sexta-feira, maio 15

Injustiça



Páscoa já se vai longe, mas num parar de nada fazer, daqueles que os olhos param olhando nada, ou mais, olhando para dentro das lembranças, e me peguei em sorriso. Lembrei de matéria de jornal. Corri pesquisar e clarear com detalhes as recordações.

Sabido é que tenho por costume as miudezas, disse e repito isso sempre. Pois agora vivendo fim de férias, além das corridas diárias, costume de me enveredar cerrado adentro para apreciar suas belezas e mistérios. É cupinzeiro, casa de tatu ou cascavel, é abelha jataí em toco caído num passar aflito em busca de pólen e néctar. Frágeis criaturinhas, como todas nossas abelhas nativas não foram premiadas com ferrão, resta defesa do ataque em massa, do embolar no cabelo, entrar no nariz e orelhas de intrusos sedentos de doce e raro mel. Quase nunca funciona e como o cerrado está perto de acabar por nossa conta, com elas as abelhas mansas correm sério risco de desaparecer de fato.

Numa dessas idas às trilhas, seguindo rastro de paca só para saber morada, ouvi vento a favor um choramingo triste. Apurei ouvido e segui lamento. Desci de lado, arrastando botina, pequeno barranco até dar numa vereda. Nascente de córrego em meio a buritis e outras palmeiras.

O choramingo foi ficando mais alto. Dava aperto no coração a angústia que acompanhava.
Vi à frente pequena criatura sentada meio de lado em tronco caído. Mão no queixo e olhos vermelhos de tanto choro. Era albino. Branco como algodão cardado e limpo, talvez os olhos vermelhos não fossem apenas de choro.

Cheguei com jeito para não assustar, puxei prosa.
─ Uai sô de onde vem tanta tristeza?
Me olhou assustado, mas logo se refez, triste encolheu ombros e suspirou como se nada importasse mais, podia ser até bandido ou onça, não faria diferença.

─ Rapaz conte, sou todo ouvidos, quem sabe posso ajudar.
─Tem jeito não, essa dor vem de longe. Muda não.
─ Pois conte então pelo menos alivia.
Parou um pouco, olh.os vermelhos fitando o nada, tomou fôlego e desabafou:
─ Você acreditava em papai Noel?
Acenei um sim com a cabeça.
─ Pois é, depois descobriu que era a maior balela, cascata pura, tudo K.O.
Aí vem fadinha, mula sem cabeça, Cuca. Tudo mentira.
Agora essa de ladainha da páscoa, sacanagem. Você conhece algum mamífero além do ornitorrinco que bota ovo? Não né. Poxa tinha que ser galinha da páscoa. Quer ovo pequeno, por que não codorna da páscoa? Ovo grandão tem ema, avestruz da páscoa. Não seria mais coerente? Aí falam dos símbolos, da fertilidade. Ora, essa história de ovo... Olha o que Jerold Aust disse: “Os mitos sobre a criação de muitos povos da antiguidade se baseiam num ovo cósmico que deu origem ao universo (...) Antigos povos do Egito e da Pérsia, os amigos trocavam ovos decorados no equinócio da primavera (...)”.
─ Nada de Coelho!

Olha o que fizeram comigo, deu até no jornal, brincadeira? Olha lá no portal do G1 de 1º de abril, tá lá em letras graúdas na primeira página: “Ovo de páscoa de 1 metro pesando 20 kg foi vendido em Brasília por 4000,00.” E não é pegadinha de dia da mentira não, posso te garantir, choramingou envergonhado baixinho o coelhinho.
Você faz idéia do parto em dor que foi botar ovo desse tamanho? Até hoje sofro resguardo.






Publicado Jornal Correio em 11 de maio de 2015



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