca de algo esquecido. Quase fechando a porta pela última vez, um impulso me fez voltar. Senti na nuca dezenas de olhos a me observarem em tristeza. Arrepiei arredio. Com coração na mão e pequena tremula dei passo para a sala repleta de nada. Notei ligeiro movimento em um canto. Virei de vez e me dei com os donos daqueles olhos de empurrar nuca.

Dezenas de lagartixas corriam parede abaixo sem nada entender. Jeito que ficaram olhando a casa vazia, olhos enormes e pidões como a perguntar se iam lá ficar. Teria eu coragem de tamanha malvadeza? Toquei a recolher as bichinhas em caixa de sapato. Uma a uma foram embarcando em nave cargueira de papel rumo ao novo lar. Soltei-as todas assim que entrei na casa nova. Foi uma festa. Cresceram e multiplicaram. Tomei por hábito, no silêncio de mato, deixar o passar das horas no sofá olhando para o telhado sem forro. Começar a escurecer e lá vinham elas caçar sustento, namorar e espiar a vida. Dormia tranquilo com o bater de mandíbulas delas em som que poucos conhecem.

Regozijo antes de chuva em fartura de aleluias, maná em mel. Deleite de ver.

Anos se passaram, fizemos novo telhado. Durante a retirada das antigas telhas, ia lá eu encarapinhado entre ripas e caibros, aprendendo a galgar telha, do espigão à cumeeira na cata dos ovos branquinhos das amigas mágicas na arte do mimetismo. Um teatro a cada passeio. Descansa as vistas.

Dos ovos colhidos para caixa baixinha com pouco de areia. Inventei ninho berço. Cobertura de telhas deixada ao sol. Todo dia ia fuçar. Até que, em mais um milagre da vida elas iam saindo de seus ovos, pareciam grande olhos com pequeno rabo. As espalhei por todos os cômodos, casa agora protegida. Todos podiam em paz dormir, bichinhos atentos ali estavam para em silêncio faminto marcar vigília.

Essa prosa não finda aqui, torna-se, para a vida, mais linda.






Publicada Jornal Correio em 17 de maio de 2015




https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOha3N0R0s2SkNJRDQ/view?usp=sharing

sexta-feira, maio 15

Injustiça



Páscoa já se vai longe, mas num parar de nada fazer, daqueles que os olhos param olhando nada, ou mais, olhando para dentro das lembranças, e me peguei em sorriso. Lembrei de matéria de jornal. Corri pesquisar e clarear com detalhes as recordações.

Sabido é que tenho por costume as miudezas, disse e repito isso sempre. Pois agora vivendo fim de férias, além das corridas diárias, costume de me enveredar cerrado adentro para apreciar suas belezas e mistérios. É cupinzeiro, casa de tatu ou cascavel, é abelha jataí em toco caído num passar aflito em busca de pólen e néctar. Frágeis criaturinhas, como todas nossas abelhas nativas não foram premiadas com ferrão, resta defesa do ataque em massa, do embolar no cabelo, entrar no nariz e orelhas de intrusos sedentos de doce e raro mel. Quase nunca funciona e como o cerrado está perto de acabar por nossa conta, com elas as abelhas mansas correm sério risco de desaparecer de fato.

Numa dessas idas às trilhas, seguindo rastro de paca só para saber morada, ouvi vento a favor um choramingo triste. Apurei ouvido e segui lamento. Desci de lado, arrastando botina, pequeno barranco até dar numa vereda. Nascente de córrego em meio a buritis e outras palmeiras.

O choramingo foi ficando mais alto. Dava aperto no coração a angústia que acompanhava.
Vi à frente pequena criatura sentada meio de lado em tronco caído. Mão no queixo e olhos vermelhos de tanto choro. Era albino. Branco como algodão cardado e limpo, talvez os olhos vermelhos não fossem apenas de choro.

Cheguei com jeito para não assustar, puxei prosa.
─ Uai sô de onde vem tanta tristeza?
Me olhou assustado, mas logo se refez, triste encolheu ombros e suspirou como se nada importasse mais, podia ser até bandido ou onça, não faria diferença.

─ Rapaz conte, sou todo ouvidos, quem sabe posso ajudar.
─Tem jeito não, essa dor vem de longe. Muda não.
─ Pois conte então pelo menos alivia.
Parou um pouco, olh.os vermelhos fitando o nada, tomou fôlego e desabafou:
─ Você acreditava em papai Noel?
Acenei um sim com a cabeça.
─ Pois é, depois descobriu que era a maior balela, cascata pura, tudo K.O.
Aí vem fadinha, mula sem cabeça, Cuca. Tudo mentira.
Agora essa de ladainha da páscoa, sacanagem. Você conhece algum mamífero além do ornitorrinco que bota ovo? Não né. Poxa tinha que ser galinha da páscoa. Quer ovo pequeno, por que não codorna da páscoa? Ovo grandão tem ema, avestruz da páscoa. Não seria mais coerente? Aí falam dos símbolos, da fertilidade. Ora, essa história de ovo... Olha o que Jerold Aust disse: “Os mitos sobre a criação de muitos povos da antiguidade se baseiam num ovo cósmico que deu origem ao universo (...) Antigos povos do Egito e da Pérsia, os amigos trocavam ovos decorados no equinócio da primavera (...)”.
─ Nada de Coelho!

Olha o que fizeram comigo, deu até no jornal, brincadeira? Olha lá no portal do G1 de 1º de abril, tá lá em letras graúdas na primeira página: “Ovo de páscoa de 1 metro pesando 20 kg foi vendido em Brasília por 4000,00.” E não é pegadinha de dia da mentira não, posso te garantir, choramingou envergonhado baixinho o coelhinho.
Você faz idéia do parto em dor que foi botar ovo desse tamanho? Até hoje sofro resguardo.






Publicado Jornal Correio em 11 de maio de 2015



https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhQ3djWkNHX042T1U/view?usp=sharing

quinta-feira, maio 7

Cola




Depois da última prosa sobre meu compadre Temporal, muita coisa do tempo de escola da boa e velha república me veio à cabeça. Foram cinco anos de muita luta, dedicação e também de muita alegria e risadas. Só quem morou em república sabe o grande aprendizado que aí se tem. Conviver com um monte de gente a princípio desconhecida, dividir o mesmo espaço sabendo respeitar o limite do outro é um exercício de tolerância, humildade e paciência. Nem tudo eram flores, pelo contrário flores poucas, mas conseguimos mesmo assim sorver cada nuance cada matiz das cores e aromas de instantes inesquecíveis ternamente perpetuados em nossos corações e mentes (bem lugar-comum essa expressão, nome de documentário de longínquo 1974, mas é verdade. Seria bem extremamente pedante dizer Hearts and Minds, concordam?).

Almoço e janta pelo menos seis dias por semana era o tradicional arroz, feijão, ovo e “355”, apelido dado ao tomate, pois este era a semana inteira, ano todo. Vez ou outra rolava um coelho doado pelo Valle, pois sempre um de nós lá estava estagiando. Bife histologicamente cortado uma vez por semana. Aprende-se a dar valor a pedacinho de vida, de felicidade garimpada na bateia do tempo.

Nosso tempo não tinha a maravilha de um RU – Restaurante Universitário. Ouço tanto estudante descer a lenha na comida ali servida, balanço a cabeça apenas, não sabem de nada mesmo!

Conto um caso ou um milagre, mas não conto os santos envolvidos. Ética de ex-republicano, pois, sem autorização verbal, santo fica de fora, para nós a palavra ainda vale. Nada de documentos registrados em cartório. Como não consegui contato com todos os envolvidos, fica o caso.

Prova dura de alguma matéria do sétimo ou oitavo período. Prova de múltipla escolha. Nunca gostei dessas, preferia exposição escrita, coisa de vício também já contado.

Certa altura, tempo quase se esgotando, algumas questões mais complicadas em branco sem resposta. Companheiro à minha frente balançava na carteira, aflito, carecia nota para fechar matéria. Uma das complicadas era a questão seis. Por mais que puxasse da memória, do estudado, também nada me vinha à cabeça. Começa a cantoria.
“Barrica – do apelido conto não –, a seis”, sussurrou a meia altura o colega atormentado.
Barrica de pronto respondeu: “A”
“Barrica, a seis!”
Resposta já meio nervosa: “A, pô!”
A aflição não deixava o amigo e colega “pescar” a resposta. E a esta altura todos ao redor já assistiam de camarote ao drama da cola, inclusive o professor, bem disfarçadamente curioso em saber onde ia parar aquilo.
“Ô Barrica caramba, a seis!”

Não teve aquele que não escutou a súplica e a resposta. Barrica sem paciência respondeu foi alto dessa vez: “É A, cara!”
O colega não aguentou. Ficou de pé no meio da sala e nervoso apelou: “Ah não pô…. é A ou E?!!!”
Deu no que deu, além da turma desmontar de rir, o professor, disfarçando riso contido, ainda foi camarada, recolheu a prova de ambos e anulou apenas a questão seis que, de fato, era A.






Publicado Jornal Correio em 03 de maio de 2015




 Cola

Destino



Uma libélula voa apavorada em minha sala. Faz-se noite, não posso nem abrir janela para deixá-la ir-se, viraria presa fácil. Seu voo helicóptero a conduz em direção ao globo de luz. Bate de frente. Recuo preocupado. Ligeiro, bato a mão no interruptor e a escuridão se fecha. Ouço o aflito bater de asas procurando pouso. Nada, achou foi a luz da cozinha. Sigo sua agonia.

Vontade de pegar nas mãos, guardar em caixa de sapato e soltar amanhã com o frescor do orvalho. Melhor não, elas são frágeis como algumas pessoas especiais em sentimento. Quebram facilmente, não quero magoar nem bicho nem gente. Apago tudo. Acendo pequena vela. Tenho paixão por luz de vela, o que devia imaginar é que libélulas também.

Me dou conta que armei armadilha mortal para aquelas asas de pura e transparente seda. Em investida suicida roçou asas na chama perfumada. Senti aperto no coração, frio na espinhela. Em voo aparentemente derradeiro topou forte na parede. Imóvel se fez no chão frio. Acendo a luz com um sentimento de culpa gigante. A vejo, atrás do aparador. De canto de olho, miro meu São Jorge, presente de uma amiga especial. Peço em milésimo de segundo que me preserve de tamanha imputação.
Com cuidado de quem já está mais do que acostumado a lidar com as miudezas da vida, como cobras de vidro, escorpiões e sentimentos de alma, recolho a frágil figura.

Óculos, meu reino por um par de óculos. Devidamente com olhos, a observo cuidadosamente. Nada que mostre machucado, nada que a impeça de alçar voo. Talvez tonta pelo espanto de um tremular de fogo. Talvez a essência aromática a tenha abatido. Fico com ela na palma da mão por imensos minutos. Uma perna se mexe, estica devagar. Uma asa, outra asa, quatro asas e tremor, de motor de B-29, porém sem escândalo característico das máquinas de guerra e morte. Uma anteninha curiosa vibra. Num golpe rude alça voo sem rumo. Sigo com os olhos e sei bem onde pousou.

Volto à escuridão minha casa. Escovo dentes mergulhado em negrume. Ligo meu rádio que não mostra fonte de luz, apenas um botãozinho amarelado. Amanhã, a moça está solta. Janela aberta, olho um céu de estrelas, começo a cochilar. Um zumbido vem rápido cantar em meu ouvido. Ponho atenção e mão em concha, espero. Cantou outra vez. Certeiro tapa e lá se foi mais um pernilongo, esparramado em minha mão. Sorri com aquela morte. Nunca vou entender gênese humana, passa horas salvando uma libélula e, de cara limpa, mata seu vizinho ou se destrói em solidão, quem lhe deu tanto poder? Como pode simples criatura ter assim destino de tantos outros seres viventes?

Bom, se foi a Diretoria lá do alto, está na hora Dele convocar sua bancada toda e rever conceitos de humanidade. Quem sabe não está na hora de dar por encerrada sua obra, assinar embaixo e pendurar numa parede celeste. Quem sabe coloca tela nova, branquinha e começa tudo outra vez, mas, desta feita, usando tintas, de cores mais suaves. Dizem que já fez isso uma vez e pediu para que casal de cada ser vivo fosse ajuntado. Mas se for fazer o mesmo e despachar os casaizinhos pela galáxia afora, por favor, Senhor, não leva casal de gente nem macaco, lembra de Darwin, ah, nem de Aedes, pelo Amor de Deus, quero dizer, pelo Seu amor. Amém.





Publicado Jornal Correio em 26 de abril 2015



 Destino

Almoço de domingo



Acostumado a comprar para muitos, erro mão. Agora compro para uma pessoa, eu. Fim de semana saio às compras. Dois, três quilos de linguiça temperada com pimenta e mais um pouco da mansa, sem o ardume, picanha fatiada grossa, prontinha para a grelha, coxa e sobrecoxa de frango, pois, sempre tem (tinha) alguém que não come carne vermelha. Queijo trança para tira gosto. Cerveja com e sem álcool. Carvão, pego na carvoaria saca de 25 kg. Agora sei o tamanho do exagero. Nem lugar para guardar tamanho fardo tenho mais. Ara!

Refrigerante, não. Tiro de ideia. Ninguém toma mais esse veneno. Suco de tomate cai como luva e suco de uva orgânica para os não ao álcool. Passo na feira, tudo para bela salada. Abasteço o carro. Andei pra caramba. Combustível pela hora da morte. Matuto: e se todo mundo parasse de usar carro? Preço despencava, planeta agradecia. Sacudo de leve a cabeça: sonha, Zé!

Chego em casa. Abro porta, aroma de limpeza bate no peito. Ontem teve faxineira. Será que foi ontem mesmo ou há dois dias? Os cheiros da faxina se misturam com meus óleos de laranja, incenso e flores da área externa. Os sinos da felicidade tocam à porta da frente me dando boas- vindas em alegre dançar.
Dou-me conta de que estou totalmente só e que não tem ninguém esperando ou visita marcada. Olho para o porta-malas do carro cheio de sacolas. Alface, curiosa, desponta sobre o tapete de plástico verde parece sorrir em frescor. Reciclável, dizem. Acaba a pressa. Passo a descer as compras lento, separando item por item. Algumas para as travessas de preparo, outras para a geladeira. O meu silêncio é calmo.
Como é cedo, decido sair para minha corrida diária, pois, um pouco de endorfina vai fazer bem. Quinze quilômetros. Chego exaurido, feliz. Ducha gelada e toco preparar almoço.

O temperar tem gosto ácido, cheiros cheiram outra coisa que não o de dar água na boca. Pensamento parece não ter peia. Música faz companhia. Coloco seleção de meu gosto e canto baixinho acompanhando. Acendo churrasqueira em ritual místico. A fumaça te busca em companhia tentando lhe abraçar. Não adianta mudar de lado. Ela vem serpenteando ar a te buscar. Turíbulo. Lavo alface, tomates, pico cebola, asso carne. Esqueço de comer. Perdi vontade, assim, só bem mais tarde, antes de dormir, arrisco beliscar algo. Vivo só, mas envolvido em paz inexplicável. A comida pronta vai me servir durante mais de semana.

“Quem sabe/ O Super Homem/ Venha nos restituir a glória/ Mudando como um Deus/ O curso da história (…), canta Gil” na sucessora das antigas vitrolas. Vou ficar quietinho, esperando tocaia de vida, sem isca, sem chama, “quem sabe ser verão apogeu de primavera”. Passa o dia em calma de templo budista.

Estou seriamente pensando em parar de comer carne vermelha. Aí, faço, então moqueca em panela de barro, temperada com bastante pó de pirlimpimpim das asas da tritagonista da obra de Sir James Matthew “Peter and Wendy”, a linda e meiga Sininho, ou quem sabe, de uma fadinha de verdade que, assim como por encanto, venha para, a quatro mãos, dar gosto ao desgosto Me guardo, me aguardo.





Publicado Jornal Correio em 19 de abril de 2015