terça-feira, agosto 29

Saci da Lia

Sempre envio saci mensageiro com meus poemas.
Temporada de bons ventos, vai ligeiro.
Vai num pé, volta no mesmo.
Pedi tenência, juizo, mas os sacis dos recados são
custosos, vontade própria.
Hora chega.


William H. Stutz
agosto/2006
(Recadinho para a amiga Lia Falcão)

segunda-feira, agosto 28

Presente divino

Presente divino
William H. Stutz

carregada da raiz ao céu
jabuticabeira agradece
primeira chuva das flores

28.08.2006
(Com dedo da amiga Ly, organizadora de idéias)

Não ao voto nulo




Por que não anulo meu voto.
Muitos pregam aos quatro ventos o voto nulo.
Sei por convivência que são em sua grande maioria pessoas boas, íntegras e que até acreditam, acho, no que dizem. Algumas mais pragmáticas do que as outras é claro.

Penso bem diferente deles. O voto nulo se transforma numa eterna mordaça, um tapa-boca moral que, a meu ver impede o cidadão que tal prática adota de, por pelo menos quatro anos, reclamar, queixar, de viver plenamente sua cidadania.
“Cala-te omisso, a ti não é dado nem o direito de suspirar!”

O voto nulo não contribui em nada para o crescimento democrático e para o estado de direito. Jamais anularei um voto.

É óbvio que enojado estou com as maracutaias, com as negociatas, com o descaso com um povo inteiro, que vejo acontecerem diariamente. É claro que não abono (aliás abomino) a postura de “monarcas federais” de plantão, ávidos para se perpetuarem no poder, aqueles que se auto-intitulam donos de nosso destino. E por essas e outras é que meu voto nunca será nulo. Nem nulo nem útil. Nós temos o poder de mudar o rumo de nossa história.

Voto sempre por mudanças, com esperança. Voto sanitário. Limpeza.
Honra, compromisso, altruísmo; isso espero, com isso conto quando voto. Não, não votaria em branco nem por decreto.
Ingênuo? Posso até ser, mas fazer o quê.
Continuo acreditando no homem.
Não voto NULO.

Tremo em pensar que nada fiz para, pelo menos tentar mudar o que aí está. Tomo em minhas mãos o destino de meu solo pátrio. Pelo voto me manifesto, busco transformação.

Mesmo quando todas as pesquisas me garantem que já perdi, (perdi? Se participo não perco nunca!) e no primeiro turno, não me entrego, voto porque não compactuo, voto porque sou livre, voto porque por esse momento muitos lutaram, muitos morreram, nas praças, nas ruas e nos púlpitos, homens se expuseram por este ideal, pelo direito voto direto. Voto porque acredito que podemos vencer sim, eu, você, cada cidadão faz a diferença. A vitória será sempre da liberdade, da democracia, do nosso povo.




Senhores de nosso destino tremei,ele, o povo, mesmo que vocês não acreditem, existe e se fará presente.
NÃO ao voto nulo.

Ouso encerrar com magistral verso do Romanceiro da Inconfidência de 1953, uma lição, uma reflexão:

“Liberdade – essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda".
(Cecília Meireles)


William Henrique Stutz
médico veterinário sanitarista
Cidadão Livre

sexta-feira, agosto 25

Ciberespaço


Hoje pensei no computador, tenho praticado.
A idéia vem forte, assim à toa
até que ele liga, pronto a idéia já é outra
Ciberespaço, o que faço?
Tristeza.

Animal




Ando meio esquisito, sem paciência.
Caso cumprido conto mais não,
Perco o fôlego, suspiro sem tristeza.
Corto frase no meio, espero entendimento,
Quase nunca vem, sobra desacordo, desavenças.

Ando de prosa curta
Estou ficando monossilábico.
De tanta lida passo a parecer com eles.
Meus bichos.Todos silenciosamente barulhentos, noturnos.
Escorpiões e morcegos, minha vida, minha rotina.

Ando meio esquisito, monossilábico.
Paina ao vento; assim deveriam ser as prosas,leves ligeiras, rumo? Incerto.
Bicho fala pouco, observa.

Ando de prosa curta.
Monossilábico. Velhice?

William H. Stutz
Agosto/setembro 2006

quarta-feira, agosto 23

Lua virada


Na virada da lua entre minguante e nova tenho sempre curto interstício de vida
fenda profunda entre real e imaginário

A reclusão e o silêncio sempre me acompanham
No fundinho da gaveta, junto ao mais perfumado sache , jasmim, me aquieto

Pensamentos atormentam meu cotidiano
Pensamentos alimentam meus sonhos
Como voltar?
Lembro dos amigos

Quando voltar?
quando me sentir confortável, quando me sentir afável.

Por que voltar?
Porque amigos de verdade sempre esperam Pacientes, compreensivos

Na virada da lua entre minguante e nova existe sempre a expectativa da Clara luz da cheia,
não só lua , mas vida cheia, completa plena, repleta

Tudo isso na virada da lua
na virada da lua
na virada da lua
da lua
da lua

William H. Stutz agosto/2006
Baseado na " Na virada da lua" de Clarice Villac

quinta-feira, agosto 10

Bilhete



Sentado no canto mais escuro do bar, coçava a barba por fazer. Daquele ponto podia observar todo o ambiente. O entre e sai das gentes. O apressado engolindo cafezinho, que pelo cheiro que emanava da cafeteira prateada mergulhada em cuba d'água sempre aquecida devia ser requentado, feito há dias talvez.

Outro, a comer lambuzado pão com molho de almôndegas vindas de travessa onde ficavam a boiar em vermelho caldo na vitrina de salgados, como estranhos seres alienígenas que ainda não foram pescadas. Ali também havia ovos cozidos de cascas azuis e vermelhas, pastéis ressecados, e claro, moscas, muitas moscas.

Do seu canto observava também uma parte da movimentada rua. A porta do bar, uma moldura. Enorme boca parecia tentar engolir carros e pessoas que ao seu alcance passavam. Um quadro em movimento, mutável, tristemente dinâmico, vazio. Cinza.

Fazia um calor insuportável. Abaixou os olhos para o seu copo de cerveja, estava quente. Com as costas da mão conferiu a temperatura da garrafa, sentiu a umidade do vidro suado, mas pressentiu que o que ainda lá restava também já não estava gelado, nem fresco.

Assim mesmo tornou a encher o copo, espuma branca e abundante tomou quase o copo inteiro, uma pequena cachoeira escorregou alva pela borda e derramou pela mesa de lata, virou amarelo líquido rapidamente. Com a ponta do dedo ensaiou um desenho sem sentido com a cerveja derramada. Um círculo, algumas letras, um rio e suas curvas.

Bateu a mão no bolso da camisa procurando o maço de cigarros. Mania, parara de fumar havia muito tempo. Tamborilou no encosto da cadeira do lado uma música que nem conhecia. Ansiedade .

Buscou com os olhos alguém conhecido.
— Mais uma cerveja, por favor, tem torresmo? - Ia ficar ali um bom tempo.
Procurou no bolso o guardanapo de papel rabiscado. Era o bilhete que havia recebido no dia anterior. Entregue por um menino vendedor de flores, aquelas rosas mumificadas embrulhadas em papel celofane.
— Moço, mandaram entregar. Baixou os olhos para a encomenda um segundo e quando outra vez os ergueu o pequeno mensageiro havia sumido, mágica, não tinha para onde ir tão rápido, estranho.

Além da caligrafia bonita, do perfume que já não mais se podia sentir, o que mais encantava era o beijo de batom. Vermelho vivo. Um convite ao desejo. Prometia encontro naquela mesa, na proteção da tarde quando poucos ao bar se aventuravam. Não conhecia a dona daquela caprichosa mão e de tão perfeita boca. Sonhava.

As horas avançavam, o entre sai aumentava, a moldura da porta adquiria tons escuros, faróis agora acesos cruzavam seu campo de visão. Ninguém. Com paciência sofrida, colou o bilhete no casco da última cerveja, o vermelho do batom escorreu papel abaixo em contato com água condensada. Observou a cena sem emoção especial.
Quem sabe amanhã? A solidão ainda permite sonhos.

William H. Stutz
Uberlândia, Minas, agosto, 2006