terça-feira, fevereiro 26

Para boi dormir

Um caboclo do interior tinha um touro que era o melhor da região. O touro era seu único patrimônio. Os fazendeiros da redondeza descobriram que o tal touro era o melhor animal reprodutor e começaram a alugar o bicho para cobrir suas vacas. Conseguiam sempre o nascimento dos melhores bezerros. Era só colocar uma vaca perto dele e o touro não perdoava uma. O caboclo começou a ganhar muito dinheiro com isso, que era sua única forma de sustento.

Os fazendeiros se reuniram e decidiram comprar o touro. Um representante deles foi até a casa do caboclo e foi logo falando:

- Põe preço no seu bicho que queremos comprá- lo.

O caboclo, aproveitando-se da situação, falou um preço absurdo. Os fazendeiros não aceitando a proposta foram se queixar com o prefeito da cidade. Este, sensibilizado com o problema, decidiu comprar o animal com o dinheiro da prefeitura e o registrou como patrimônio da cidade. Também resolveu fazer uma festa para apresentar o touro para a cidade.

No dia da festa, os fazendeiros trouxeram suas vacas para o touro cobrir e tudo sairia de graça. Logo que trouxeram a primeira vaca, o touro esbravejou, pulou, cheirou a vaca e nada.

- Deve ser culpa da vaca, disse um fazendeiro.
- Ela é muito magra.

Trouxeram uma vaca holandesa, a mais bonita da região. O touro esbravejou, pulou, cheirou a vaca e nada. O prefeito, p... da vida, chamou o ex-dono do animal e lhe perguntou o que estava acontecendo.

- Não sei... - disse o caboclo.
- Ele nunca fez isso antes! Deixa que eu vou conversar com o touro.

E o caboclo, aproximando-se do bicho, foi logo perguntando:

- O que há com você? Não tá mais a fim de trabalhar?

E o touro, dando uma espreguiçada, respondeu:

- Vê se não me amola. Agora eu sou funcionário público concursado.


História de domínio público

Gotas poéticas


Clique na imagem abaixo para ampliar o convite





Amados (povo da Cultura brasileira),

O Sarau Gotas Poéticas abre o 2013 em 28/02/2013, última quinta-feira, às 19h, na Assis Editora.
Temáticas "Coragem" e "Saber". Visualizem convite em anexo. Repassem a seus contatos.

Abraços poéticos,
Lucilaine de Fátima e Ivone de Assis
Coordenadoras do projeto Sarau Gotas Poéticas


segunda-feira, fevereiro 18

Papagaio

Semana de verão invernada, tempo borrascoso. Mas se verão é, como pode ser invernada? Mas assim se diz. Seca ou chuva, as duas estações aqui no cerrado. O resto é Europa. Temos, é claro, a época das flores, das jabuticabas, da filhotada de passarinho. Tem época de folha cair e gramado secar, aí os astutos ateiam fogo em tudo, mergulhando o céu em fumaça.

Moda outono-inverno, primavera-verão, tem apelo comercial, mas no dia a dia, acho não. Deveríamos ter apenas moda seca-chuva e depois chuva-seca. Os armazéns de secos e molhados é que estão certos. Esse nome, além de grupo musical, para nossa tristeza dissolvido, poderia bem ser de grife chic. Consultemos Glória Kalil e Danuza Leão. Mas o assunto não é moda nem meteorologia, é papagaio, o louro famoso por dar o pé.
Toró sem precedentes caía dia desses. Prazer de ficar à janela acompanhando água e vento me vem de criança.

Fazíamos corrida de pingos d’água na janela. Cada um escolhia sua gota e gritávamos com infantil alegria. Criança cria brincadeira mesmo em dia de chuva. Não tinha televisão nem internet. Restava-nos, prazerosamente, ler e criar. Pena, não consigo mais ver corridas em gotas. Apreciava feliz chuva e vento. A copa do imenso jambolão misturava-se em tranças de amores com frondoso ipê vizinho. Talvez um “quer namorar comigo”? Sacudi a cabeça com força para espantar pensamentos, tão companheiros meus, daquela infância na janela.

Entre uivos fortes do vento e da água, me pareceu ouvir sussurro, lamento longe. Pensei: imaginação minha não para, inventa um monte de um nada. O vento amainou, a chuva, chuvisco. Outra vez um som, agora risada. Tinha coisa lá fora.

Sai à cata. Muito procurar e dei com o dono das vozes. Um belo e bem zelado papagaio boiadeiro empoleirado em galho de sete-copas. Balançando o corpo e a cabeça em feliz algazarra. Chamei, pedi pé, mas nada dele descer. Me remedou com graça e desenvoltura. Deve ter fugido de alguém. Crime ambiental e dilema a ser tratado com cuidado, pois envolve animal silvestre acostumado com retraimento e apego amor mesmo de quem cria. Se pudesse sugerir, diria que seja fiel depositário quem bem trata e já não pode soltar. Animal fica sob bons cuidados e dono protegido. Mais rigor na fiscalização dos que assaltam ninhos para vender filhotes. Esses sim, criminosos.

Pois esse papagaio passou grande temporada pelas árvores de casa. Fartou-se de jambolão, pitanga, jabuticaba e goiaba. Fez amizade com maritacas e tucanos, sabiás, canários, moradores livres do verde ambiente. E, claro, aprontava com todos que por lá passavam. Chamava gente, imitava cachorro. Povo passava, procurava e nada via. Camuflado moleque Arlequim. Deixou-me apurado certa feita. Saí calmo para recolher jornal. Manhã fresca, sol manso e azul gostoso de respirar.

Cheiro de sábado. Moça fazia caminhada na rua. Quando passou bem de fronte nossa casa. Gelei pressentindo o que estava por acontecer. Não deu outra. Com toda força dos pulmões lá do alto veio um forte e humano “fiu-fiu”. A moça parou, me deu uma olhada. Foi o papagaio, arrisquei. Olhar rápido para as árvores. Óbvio, nada viu. Se foi pisando duro. Fiquei com a fama. Assim como chegou, foi embora. Aprontando em outros quintais. Tristeza e alívio. Via-me hora envolvido em briga por conta do bicho. Brigar? Respiro fundo, conto até dez.





Publicado no Jornal Correio em 16/02/2013


segunda-feira, fevereiro 4

Esperando quem?





Walmor chagas e Cacilda Becker em montagem
de Esperando Godot dirigida por Flávio Rangel
Foto: UOL






“Estamos sempre achando alguma coisa, não é, Didi, para dar a impressão de que existimos?”

Acho simplesmente geniais as constantes referências à instigante peça de Samuel Beckett “Esperando Godot” por parte do jornalista Ivan Santos. O que me intriga é quantos leitores de sua coluna sabem realmente do que e de quem se trata. Muitos têm o costume nada sadio de (literaturalmente, sei que essa palavra não existe), simplesmente, seguir adiante sem se preocupar em descobrir o significado de termo ou palavra desconhecida. Uma pena. Considerando que os dicionários não conseguem acompanhar em ritmo adequado o evoluir da língua, me valho da liberal e salvadora licença poética para usá-la. Retornando, pergunto-me e aos leitores de Ivan, quantos conhecem de fato a trama que envolve Godot?

Tomo a liberdade de avançar sobre o tema em uma colcha de pensamentos e análises alheias, sempre citando as autorias, como determina a ética, a educação e a lei dos direitos autorais, tão violada e agredida como a Geni de Chico.

Não custa lembrar que Samuel Beckett é considerado um dos principais nomes do chamado teatro do absurdo, em 1969 recebeu o prêmio Nobel de literatura. A Godot, pois.

“A obra artística mais importante de Beckett é um espelho da condição humana. Por meio de um diálogo cômico, o autor expressa a tragédia e a angústia de dois mendigos, Vladimir e Estragon, que se encontram diariamente para esperar pelo misterioso e sempre ausente, Godot.” (Mari Santoro)

Por acreditar que não se pode expressar racionalmente aquilo que é ilógico, o autor não faz uso do discurso racional e vale-se da expressão corporal de suas personagens para expressar a intenção de seu texto.

“Godot é uma parábola expressa como grande tributo ao poder do teatro, das artes cênicas. O texto é um exercício metafísico de reflexão sobre o ser, empreendido por personagens que têm séculos de saudável irresponsabilidade: os palhaços de circo, com suas duplas de clown – Didio e Gogô, Pozzo e Lucky -, Beckett remete o espectador ao mesmo tempo para a filosofia e para o antigo teatro de variedades europeu, o circo, o teatro de revista. Sem a inclusão desse humor, a peça seria mais que pessimista, intolerável”. (Alberto Guzik)

Enfim: “O tema é a espera por Godot; a espera da morte e do nada. Para o autor, a espera é o nosso estado natural, pois já nascemos condenados a morrer. A obra é uma reflexão sobre a condição humana e trata de assuntos como o abandono, a solidão e o medo da extinção”.

São aqui apresentados apenas fragmentos de “uma obra estreada pela primeira vez no Théâtre de Babylone, em Paris, Godot foi uma espécie de divisor de águas da história da dramaturgia”. Conhecê-la é quase imprescindível.

Dizem que conselho se fosse bom não seria dado, mas vendido. Segue, pois, uma sugestão. Leiam a peça. Ela pode ser baixada no site “Oficina de Teatro”. É um arquivo pequeno de apenas 1,61 MB, mas gigante e intrigante em conteúdo.

Oportunidade garantida de ótima leitura e cultural entretenimento e de, principalmente, agregar conhecimento e, quem sabe, momento de um despertar para uma nova de linguagem e expressão.

Nada a perder, pois, de uma forma ou outra, estamos todos, alegres ou tristes, palhaços ou equilibristas, esperando Godot.







Publicado Jornal Correio em 3/01/2013