domingo, fevereiro 9

Joaninhas

Começo hoje com uma pergunta daquelas que sempre faço aos meus amigos e amigas. Penso que através de perguntas de respostas simples me aproximo mais daqueles que raro vejo e dos poucos que conheço, pois me põem a pensar em quanto o mundo que nos cerca pode ser belo e na maioria das vezes não temos olhos para de fato enxergá-lo e muito menos as pessoas que, como planetas, nos rodeiam em órbitas de amizade e carinho.

Há quanto tempo você não vê uma joaninha? Isso mesmo, aquela pequena joia na maioria das vezes vermelhinha. Algumas com duas pintas brancas às costas, outras sem pinta alguma, deixando mostrar seu vermelho verniz. Curiosamente, de forma universal, fomos educados a proteger e tratar com carinho esse inseto. Mães, pais, tias/tios, avôs e avós, sempre nos passaram respeito e admiração pelas joaninhas. Se uma pousasse atrapalhada em voo nas mãos de criança a exclamação era sempre de alegria: Olha que lindo, que bichinho mais bonitinho! Com olhos de encantamento os pequenos giravam a mão ou o braço para acompanhar o rápido andar daquele pontinho a caminhar desajeitado de um lado para outro, observando o abrir de seu estojo e um desdobrar de minúsculas asas ao tomar rumo em confusa mistura de planar e voar. Que linda, foi embora…! O sorriso dos pequenos, um quase sempre feliz bater de palminhas, iluminavam o entorno. Algumas choravam. Não de medo. Nunca, isso não! Exclamavam, mediante um beicinho e balbuciar tristonho, prelúdio de choro: Eu quero! Olhos a buscar no vazio aquele nosso pontinho de pernas.

Sim, é verdade, muito diminutivo. Mas o palavrear com os miúdos não é assim? Tudo no “inho”?

Chora não lindinho (ou lindinha), mamãe vai trazer um monte de joaninhas para você, viu? As avós, mais exageradas, sem querer deixam a semente da frustração plantada muito cedo, diziam: Que bichinho bobinho, não quis ficar com meu netinho! Não sabe o que está perdendo. Não é queridinho da vovó? Tome “inhos” e “inhas” o resto do dia. Puro carinho.

Pois conto. Em dias seguidos vi duas joaninhas, das mais simples e, verdade, modelo standard, basicão mesmo, mas que não tirava sua beleza. Sem pintas, porém com as latarias intactas saídas reluzentes de fábrica. Uma cumpriu o ritual. Pousou nas costas de minha mão, correu aflita para a beirada do vazio, mas inconscientemente a virei e ela teve que caminhar mais um pouco. Senti que ela me deu uma olhada de reprovação como a dizer: “Qual é cara, velho assim e parece que nunca me viu!” Não, joaninhas nos ensinaram que jamais seriam grosseiras assim. Talvez um pernilongo ou um mal humorado besouro-de-chifre pudesse resmungar um pouco, mas as pequenas jamais!

A outra estava no portal de minha casa em passeio despreocupado. Acompanhei bem de pertinho seu zig zag até se lançar rumo a um nada, em aparente cegueira. Contudo, ela sabia aonde ia. Duas joaninhas em dois dias. É muita sorte e felicidade juntas. O ano estava começando bem, até que…

Uma caminhada leve para não perder o dia. O corpo grita por descanso. Teimoso não dou folga e forço barra em corridas e trotes diários. Não deu outra. Dor e músculos da coxa a reclamar. Fui obrigado a diminuir o ritmo. E lá vou eu bem mais lento do que o normal, ouvindo uma seleção de músicas de sossego.

Olhar e pensar na lonjura, em outras praias, outras montanhas. Percebo no trecho copos plásticos atirados por todos os lados, como folhas brancas a arranhar o chão com o vento. Um início de indignação que se transforma em sentimento sem forma ou nome, mas ruim e eu lembrando de joaninhas. Passar raiva por conta? Vou vendo, catando e contando. A cada dezena despejo em lixeira que, aliás, são muitas. Sem lógica serem atirados assim. Educação, que falta faz.

Vem outro lampejo. Brasileiro viaja para Europa ou Estados Unidos e volta importante e deslumbrado, quase sempre não com museus, praças, castelos e monumentos, mas com a organização, limpeza das ruas, com os trens e ônibus pontuais. Não se vê um papelzinho nas ruas! Contam orgulhosos, como se de lá fossem. Aqui, participo de algumas corridas de rua ou simplesmente passeio pelos parques. Muitas vezes aquele que joga aqui é o que elogia o primeiro mundo. Explique-me tamanho desconchavo.

No fundo, acredito que se mais crianças fossem embaladas cobertas de “inhos” e “inhas” talvez vivêssemos em um mundo onde as mentes não seriam tão inhas e valores menos mesquinhos. Se assim fosse, milhões de joaninhas povoariam como anjos deste tamaninho, nosso entorno, nossas vidas, nossos sonhos e o mundo respiraria saudável, bem devagarzinho, calmo, sereno, zen.


William H Stutz

Diário de Uberlândia em 19/01/2020

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