sexta-feira, fevereiro 26

Sexta Louca

 

Beleza. Seis e meia da manhã me levanto com ideia pronta, história montada em sonho. Parece que via o contar concluído. Sabe que horas são agora exatamente? Te conto. São 13:34 e só saíram 26 palavras. Para ser mais exato foram 27 palavras ou melhor ainda, cento e cinquenta e cinco caracteres com espaço, pois aqui cada toque conta e com razão imagina o trabalhão que dá editar uma página de jornal! Contudo, a história ainda estava bem viva na ideia, mas por pouco tempo. Culpa de quem? Da tecnologia que tanto prezo. No tempo que se seguiu, a cada segundo sofrido que passava como por encanto, entendi com clareza absoluta a definição mais preciosa da diferença entre hardware e software.: Software é aquele que você xinga e hardware é aquele que você chuta”. Juro que me deu vontade de fazer os dois. Explico.

Pique total, ligo o notebook... Isso mesmo. Três pontinhos de espera, espera e espera. Resmungo, me ajeito na cadeira, tamborilo os dedos tentando manter a calma e fixando o pensamento já meio distorcido do original. Demora mil, sai o primeiro xingamento baixinho e pouco ofensivo. Mas que merda é essa?! Perdi o controle. Vem a mensagem na tela como resposta. Algo assim: “não foi possível concluir as atualizações desfazendo alterações que não foram feitas” Maledeto! Resmungo arrepiado. Princesa, até então em profundo sono, me olha sem levantar a cabeça, balança as orelhas. Penso que ela me disse sem falar: Calma...

Calma coisa nenhuma. A história já havia se desfeito em mil pedaços, letras espalhadas por todo canto da mesa e de minha cabeça. Poeta Vinicius, eu também pergunto: “Se foi pra desfazer por que é que fez?” Não tenho violão, meu Neruda (Confesso que vivi) foi “emprestado” e não voltou. Certo. Acha que acabou meu martírio cibernético? Pois vai pensando. Pelo celular busco ajuda no site da... não vou me dignar a falar o nome Microsoft e Windows aqui. Bom, aí começa a parte dois da manhã, que me vai escapando. Mandaram que eu apertasse a tecla Shift e o F8 ao mesmo tempo e, com outro dedo, pressionasse o botão “Ligar”, segurando-os até reiniciar. Já repararam que a tal shift é a única que não tem o nome escrito nela? Só pode ser proposital. Meu palmo não pega uma oitava no teclado de um piano, então dá para imaginar a ginástica que tenho que fazer para apertar tanta coisa ao mesmo tempo. Penso comigo, ali parado em posição mais louca do que as do kama sutra, se mandar apertar outra coisa juro que perco a Brahma e parto pra briga. Questão de honra. Repito a ação contorcionista três vezes, por ordem do site. Sabe o que resolveu? Nada!!!!

Irritado pego de canto de olho uma informação que tinha passado batida, tipo assim: Se nada disso resolver tente restaurar o trem todo de uma vez. Sigo excessivamente dócil para meu gosto as instruções. Após alguns malabarismos, teclas e acesso a locais que nunca nem pensava em entrar, cheguei lá. Agora pode restaurar, me avisa a máquina. Porém, também já me dá um alerta (acho que sacou que estava prestes atirá-la pela janela): “Olha, esse processo pode demorar um pouco...” Um pouco deles? Sei como é. Vamos nessa. Na tela mil palavras e um 1% seguido de três pontinhos...

Bom, saio da sala, tomo meu banho, nem mais tão matinal assim e desço. Marilinha já tinha feito café há muito tempo. Ao me ver escrever cortou volta, pois me conhecendo sabe que sou de zero prosa nessas horas. Nem “tchau vou treinar” me deu e nem me chamou para acompanhá-la. Sábia! A única que me atura nessas horas é Princesa. Em seu profundo sono de bicho noctívago, o mundo que se acabe em sonhos felinos, deve pensar.

Café tomado subo a tela, que me mostra 5%... Em suspiro profundo e já sem história para contar resolvo cuidar da vida, com reclusão imposta por fase vermelha e nada de vacina chegar pouco me resta na clausura. Cuidar das plantas, fazer mudas de ora-pró-nobis com galhos da vizinha, pensar o almoço. Subo a ver tela, nisso já se foram horas e olha que minha internet é veloz, embora eu não acredite que receba todos os mega que contratei. Penso que muitos devem se perder ao longo do caminho das fibras óticas, mas bem míopes. Sei lá, não posso afirmar. Além do que, esses medidores de velocidade aos quais temos acesso não são lá confiáveis. Primeiro sorriso do dia. A mensagem me conta que o computador logo vai reiniciar. Alvíssaras, no árabe al-buxra!

Agora me sento e espero. Gira, gira e gira. Consome mais meia hora ou quem sabe mais um pouco. Tela principal se abre bela e iluminada, entrelaço dedos, abro palmas das mãos aberta para estalar todos os ossos possíveis da mão e tirar a sensação das posições quase eróticas que o teclado me forçou.

O dia não era para dar certo. Uma vez aberta a tal, uma janela surge como a nave USS Enterprise brotando do espaço profundo: Não foi possível restaurar o Windows e em seguida: Desfazendo as ações. Não, o espaço não é a fronteira final, a fronteira final é minha santa paciência! Desliguei tudo na bruta. Fechei tudo. Busquei minha velha máquina de escrever Remington modelo Holiday, presente de mãe. Tirei o pó e agora peço licença, pois vou ver se encontro fita para ela no Amazon Shopping. O mais difícil será achar um mecanógrafo para colocá-la macia para trabalhar novamente com a vantagem de já imprimir enquanto se digita. Tecnologia é muito bom, mas... Ah e clamo a público “devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu” Viva Chico!

William H. Stutz
Veterinário e escritor 

Publicado em Diário de Uberlândia em  26 de fevereiro de 2021

sexta-feira, fevereiro 19

Reminiscências - Praça

 


E lá se vai um carnaval que não houve. Amanheço em quarta de cinzas e, como quase todo mundo exceto os desmiolados e se sem noção que insistiram em festas clandestinas e aglomerações. Acordo sem o menor sinal de confete ou serpentina. Nem uma marchinha me fez lembrar do reinado de Momo. Fico feliz por ter cumprido minha parte no meu trato com a saúde coletivo. Mas, acordo cansado. Não saímos como todo ano em nossa “Bandalheira” de Ouro Preto, ficamos quietinhos aqui. Ao longe, lá dentro do meu pensar uma musiquinha de tantos carnavais: 

“Esse ano vou sai de Buda.../ Vai ser Buda pra lá / vai ser buda pra lá / Pra minha buda tomo mundo vai olhar/ A minha buda veio lá do oriente por isso é uma buda diferente (...)"

 Engraçado, a passagem nem era para virar escrita, mas uma foto, na verdade várias em uma rede social plantou o pensar dentro de mim e, por bem, acho melhor compartilhar. Assim são as histórias. se você é do tipo que olha o entorno com olhos de bicho ou de atirador sabe do que estou falando. Tudo quanto há vira narrativa, vira conversa vira assunto.

Não gosto de descrever o horror, o feio lado da alma humana ou das coisas, das pedras, dos bichos, das árvores.

Desvio olhar de acidente acontecido, as gentes se aglomeram para apreciar o trágico, corto volta. Se acontece na hora paro ajudar, mas não procuro horrores, me apego a amores.

Assim seguindo para resolver assunto passo pela praça e me dou mais uma vez com o espetáculo do belo vestir da linda da praça. Todo ano assim se faz, primeiro se desnuda em sensual cair de vestes folhas. Nua se deixa ficar. Poucas a olham. mas de salto em pleno romper de manhã esplendorosa de um finzinho de junho ainda cheirando a pólvora dos foguetes dedicadas aos santos, eis que em pudor adolescente se veste em traje de gala. De folhas, agora flores em profusão estonteante amanhece linda em lilás vivo. Se nua atenção não chamava, agora, raro aquele que não lhe dirige um olhar mesmo ligeiro. Por alguns segundos ou fração esquece problemas, desgostos, rotina, planos. Por mais breve que seja, aquele simples olhar leva a lugares ocultos dentro de cada um. Cheiro de mato, colo de mãe, beijo de filho, abraço de amigo, ranger de porteira, latido do primeiro cão da infância. A namorada que ficou escondida no passado, talvez a o primeiro toque 

em seio de mulher. Mesmo o mais distraído mesmo sem querer, sem sentir/perceber se projeta longe, até que a buzina do carro de trás o faz movimento. Automático, o olhar da bela da praça para o retrovisor, não viu direito nem um nem outro. Mas ela deixou um gosto doce na alma, imperceptível mas deixou. Todos chegarão em casa mais leves como se anjo lhe cantasse aos ouvidos suave perfume.

Ligeira, tempo curto. Aos poucos, com sensualidade, gestos milimetricamente calculados, se despe serena. Olhos desejosos observam suas vestes a cobrir chão agora transformado em deleitoso tapete. O erguer da vista é sem querer, nascem sorrisos e suspiros. Ligeira, tempo curto logo amanhece plenamente nua. Devagar, botões a lhe fazer cócegas vão muito lentamente cobrindo seu corpo, galho a galho, não há mais plateia.

Morosa, já naquele instante inicia ensaio

para sua apresentação em outro finzinho de junho, ar cheirando a pólvora de foguetes que tanto céu seco iluminaram em louvor a santos, e são tantos os santos.