segunda-feira, fevereiro 18

Papagaio

Semana de verão invernada, tempo borrascoso. Mas se verão é, como pode ser invernada? Mas assim se diz. Seca ou chuva, as duas estações aqui no cerrado. O resto é Europa. Temos, é claro, a época das flores, das jabuticabas, da filhotada de passarinho. Tem época de folha cair e gramado secar, aí os astutos ateiam fogo em tudo, mergulhando o céu em fumaça.

Moda outono-inverno, primavera-verão, tem apelo comercial, mas no dia a dia, acho não. Deveríamos ter apenas moda seca-chuva e depois chuva-seca. Os armazéns de secos e molhados é que estão certos. Esse nome, além de grupo musical, para nossa tristeza dissolvido, poderia bem ser de grife chic. Consultemos Glória Kalil e Danuza Leão. Mas o assunto não é moda nem meteorologia, é papagaio, o louro famoso por dar o pé.
Toró sem precedentes caía dia desses. Prazer de ficar à janela acompanhando água e vento me vem de criança.

Fazíamos corrida de pingos d’água na janela. Cada um escolhia sua gota e gritávamos com infantil alegria. Criança cria brincadeira mesmo em dia de chuva. Não tinha televisão nem internet. Restava-nos, prazerosamente, ler e criar. Pena, não consigo mais ver corridas em gotas. Apreciava feliz chuva e vento. A copa do imenso jambolão misturava-se em tranças de amores com frondoso ipê vizinho. Talvez um “quer namorar comigo”? Sacudi a cabeça com força para espantar pensamentos, tão companheiros meus, daquela infância na janela.

Entre uivos fortes do vento e da água, me pareceu ouvir sussurro, lamento longe. Pensei: imaginação minha não para, inventa um monte de um nada. O vento amainou, a chuva, chuvisco. Outra vez um som, agora risada. Tinha coisa lá fora.

Sai à cata. Muito procurar e dei com o dono das vozes. Um belo e bem zelado papagaio boiadeiro empoleirado em galho de sete-copas. Balançando o corpo e a cabeça em feliz algazarra. Chamei, pedi pé, mas nada dele descer. Me remedou com graça e desenvoltura. Deve ter fugido de alguém. Crime ambiental e dilema a ser tratado com cuidado, pois envolve animal silvestre acostumado com retraimento e apego amor mesmo de quem cria. Se pudesse sugerir, diria que seja fiel depositário quem bem trata e já não pode soltar. Animal fica sob bons cuidados e dono protegido. Mais rigor na fiscalização dos que assaltam ninhos para vender filhotes. Esses sim, criminosos.

Pois esse papagaio passou grande temporada pelas árvores de casa. Fartou-se de jambolão, pitanga, jabuticaba e goiaba. Fez amizade com maritacas e tucanos, sabiás, canários, moradores livres do verde ambiente. E, claro, aprontava com todos que por lá passavam. Chamava gente, imitava cachorro. Povo passava, procurava e nada via. Camuflado moleque Arlequim. Deixou-me apurado certa feita. Saí calmo para recolher jornal. Manhã fresca, sol manso e azul gostoso de respirar.

Cheiro de sábado. Moça fazia caminhada na rua. Quando passou bem de fronte nossa casa. Gelei pressentindo o que estava por acontecer. Não deu outra. Com toda força dos pulmões lá do alto veio um forte e humano “fiu-fiu”. A moça parou, me deu uma olhada. Foi o papagaio, arrisquei. Olhar rápido para as árvores. Óbvio, nada viu. Se foi pisando duro. Fiquei com a fama. Assim como chegou, foi embora. Aprontando em outros quintais. Tristeza e alívio. Via-me hora envolvido em briga por conta do bicho. Brigar? Respiro fundo, conto até dez.





Publicado no Jornal Correio em 16/02/2013


2 comentários:

Clarice Villac disse...

Que linda essa foto do papagaio contente !

A crônica é muito bonita, ainda mais porque conversa 'de dentro dos pensamentos', e a gente pode conviver com o garoto que brincava de corrida com os pingos da chuva !

Parabéns, e que o louro esteja muito bem e feliz agora !

william h stutz disse...

Obrigado Clara Clarice, obrigado mesmo. O menino dos pingos d'água ainda vive em mim