quinta-feira, junho 29

Longa estrada



Contam as más línguas, e aqui só repasso pois nem sei se verdade é, estranha história ocorrida em meados do século passado.
Com o intuito de diminuir o isolamento em que se encontrava a cidade de Manaus, governador do estado e prefeito municipal resolveram deixar as querelas políticas de lado e unirem forças na construção de um estrada internacional que ligaria a capital do Amazonas ao mar do Caribe.

O traçado já estava feito, pelo menos na cabeça dos políticos. Saindo da capital seguiria direto para Novo Airão, de lá em reta linha cortaria mata fechada rumo a São Miguel do Rio Negro e de onde embicaria para Tupuruquara, depois São Miguel da Cachoeira e por fim chegaria em Cucui já na divisa com a Venezuela.

Acreditavam aqueles senhores que, uma vez cumprido o trecho em pátrio território as autoridades diplomáticas federais, confortavelmente instaladas em Brasília se incumbiriam dos trâmites legais para prosseguimento da empreitada através do país vizinho até o desemboque da rodovia nas cálidas praias caribenhas.

Idéia e "projeto" feitos, correr a contratar engenheiro e peões para início das obras.

Depois de muitos editais convocatórios publicados em jornais de todo Brasil, apenas um pretendente ao serviço apareceu. Era um jovem engenheiro paulista, recém formado em conceituada universidade, possuidor pois de boa formação além de ser de primorosa estirpe.

Apesar da má impressão inicial quando da entrevista com o oficial de ordens do governador, foi aceito por ser, como já dito, candidato único.

Mãos à obra e toca a abrir a sonhada estrada.
Já no primeiro quilômetro eis que encontram exatamente bem no traçado do mapa um gigantesco e centenário Mogno, majestoso, com sua copa tomada por pássaros e ninhos. Sensível às belezas naturais o jovem engenheiro de pronto decidiu por um pequeno desvio de forma a poupar aquela jóia da criação.

Pouco mais adiante lindo e cristalino córrego, em suas margens revoadas de borboletas multicoloridas, samambaias e orquídeas de rara beleza enfeitavam todo seu entorno. Com os olhos marejados de emoção diante de tanta beleza o engenheiro se recusa terminantemente a aterrar o local para construção da primeira ponte — obra de arte como chamada em linguagem técnica — pois sim obra de arte de verdade era aquela que à sua frente despontava. Novo desvio.

E assim as belezas de nossas verdes matas, de nossa exótica e deslumbrante riqueza natural, iam se sucedendo quase que metro a metro e a cada espetáculo, aos olhos do jovem construtor de caminhos, cada vez mais lembravam as antigas expedições de pesquisa como a do zoólogo da Academia Real de Ciências da Alemanha, Johann B. von Spix ou do também gringo alemão o botânico Karl Friedrich, pura e imensa emoção, sempre aperto na garganta, sempre novo desvio.

Não demorou muito, minto,demorou bastante, meses de incansável trabalho, de desvio em desvio, contorno em contorno, não deu outra — a estrada aberta na mata a duras penas e muitas malárias retornou a Manaus.
E assim, contam, esta maravilha da engenharia passou a ser conhecida para desencanto e fúria política como a famosa estrada Manaus-Manaus.

Quanto ao destino do jovem e virtuoso engenheiro, essa já é outra história, mas a boca miúda, desconfiados sussurram os poucos que dele ainda lembram:
— Dizem que virou Caipora.
E desconversam ligeiros.


William H. Stutz / junho 2006
( a bela imagem foi presente da amiga Clara Clarice Villac)



No jornal Correio AQUI

quarta-feira, junho 21

Tocaia


Ansiedade assumida, suor a escorrer pela testa.
Arapuca armada – quirela amarelinha como a encantar e colorir a festa.
Por de trás da moita nas mãos a linha grossa, já suja e remendada – o gatilho da espreita, da tocaia.
Horas a fio vendo a bela trocal a pastar perto, rodeia/arrulha mineira, desconfiada.

Um sem ciscar de busca pelo milho na sombra, vem devagar, observa. Aos poucos perde o medo, a mão do barbante se retesa, joelho raspa a terra molhada, está quase de pé. Só mais um pouco, paciência. O suor agora embaralha a vista, em cachoeira passa pela sobrancelha e corre solto por sobre os olhos. Coração bate na garganta, é hora.

Arapuca-algoz pronta, quase treme, cordão teso.
Pomba passa rente, esbarra na taboca que estala, um súbito parar, bico para o alto olhos aflitos como a procurar.

Um leve bater de asas sem voar, procura, pressente.
Moleque fica pálido sente arrepio e dor de posição. Já não agüenta segurar a própria mão, geme, arfa baixinho. A correia da sandália de plástico parece querer cortar seu pé que já formiga adormecido.

A trocal ainda parada olha de soslaio a quirela na sombra da arapuca. Determinada com seu jogar de cabeça avança, estica o pescoço para dentro, assunta.

Futrica chega esbaforida e em espalhafatosa busca acha o dono, pula/late/lambe, irresponsável, é só o tempo de um olhar por sobre a planta para ver a trocal em assobiado vôo se ir barulhenta.

Menino e cão rolam pelo chão, raiva passa rápida, aos risos brinca de outra coisa.
Criança é assim por natureza – feliz.



William H Stutz/ junho 2006

(Imagem acima: "Meninos brincando com arapuca - Candido Portinari)

No Jornal Correio AQUI

segunda-feira, junho 12

Melancolia





Lua cheia ontem nasceu amarelo ouro, beleza tensa - imensa - suaviza noite adentro.
Solos inflamados de violino em fogo traçam seu musical e celeste caminho seguro.

Torna-se clara, mansa, flutua entre estrelas jóias. Sempre só – solitária nobreza. Pausa breve, descansa.

Lenta busca a proteção do horizonte, melancólica se deita – se faz tarde.

Nascerá minguante sedenta agonizante brilho a enfraquecer até se tornar nova
bancos de pedra, úmidas tatuagens a combinar com a trilha escura,

outra vez cumprindo sina, se torna crescente como a ter pressa se transforma rapidamente melancólica de tão cheia,
Reluzente ciclo - aplausos - eternamente.

William H. Stutz
Junho/2006

Força da amiga

Canto dos pássaros
brisa calma, mar perfeito
lindas luas, noites frias
Lareira acesa - vinho a aquecer.
Sem amigos - qual a graça - nada disso poderia acontecer.

William H. Stutz
junho junino de 2006 para uma amiga