quinta-feira, maio 7

Cola




Depois da última prosa sobre meu compadre Temporal, muita coisa do tempo de escola da boa e velha república me veio à cabeça. Foram cinco anos de muita luta, dedicação e também de muita alegria e risadas. Só quem morou em república sabe o grande aprendizado que aí se tem. Conviver com um monte de gente a princípio desconhecida, dividir o mesmo espaço sabendo respeitar o limite do outro é um exercício de tolerância, humildade e paciência. Nem tudo eram flores, pelo contrário flores poucas, mas conseguimos mesmo assim sorver cada nuance cada matiz das cores e aromas de instantes inesquecíveis ternamente perpetuados em nossos corações e mentes (bem lugar-comum essa expressão, nome de documentário de longínquo 1974, mas é verdade. Seria bem extremamente pedante dizer Hearts and Minds, concordam?).

Almoço e janta pelo menos seis dias por semana era o tradicional arroz, feijão, ovo e “355”, apelido dado ao tomate, pois este era a semana inteira, ano todo. Vez ou outra rolava um coelho doado pelo Valle, pois sempre um de nós lá estava estagiando. Bife histologicamente cortado uma vez por semana. Aprende-se a dar valor a pedacinho de vida, de felicidade garimpada na bateia do tempo.

Nosso tempo não tinha a maravilha de um RU – Restaurante Universitário. Ouço tanto estudante descer a lenha na comida ali servida, balanço a cabeça apenas, não sabem de nada mesmo!

Conto um caso ou um milagre, mas não conto os santos envolvidos. Ética de ex-republicano, pois, sem autorização verbal, santo fica de fora, para nós a palavra ainda vale. Nada de documentos registrados em cartório. Como não consegui contato com todos os envolvidos, fica o caso.

Prova dura de alguma matéria do sétimo ou oitavo período. Prova de múltipla escolha. Nunca gostei dessas, preferia exposição escrita, coisa de vício também já contado.

Certa altura, tempo quase se esgotando, algumas questões mais complicadas em branco sem resposta. Companheiro à minha frente balançava na carteira, aflito, carecia nota para fechar matéria. Uma das complicadas era a questão seis. Por mais que puxasse da memória, do estudado, também nada me vinha à cabeça. Começa a cantoria.
“Barrica – do apelido conto não –, a seis”, sussurrou a meia altura o colega atormentado.
Barrica de pronto respondeu: “A”
“Barrica, a seis!”
Resposta já meio nervosa: “A, pô!”
A aflição não deixava o amigo e colega “pescar” a resposta. E a esta altura todos ao redor já assistiam de camarote ao drama da cola, inclusive o professor, bem disfarçadamente curioso em saber onde ia parar aquilo.
“Ô Barrica caramba, a seis!”

Não teve aquele que não escutou a súplica e a resposta. Barrica sem paciência respondeu foi alto dessa vez: “É A, cara!”
O colega não aguentou. Ficou de pé no meio da sala e nervoso apelou: “Ah não pô…. é A ou E?!!!”
Deu no que deu, além da turma desmontar de rir, o professor, disfarçando riso contido, ainda foi camarada, recolheu a prova de ambos e anulou apenas a questão seis que, de fato, era A.






Publicado Jornal Correio em 03 de maio de 2015




 Cola

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