domingo, fevereiro 9

Naftalina

Tem certas coisas que se eu contar podem até parecer mentira, conversa inventada ou coisa parecida. Mas estas estranhezas levam jeito de só acontecerem comigo. Mesmo assim insisto no falar sobre, depois não me crucifiquem quanto ao fato da maioria dos meus escritos terem bicho no meio, quase sempre como protagonistas. É sina. Fazer o quê?

Chego de treino anoitecendo. Raro isto, pois gosto de minhas corridas no bem cedo da manhã, ar orvalhado, dia querendo nascer. No trecho parece que vejo sonhos saindo sorrateiros de janelas, como a não querer serem lembrados por seus donos no despertar. Talvez aí more a razão de muitas vezes acordarmos com aquela sensação de algo esquecido. Observo os sonhos, lentos a flutuar deixando rastro de pequena lembrança para trás. Escondem-se em cantos calmos e talvez retornem na próxima noite ou hibernem entorpecidos para, só muito tempo depois, se manifestarem em um Déjà vu. Galicismo à parte, por favor. Sonhos fadas, deixemos as quimeras de nosso divagar de lado, se não nem história tem.

Pois sim, suado feito tampa de marmita pelas quase duas léguas entre trotes, tiros e rápido caminhar, nada melhor do que um belo banho, roupa velha desfiada e larga de em casa ficar. Um jantar leve e um esparralhar confortável, a buscar um bom filme para finalizar o abençoado dia.

Nesse zanzar pela casa, no sobe e desce escada, no vai daqui para ali, quem está juntinho ao meu calcanhar? Ora a Princesa, minha gata vira-latas. Aquela já citada aqui várias vezes e que até parece gente. Não, retiro o que escrevi, gente não, seria o estragar da felina. Arrumo: que até parece… gato.

Até quando ao chuveiro, ela fica deitada à porta a me esperar. Não sei se já contei que sempre procura algo meu para dormitar,camisa, mochila, cadeira, mas tem que ter meu cheiro.Torme com um olha aberto e outro fechado, tinhosa que só, Boba nada. Nós é que tentamos ficar com os dois olhos abertos, somos quase sempre pegos de surpresa, em ciladas vindas de tantos e menos esperados seres humanos. Muito a aprender com os bichos, felinos em particular.

Pronto. Já engatilhado um bom e velho filme me ponho a rever pela enésima vez, com prazer, o indescritível “Casablanca”. Humphrey Bogart como Rick Blaine, Paul Henreid, Ingrid Bergman e seu marcante e deslumbrante personagem, Ilsa Lund. Que doido. Não se faz mais tamanha beleza como aquela. Destaque também para Claude Rains, genial na pele do Capitão Renault. Não viu? Não sabe o que está perdendo.

Apenas a luz do abajur acesa, calma e morna. Casablanca rolando. Nada não. Ouço o triturar de ração. Penso, sem pensar, que Princesa come muito devagar e aos poucos. E lá isso é hora de lanchinho noturno? Continuo com olho pregado no filme. Mas não é que do nada olho para o lado e quem vejo? Princesa no maior dos sonos, chegando a ronronar. Talvez algum sonho voltou a visitá-la. Aqui um rápido à parte. Sentindo-se em segurança, bichos dormem profundamente e eu, como Hipnosera, o guardando seu sono. Que Morfeu, que nada! Este era irmão daquele e levou a fama. Típico, como algumas gentes que querem glória à custa do trabalho de outrem, até os deuses gregos podem ser traiçoeiros.

Uai! Se não era Princesa… Mal terminei o pensamento e levantei de manso. Descalço, sem fazer ruído, fui espiar. Só deu tempo de ver o pequeno corpo cinza puxando sua cauda pelada. Um filhotão de gambá! Entrou na mais falta de cerimônia e veio à ceia. Fui atrás para convidá-lo a sair. Sabia que iria me dar trabalho. Nunca mais poderia deixar fruta ou alimento que fosse, pois o danado iria lá. Tornar-se-ia o “Provador oficial” de tudo quanto há. Eu não queria isso.

E agora José? Como despejar o gambazinho sem machucá-lo? Princesa, indócil, já o procurava com o faro e me indicava o seu esconderijo. Mais um perigo. Se os dois se pegassem o confronto iria ser grave. Minha experiência em manejo de animais silvestres me ajudou, em termos. Capturávamos gambás juntos com o Corpo de Bombeiros e com auxílio de gaiola. Agora sei que a Zoonoses de Uberlândia faz cada vez menos, para capturar intrusos. Pois, por experiência própria e de muitos conhecidos que acabam pedindo orientação, a resposta de sempre é: “Não fazemos mais isso”.

Pensei cá comigo, se já conseguimos desalojar morcegos em pequenas colônias com naftalina. Quem sabe daria certo com o meu visitante? Pois fui à busca em plena noite, sem nem trocar de roupa, só percebendo que estava caseiramente mulambado quando notei olhares estranhos a mim dirigidos. Farmácias várias, sem chance. Supermercados seria a derradeira opção devido ao avançar da hora. Com muita busca consegui achar um que tinha naftalina. Sorte total.

Cheguei em casa com jeito de batalha vencida. Espalhei bolinhas pra toda banda. Debaixo da máquina de lavar, fogão e um mundo dentro do motor da geladeira, onde era o seu esconderijo. Resumo da ópera? A casa ficou cheirando caixa de enxoval, como me disse uma amiga. E mais. Princesa, eu, as lagartixas, as aranhas de teia, grandes companheiras, saímos todos. Todos menos quem? O gambá! Ninguém aguentava o cheiro forte daquilo. Aquilo não pode ser bento não. Cria do cão, só pode.

Assim ficou durante dois dias. O visitante saiu certa tarde por sua conta e risco. Acho que se mudou. Não foi a naftalina que correu com ele, foi a falta de comida, pois passei a guardar até fruta na geladeira. Acabou a mamata e ele foi garimpar rango em outras praias. Passei horas catando as bolinhas brancas. Casa ventilada, posso contar que até hoje o cheiro está impregnado.

Arrematando, depois da busca pela naftalina voltei ao meu filme. Esqueci e o deixei rolando. Mais uma vez não pude por atenção se Bogart disse para o ator Dooley Wilson, o Sam do Rick's Café ao piano, famosa frase: “Play it again Sam”. Acho que não.

William H Stutyz
Diário de Uberlândia em 09/02/2020

Dias loucos

As grandes janelas de vidro estão cobertas de espuma. Paro e fico a observar as bolhas pela nesga de sol, que nos concede o privilégio de capturar, nem que seja por breves segundos, um belo arco-íris por leas capturadas, carro alegórico do instante. Como ser vivente elas, as bolhas, escorregam calmas pela superfície translúcida e se deixam ir. Algumas dão de encontro a outras maiores e se fundem em uma só, levando consigo seu colorido arco de sete cores. Mesclados, parecem se abrir em sorrisos. Seguem. Mais alguns momentos se abrem como frutos a espalhar sementes e devolvem ao sol e ao céu adorno tomado emprestado. E eu, testemunha e jurado do deslumbrante desfile, grito em silêncio só meu: Dez, nota dez!

Que semana doida. Combinado, prometi não falar mais de joaninhas. Não que o assunto esteja esgotado, mas acho que já deu para você meu amigo, minha amiga. Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre a importância das pequenas fique à vontade para fazer contato. Podemos conversar horas sobre o assunto. Aliás, conto outra vez o encontro que tive em um destes acasos do viver, com um senhor na fila da padaria. Cenhoso, em voz alta e me apontando sua bengala como espada:

─ Você encheu minha casa de bichos! Claro, todos os olhares da renque matinal se dirigiram a mim. Fiquei sem ação. Paralisado em quase súplica consegui um hesitante e baixo “mas o que é que eu fiz?” Abrindo-se em sorriso largo e matreiro, também em tom de trovão, respondeu: Uai, quase só tem bicho em suas crônicas de domingo! Chegou mais perto sussurando:

─ Contínua, me faz lembrar minha infância.

Olha, vou te contar, foi o maior elogio que recebi em toda minha vida. Nem em premiações em concursos literários ou títulos a mim conferidos ao longo da vida, como o de cidadão honorário de nossa Uberlândia e Veterinário do Ano pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária, CRMV MG. Cara, ando pouco modesto hoje, me perdoe. Esse senhor conseguiu prolongar minha vontade patológica de escrever por tempo indefinido. Queria muito agradecê-lo. O que não consegui fazer no momento do “ah, é”. Voltei várias vezes àquela padaria em diferentes horários, mas ele simplesmente desapareceu como outro senhor que tratava das rolinhas todas as manhãs, hora falo dele.

Do nada um forte jato d’água derreteu todas as bolas e os seus adornos coloridos de sol escorreram com pressa no vidro, acelerando na avenida para finalmente sumirem na área de dispersão, empurradas por um imenso rodo. Ficou o vidro/passarela translúcido, à espera de novo desfile.

Que janeiro doido! Um nosso (ex) Secretário Especial da Cultura encenou personagem espúrio? Eu disse nosso? Deus me livre e guarde. Nosso não, deles! Como bem definiu o UOL Notícias: “O Goebbels caipira...”–– e arremata com maestria (…) a degradação da democracia é uma ameaça à democracia...

Lá nas estranjas um embate de proporções inimagináveis entre EUA e a Pérsia, ops Irã, quase descamba ladeira abaixo arrastando o mundo junto. Também a UOL e outros tantos veículos de comunicação nos contam: “China tem 9ª morte provocada pelo coronavírus; já são mais de 400 casos.Transmissão entre humanos causa pneumonia. EUA, Japão, Tailândia, Taiwan e Coréia do Sul também confirmaram casos da doença.”

Outra do mês: Sabe-se lá o motivo REAL, oferecem denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald e recebem críticas contundentes do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a OAB e de entidades de imprensa com justa razão.

O UEC empata com o Galo no Sabiá, mas jogou muito bem. Se fosse contra o Cruzeiro seria vitória fácil do Verdão. Vai estar nas quartas de final. Pode escrever.

E para completar, aqui em Uberlândia uma do SOS Uberlândia: “Caminhão Tapa-buracos é engolido - por quem?- Por um buraco(!) declaração de Guerra de guerrrilha Vietcongs no asfalto.

E os escorpiões continuam matando…

Meus amigos, minhas amigas, afirmo, prefiro falar de bichos a abordar tanta coisa estranha. Entre a benignidade e a malvadez, fico sempre com a primeira. Daí falar tanto de plantas, bichos, anjos, estrelas e sonhos. Mas, como sempre digo: Tem dia que de noite é assim!

Bom domingo.


William H Stutz
Diário de Uberlândia em 02/02/2020 - Belo palíndromo

Ah não !

Ah, não! Outro domingo e esse cara vai falar de joaninhas novamente? Calma que explico. Devido à quantidade de mensagens, e-mails e tefonemas que recebi em função dos escritos de domingo passado, me senti na obrigação de continuar o assunto. Tá certo, não foram mensagens para me parabenizar pelo conteúdo em si. Embora algumas almas generosas assim o fizeram, na verdade o que as missivas e ligações traziam em comum eram relatos de aparições de joaninhas. E, olha, senti um fio de esperança, pois talvez eu estivesse julgando a humanidade com um olho só, o meu. Mas voltando às mensagens. Uma dizia: “Bom dia, pois eu vi uma Joaninha de duas pintas outro dia no elevador de meu apartamento.”

Outra: “Tem um vaso grande com plantas de plástico que rego pelo menos uma vez por semana na antessala de meu consultório e na semana passada mesmo vi uma dessas em um antúrio lindo que tenho lá. Para quem quiser atrair as bolinhas vermelhas é só me escrever in off que mando o endereço da loja. Eles têm cada coisa! Até samambaias de plástico MARAVILHOSAS !!!” Grafado desse jeito mesmo, em maiúsculas e com três pontos de exclamação. A pessoa estava realmente extasiada. Reservo-me a circunspecção para não colocar o contato do autor(a) aqui. Vocês irão entender meu ponto de vista no que diz respeito às imitações e ao plástico, assim espero.

Mais uma: “Em que mundo você vive? No meio do mato? Em alguma floresta ou beira de cachoeira? Você é do tipo que viaja vendo borboleta voar, grilo cantar? Só pode! Começou bem não é?” E continua: “Pois eu vejo esse bicho quase todos os dias em minha indústria textil, onde produzo fibras de viscose e poliéster. “

Antes de agradecer os adjetivos a mim dirigidos fiquei curioso com a relação entre essas tais fibras que todos usamos e nem sabemos de onde vem e o bicho. Uma corrida ao Google e me assustei. Olha o que encontrei no site da BBC (alguém duvida da seriedade da fonte?): “Se você veste calças ou malhas de poliéster, por exemplo, fique sabendo que a fibra sintética mais usada na indústria têxtil em todo o mundo não apenas requer, segundo especialistas, 70 milhões de barris de petróleo todos os anos, como demora mais de 200 anos para se decompor.” E mais: “A viscose, outra fibra artificial, mas feita de celulose, exige a derrubada de 70 milhões de árvores todos os anos.” (Quer consultar? Aí vai o endereço https://www.bbc.com/portuguese/geral-39253994).

Como ler é bom. Todo dia aprendendo. O News Brasil ainda nos conta que os têxteis só perdem para a indústria do petróleo como poluente. Destaquei com mais detalhes apenas esses dois exemplos, mas os locais onde as nossas joaninhas são avistadas, segundo as mensagens, são cada vez mais insólitos, inimagináveis. Chaminés, trigésimo sexto andar de prédio, dentro de metrôs e mais uma longa lista louca. Pelo que senti, as pequenas estão entrando para a categoria dos Objetos Voadores Identificados, mas raros, OVINIS RARUS primo dos OVNIS, com tais aparições discutíveis.

Como nem tudo está totalmente perdido, sou também portador de boas novas. A notícia é de 2018 e se puderem me atualizar agradeceria. O fato é que a Prefeitura de Belo Horizonte começou naquele ano a “produzir” joaninhas com a implantação de uma “Biofábrica” na Casa Amarela, mais precisamente no Parque das Mangabeiras, para quem conhece BH.

De lá sairão ou saem, não sei, kits com joaninhas para soltura e assim controlar um monte de pragas. Só não me simpatizei com o nome, Biofábrica. Poderiam ser mais criativos, mas se cumprirem o que prometem, será um avanço. Porém, a experiência tem mostrado o contrário. Promessa de político é que nem risco n’água. Bom, neste ano até que eles destampam em fazer de conta, pois tem eleição. Aí já viu. Não, não vamos estragar o domingo falando dessa gente.

Desejo sorte a Belo Horizonte com sua criação e que seja tamanha que possamos voltar a ver joaninhas, com pintas ou não, em todas as praças e todos os quintais que ainda existirem na nossa capital. No mais, como aposentei e depois fui literalmente escorraçado de “meu” laboratório de escorpiões, desde já me prontifico a implantar em nossa Uberlândia, como voluntário, um belo criadouro das joias da natureza. “Mole para quem toma Toddy”, como me disse um anjo em longe carnaval ouropretano e que até hoje produz efeito avassalador, parafraseio e lapido: para quem criou escorpiões por décadas com altos índices de reprodução e taxas de mortalidade mínimas, joaninha além de ser um mundo de fantasia e sonho é um “Piece of cake”, como diria meu velho pai.

William H Stutz
Diário de Uberlândia em 26/01/2020

Joaninhas

Começo hoje com uma pergunta daquelas que sempre faço aos meus amigos e amigas. Penso que através de perguntas de respostas simples me aproximo mais daqueles que raro vejo e dos poucos que conheço, pois me põem a pensar em quanto o mundo que nos cerca pode ser belo e na maioria das vezes não temos olhos para de fato enxergá-lo e muito menos as pessoas que, como planetas, nos rodeiam em órbitas de amizade e carinho.

Há quanto tempo você não vê uma joaninha? Isso mesmo, aquela pequena joia na maioria das vezes vermelhinha. Algumas com duas pintas brancas às costas, outras sem pinta alguma, deixando mostrar seu vermelho verniz. Curiosamente, de forma universal, fomos educados a proteger e tratar com carinho esse inseto. Mães, pais, tias/tios, avôs e avós, sempre nos passaram respeito e admiração pelas joaninhas. Se uma pousasse atrapalhada em voo nas mãos de criança a exclamação era sempre de alegria: Olha que lindo, que bichinho mais bonitinho! Com olhos de encantamento os pequenos giravam a mão ou o braço para acompanhar o rápido andar daquele pontinho a caminhar desajeitado de um lado para outro, observando o abrir de seu estojo e um desdobrar de minúsculas asas ao tomar rumo em confusa mistura de planar e voar. Que linda, foi embora…! O sorriso dos pequenos, um quase sempre feliz bater de palminhas, iluminavam o entorno. Algumas choravam. Não de medo. Nunca, isso não! Exclamavam, mediante um beicinho e balbuciar tristonho, prelúdio de choro: Eu quero! Olhos a buscar no vazio aquele nosso pontinho de pernas.

Sim, é verdade, muito diminutivo. Mas o palavrear com os miúdos não é assim? Tudo no “inho”?

Chora não lindinho (ou lindinha), mamãe vai trazer um monte de joaninhas para você, viu? As avós, mais exageradas, sem querer deixam a semente da frustração plantada muito cedo, diziam: Que bichinho bobinho, não quis ficar com meu netinho! Não sabe o que está perdendo. Não é queridinho da vovó? Tome “inhos” e “inhas” o resto do dia. Puro carinho.

Pois conto. Em dias seguidos vi duas joaninhas, das mais simples e, verdade, modelo standard, basicão mesmo, mas que não tirava sua beleza. Sem pintas, porém com as latarias intactas saídas reluzentes de fábrica. Uma cumpriu o ritual. Pousou nas costas de minha mão, correu aflita para a beirada do vazio, mas inconscientemente a virei e ela teve que caminhar mais um pouco. Senti que ela me deu uma olhada de reprovação como a dizer: “Qual é cara, velho assim e parece que nunca me viu!” Não, joaninhas nos ensinaram que jamais seriam grosseiras assim. Talvez um pernilongo ou um mal humorado besouro-de-chifre pudesse resmungar um pouco, mas as pequenas jamais!

A outra estava no portal de minha casa em passeio despreocupado. Acompanhei bem de pertinho seu zig zag até se lançar rumo a um nada, em aparente cegueira. Contudo, ela sabia aonde ia. Duas joaninhas em dois dias. É muita sorte e felicidade juntas. O ano estava começando bem, até que…

Uma caminhada leve para não perder o dia. O corpo grita por descanso. Teimoso não dou folga e forço barra em corridas e trotes diários. Não deu outra. Dor e músculos da coxa a reclamar. Fui obrigado a diminuir o ritmo. E lá vou eu bem mais lento do que o normal, ouvindo uma seleção de músicas de sossego.

Olhar e pensar na lonjura, em outras praias, outras montanhas. Percebo no trecho copos plásticos atirados por todos os lados, como folhas brancas a arranhar o chão com o vento. Um início de indignação que se transforma em sentimento sem forma ou nome, mas ruim e eu lembrando de joaninhas. Passar raiva por conta? Vou vendo, catando e contando. A cada dezena despejo em lixeira que, aliás, são muitas. Sem lógica serem atirados assim. Educação, que falta faz.

Vem outro lampejo. Brasileiro viaja para Europa ou Estados Unidos e volta importante e deslumbrado, quase sempre não com museus, praças, castelos e monumentos, mas com a organização, limpeza das ruas, com os trens e ônibus pontuais. Não se vê um papelzinho nas ruas! Contam orgulhosos, como se de lá fossem. Aqui, participo de algumas corridas de rua ou simplesmente passeio pelos parques. Muitas vezes aquele que joga aqui é o que elogia o primeiro mundo. Explique-me tamanho desconchavo.

No fundo, acredito que se mais crianças fossem embaladas cobertas de “inhos” e “inhas” talvez vivêssemos em um mundo onde as mentes não seriam tão inhas e valores menos mesquinhos. Se assim fosse, milhões de joaninhas povoariam como anjos deste tamaninho, nosso entorno, nossas vidas, nossos sonhos e o mundo respiraria saudável, bem devagarzinho, calmo, sereno, zen.


William H Stutz

Diário de Uberlândia em 19/01/2020