"Se for falar mal de mim me chame, sei coisas horríveis a meu respeito" (Clarice Lispector)
quarta-feira, junho 21
Tocaia
Ansiedade assumida, suor a escorrer pela testa.
Arapuca armada – quirela amarelinha como a encantar e colorir a festa.
Por de trás da moita nas mãos a linha grossa, já suja e remendada – o gatilho da espreita, da tocaia.
Horas a fio vendo a bela trocal a pastar perto, rodeia/arrulha mineira, desconfiada.
Um sem ciscar de busca pelo milho na sombra, vem devagar, observa. Aos poucos perde o medo, a mão do barbante se retesa, joelho raspa a terra molhada, está quase de pé. Só mais um pouco, paciência. O suor agora embaralha a vista, em cachoeira passa pela sobrancelha e corre solto por sobre os olhos. Coração bate na garganta, é hora.
Arapuca-algoz pronta, quase treme, cordão teso.
Pomba passa rente, esbarra na taboca que estala, um súbito parar, bico para o alto olhos aflitos como a procurar.
Um leve bater de asas sem voar, procura, pressente.
Moleque fica pálido sente arrepio e dor de posição. Já não agüenta segurar a própria mão, geme, arfa baixinho. A correia da sandália de plástico parece querer cortar seu pé que já formiga adormecido.
A trocal ainda parada olha de soslaio a quirela na sombra da arapuca. Determinada com seu jogar de cabeça avança, estica o pescoço para dentro, assunta.
Futrica chega esbaforida e em espalhafatosa busca acha o dono, pula/late/lambe, irresponsável, é só o tempo de um olhar por sobre a planta para ver a trocal em assobiado vôo se ir barulhenta.
Menino e cão rolam pelo chão, raiva passa rápida, aos risos brinca de outra coisa.
Criança é assim por natureza – feliz.
William H Stutz/ junho 2006
(Imagem acima: "Meninos brincando com arapuca - Candido Portinari)
No Jornal Correio AQUI
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