segunda-feira, abril 13

Contadora de histórias




Para Clara Clarice Villac

Ela chegava mansa puxando sua longa e esguia sombra como quem nada queria. Sentava no banco mais sombreado da praça, um imponente ipê ou flamboaiã carregado de flor. Este último sempre em fogo como a mandar sinais para sua longe terra nativa, a grande e misteriosa ilha de Madagascar com sua variedade única de plantas e bichos, será que aquela da praça sonhava com imensos morcegos, verdadeiras raposas voadoras. Teria ela em seu cerne lembranças de graciosos/curiosos bandos de delicados lêmures a lhe acarinharem galhos e flores. Como sonharão as árvores?

Estas duas decoravam palco improvisado da magra e airosa moça. Não trazia caderno ou livro, apenas vestido de chita, blusa rendada, chapéu de palha de uma simplicidade elegante como a das princesas de suas histórias. Passarinhos, como em cena de filme de Walt Disney pousavam no mesmo banco sem medos, nunca em sua mão e não cantavam com olhos pidões como nos desenhos, apenas sentavam esparramados, aproveitando uma nesguinha de sol fujão da sombra densa fresquinha. Sua voz eram várias. Criança emburrada a velhinha coando café. De grito de araponga, rugir de onça, a sussurrar de vento. Virava onda esparramando espuma nas praias, virava trovão e tempestade.

Hora meiga como bica d’água de quintal, hora furiosa e grave como dragão adormecido em seu pior pesadelo. Passava como ninguém o som, a cor e o gosto dos escritos que não carecia ler – estavam todos em sua memória onde cabiam mais histórias do que as contadas nos papiros da Biblioteca Imperial de Constantinopla somados ao acervo da suntuosa biblioteca de Alexandria, transformados em cinzas cujo conteúdo parecia a pequena mulher ter aspirado cada partícula na tentativa de preservação de cada dito antes de espalharem-se em fuligem.

Não demorava muito, crianças, velhos, passantes cães errantes, gatos resmungões à sua volta reuniam. Como que paralisados, entravam em transe ao som do contar de cada história. Bebês, aos poucos, iam relutantes fechando olhos, caindo em profundo sono. Homens carrancudos, mulheres nervosas se aquietavam em calma de cordilheira branca em neve. Gatos se aninhavam nas costas de enormes cães. A criançada esquecia a bola, o peão, as brilhantes bolas de gude. O som de ensandecido trânsito desaparecia em mágica.

O tempo parava. Vivia-se ali a eternidade congelada. Assim como chegava, ia embora. Todos que ali estavam a seu redor não notavam a partida calma da contadora de histórias, o dom de tamanha assim permitia. Levava-se algum tempo para que todos voltassem ao planeta Terra, as pequenas crianças eram as que primeiro notavam e retomavam a cantoria de choros pirracentos, cães rugiam com o atrevimento dos gatos e os espalhavam árvores afora, as buzinas voltavam a disparar irritadas. O mundo acordava em pândega pouco festiva.

Mas um sentimento inexplicável ficava em todos, gentes e bichos – algo de muito bom tinha acontecido, como sonho esquecido, o gosto de fruta doce ficava na boca e na alma. E nossa mágica contadora de histórias ia mansa buscar outras praças. Entrechos novos sempre pairam ao seu redor, e ela, sorrindo sabia costurar mansinho uns aos outros na criação de alegria.







Publicado Jornal Correio em 12 de abril de 2015







domingo, abril 5

Na mosca





Tem coisa mais desagradável do que entrar em banheiro público e encontrá-lo sem as mínimas condições de uso? Estou sendo educado, pois, quando digo sem condições, me refiro à sujeira mesmo. Não apenas sujeira de pés, botinas ou sapatos carreando lama ladrilhos adentro. Refiro-me exatamente àquela sujeira que você está pensando. Em viagens a trabalho ou passeio, já me deparei com cenas que nem me atrevo a descrever. E não é só banheiro de boteco ou parada de ônibus não. Tente um em praça pública Brasil afora.

Se na hora do aperto você não estiver no sul, meu amigo, em particular em Gramado onde banheiros públicos parecem mais salas de espera de consultórios médicos limpíssimos, aconselho a travar e esperar chegar a um local seguro. Aliás, esse termo banheiro me intriga. Banheiro tem que ter chuveiro. Aqui, a maioria só tem vasos e assessórios para outros usos que não um refrescar. “Water Closet” ou WC seriam mais indicados. Usando a palavra certa em inglês para banheiro, seria “Bathroom”.

Os turcos tiveram uma ideia genial, contudo, preciso pesquisar mais para ter certeza disso, pois conhecendo banheiros turcos, fico na dúvida. Pintaram uma mosca no esmalte dos vasos de mijadores. Descobriram que os homem são levados por impulso irresistível a urinar em cima de insetos mortos ou alvos determinados. Até o fato de a maioria dos homens serem destros pesou na hora de decidir onde colocar a mosca. A obra de arte antirrespingos fica sempre mais à esquerda. Coisa séria, fruto de estudos profundos de psicólogos, engenheiros, arquitetos e antropólogos, além, certamente, de donos de bares e restaurantes. Depois da mosca o grau de acerto do xixi dentro do vaso subiu noventa por cento. Os das bexigas cheias passaram a mirar nela inconscientemente. Sucesso e higiene.

A César o que é de César: conta o blog “Banheiro”: “Mictórios da Inglaterra Vitoriana já apresentavam ícones de moscas, abelhas ou mesmo alvos. Também se ouvia falar de cientistas alemães desenvolvendo uma fita que muda de cor ao contato com a urina, oferecendo aos homens algo que o ícone da mosca não pode oferecer: feedback.” Sem respingos, resultado: bordas de vasos e chão mais secos e limpos.

Um grande shopping da cidade utilizou estratégia interessante. Não sei se proposital, mas a observação me levou a crer que funciona. Em um banheiro masculino, bem à frente dos mictórios, foram colocadas em vitrine fotos e manequins de belas mulheres, cujo ângulo destas faz parecer que estão olhando o pessoal na hora do xixi. Parece que os marmanjos, intimidados, acertam mais dentro do que fora. Pena, semana atrás ao participar de corrida de rua que de lá saia, quase todo corredor tem por mania um xixizinho antes da prova, observei que a tática não funcionou, sujeira geral, nem as moças de plástico marfim acanharam os caras.

Outro grande problema agora a resolver, refere-se tanto aos banheiros femininos quanto masculinos. Como fazer que todos, ao utilizarem um WC, lavem as mãos e acertem os papéis nos cestos. Treinos com a turma do Novo basquete Brasil ou NBB? Aliás, ridícula sigla. De novo nada tem a não ser tentar mais uma vez imitar gringo e sua poderosa NBA, bem que o pessoal daqui poderia ser mais criativo










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