quarta-feira, dezembro 11

Mudar ou mudar?





“ (…) A praça! A praça é do povo/Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade/Cria águias em seu calor.
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça/Só tem a rua de seu...
Ninguém vos rouba os castelos/
Tendes palácios tão belos...Deixai a terra ao Anteu.(…)”

O Povo ao Poder (trecho) - Castro Alves

Enquanto a minha máquina pré-histórica, mas eficiente, bate a roupa com todos seus pulos e rangeres, me passou algo doido pela cabeça, que faço questão de compartilhar com você. Tenho pela certeza de que não deverei receber muitos “Likes” por isso, mas talvez uma chuva de “Unlikes” de todos os lados, tanto da direita. Estes unlikes serão muito bem-vindos e me servem como elogio vindos da tresloucada direita. Quanto aos da esquerda nervosa que não me conhece, quais também agradeço mas sugiro uma reflexão histórica. “Livre pensar” é só pensar já dizia Millor. Você vai entender, espero.

Quando cheguei a Uberlândia, há muito tempo, os nomes das ruas e praças eram referência para um jovem forasteiro vindo da capital planejada, onde só pelo nome se identificava facilmente o bairro ou região.

Levei tempos, sou devagar para certas coisas, para saber com precisão qual era a Afonso Pena e qual era a Floriano. Isso sem contar que era só mudar prefeito e as mãos das ruas eram invertidas, provocando confusão em minha cabeça. E quer saber? Até hoje faço confusão com os novos nomes das avenidas dos Andradas e Goiânia.

Não senhor, não senhora, não sou do tempo em que um lado da Getúlio Vargas se chamava Rio de Janeiro.

Isso dito vem meu espanto quando nossa esquerda adolescente, pueril, não de idade, mas de atitudes, coisas de tempos de DCEs da vida, quer, porque quer, mudar o nome da principal praça de Uberlândia na força. Contudo, não mostra nenhuma indignação se levarmos em conta o que o caudilho Getúlio Vargas fez, entre outras coisas, com a mulher de Prestes, Olga Benário a revolucionária, que lutava para ver o fim das desigualdades e das injustiças sociais, entregando-a de bandeja, grávida, à Gestapo. Nas mãos dos nazistas foi enviada para o campo de concentração de Bernburg, Alemanha, onde foi executada na câmara de gás, (ebiografia.com/olga_benario). Um exemplo de nome de logradouro público apenas. Porém, isso é passado. Deixa pra lá, devem alguns pensar. Talvez nem no holocausto devam acreditar. E se dizem de esquerda!

Tente perguntar por nome de rua no Bairro Santa Mônica. A resposta é quase sempre a mesma: Hummm, sabe o número da rua?

Nada imposto presta.

Agora, sem consulta popular sem plebiscito esclarecedor, assim na maior, mudam, para eles apenas, o nome de uma praça.

Quer trocar o nome de praça, rua, beco, travessa, pinguela ou seja lá o que for, se eu concordar ou a maioria da população assim quiser eu topo e assino embaixo. Porém, vamos primeiro eleger vereadores prontos, comprometidos com causas assim. Se bem que mudar nome de rua é uma especialização legislativa. DEMOCRATICAMENTE! E não apenas para atender a vaidade de uns poucos. Mudança na bruta? Sem apoio popular? Nem esquerda, nem direita! Tô fora!

Certa feita queriam fechar na calada da noite a rua em que eu morava. Criar uma rua particular. Depois de muita discussão entre moradores, votou-se. Fui voto vencido, mas avisei que TODOS deveriam estar presentes no dia e na manhã seguinte quando chegassem a polícia, a fiscalização municipal e imprensa. Avisei também que o pai da ideia não poderia sair sorrateiramente, daria as entrevistas e assinaria as notificações por empachamento de via pública, respondendo juridicamente pelo fato.

Idealizadores de pronto desistiram. Esopo* outra vez na minha cabeça, nitidamente veio a fábula Assembleia dos Ratos. Colocar o sino no pescoço do gato ninguém quer. Dar ideias e pular fora é fácil.

Repito, PÚBLICA. Do povo e não de meia dúzia. Respeito até a boa intenção, mas só isso não basta. Se resolvermos viver em comunidade, há regras. Simples assim.

Mas se por nada, nem ninguém, o respeito democrático não prevalecer e a mudança for a fórceps, deixo um pedido. Aproveitem e troquem o nome de minha rua para Rua do Glorioso Clube Atlético Mineiro Galo Forte Vingador. Podem manter o CEP.

Opa, deixa eu correr que a furiosa máquina se calou. Seu ciclo está completo e tenho que aproveitar uma nesga de sol em belos tempos chuvosos.

Nem tanto ao céu nem tanto ao mar meus queridos e queridas. Menos gente, menos! E que venham as pedradas. Brincando com (não) palavras de Riobaldo Tatarana, de Guimarães Rosa: Pensar é muito perigoso ou dói demais.

Diário de Uberlândia  em 08/12/2019

Descartes



Não meus amigos e amigas, não me refiro ao “fundador da filosofia moderna e da matemática moderna", René Descartes. Não me atreveria. Confesso que adorei sua obra “Discurso do Método” e a recomendo. Vamos a minha tentativa de descartes.

Já tentou descartar uma lâmpada fluorescente, uma pilha, uma bateria de celular ou seja lá que resíduo eletrônico for? Claro que já. Quem em pleno século XXI não teve algum dia que fazer isso? Bom, aí meu amigo, minha amiga, começa o seu e o meu calvário. Onde descartar corretamente? A primeira ideia que lhe vem à cabeça, caso pense com o mínimo de consciência é: vou a um ecoponto da Prefeitura. Correto? Não! Errado! Perda de tempo. Chego lá e sou comunicado de que não podem mais receber esse tipo de material, pois a lei proíbe.

Beleza, vamos à lei estadual:

Altera a Lei nº 13.766, de 30 de novembro de 2000, que dispõe sobre a política estadual de apoio e incentivo à coleta seletiva de lixo, e dá outras providências. [1]
(Publicação - Diário do Executivo - "Minas Gerais" - 16/01/2003)

Nota do autor, ou seja, eu: Atenção gente o ano da lei original é de 2000. Virada de século, ano do bug do milênio, ano em que Barrichello ganhou sua primeira corrida (juro não é gozação) e nosso tênis, com Guga, reinava no ranking mundial.

“O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - O artigo 4º da Lei nº 13.766, de 30 de novembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 4º - Compete ao Conselho Estadual de Política Ambiental - COPAM - estabelecer normas para recolhimento, reutilização, reciclagem, tratamento ou dispositivo final ambientalmente adequada de resíduo sólido que, por sua composição físico-química (…) blá, blá, blá…

§ 1º - Incluem-se entre os resíduos sólidos a que se refere o “caput” deste artigo disquete de computador, lâmpada fluorescente, pilha e bateria. (…)”

Que maravilha, problema resolvido. Você que acha. Ligo no Serviço de Informação Municipal, que mata no peito, põe no terreno e em longo lançamento faz um passe magistral para o Serviço Municipal de Limpeza Urbana. Aí um consulta o outro, a troca de passes bem perto da área, mas não finaliza. Recebo outro toque no meio de campo e me passam para a Supram.

Descolo o telefone de lá. Ouço a mensagem “Terminal interrompido temporariamente”, depois de várias tentativas. Lá vou para o Ligue Minas, cujo número é 155. Começa a ladainha de sempre. Para isso disque um, para aquilo disque dois e assim foi até chegar ao sete, referente ao meio ambiente. Para continuar o atendimento sou obrigado a digitar meu CPF. Sou bem mandado, faço. A primeira opção “ambiental” – e algo assim: Para denúncia anônima disque sei lá que número! Pô, anônima?! Os caras já têm meu CPF! O que mais querem? Meu tipo sanguíneo, saber o time que torço? O que mais? Finalizando, procurei vários estabelecimentos que comercializam estes produtos e que, teoricamente ou legalmente, deveriam receber o descarte. Explicaram-me que não era bem assim e que eles também não tinham como dar destino a tanta sobra tecnológica. Por um instante e já cansado de tentar resolver o problema do planeta terra no que se refere a resíduos tóxicos, quase joguei no lixo comum pensando que seriam separados na esteira. Foi quando descobri mais uma. Nosso aterro não tem mais esteira para separação do lixo que ali chega.

Cheguei à triste conclusão de que lei ambiental e estatuto de partido político têm muito em comum. Leia o programa de qualquer partido político no Brasil, seja de direita, esquerda, de centro, de cima ou debaixo. São lindos e maravilhosos. Se seguidos viveríamos ou iríamos ao éden. Mas o que vemos é que “na teoria a prática é outra” ou seria o contrário? Vai saber.

A tristeza vem ao imaginar que, por simples falta de opção ou por tanto dificultar a vida do cidadão, o desfazer de coisas nocivas é feito de qualquer jeito. Joga no lixo mesmo e pronto. Nem todos têm paciência e tempo para levar seu lixo tóxico para passear, buscando solução que deveria ser providenciada por quem pagamos, e muito, para tal: o serviço público.

Assim como temos que repensar soluções plausíveis que facilitem de verdade o exercer da nossa cidadania, devemos prestar mais atenção em estatutos de partidos que almejam poder. Desta forma, poderíamos cobrar com força de lei a obrigação de cada um. Não apenas votar porque o candidato é bonitinho, mente que nem sente, tem oratória fácil, te chamou um dia pelo nome (soprado por algum assessor) ou lhe deu um tapinha nas costas.

Se assim for, vamos carregar por quatro anos, ou mais, figuras tão tóxicas e tão nocivas quanto as pilhas, lâmpadas e baterias que carrego como castigo para baixo e para cima. Pensem bem. Depois não temos como nos livrar facilmente desse entulho humano. Seu voto vale ouro.

Enquanto isso, já sem raiva ou agonia, sigo levando minhas pilhas, lâmpadas e baterias para passear por mais tempo, sem saber o que fazer com elas. Vou acabar me afeiçoando e se algum dia me desfizer delas posso até sentir saudades ou escrever uma crônica, sem discurso, sem método.







Diário de Uberlândia em  01/12/2019

Jardins







Domingo quente. Novidade. Todos os dias da semana assim estão. A chuva vem em golfadas, chove aqui e ali adiante nem goteja.
Vindo das montanhas onde, quando despenca, a água toma a cidade, aqui no cerrado sempre me surpreendo toda vez que passo de uma área de chuva para outra seca. Na mesma rua às vezes. Pelo Whatzapp pipocam mensagens, com a senhorinha dançando a dizer “Aqui tá chovendo! Ai tá chovendo?

Não, aqui não choveu, penso. Nem uma gotinha trazida pelo vento ou asas de passarinho. Vejo água, feito rio, descer pelas ruas vindas sabe-se lá de onde. Aqui o sol castigando.

Lá nas serras e montanhas nuvens são aprisionadas nas pedras e se o céu fica embruscado geral, com água descendo para todo mundo. Obviamente me refiro a cidades menores, para um Belo Horizonte que, como serpente de concreto, avançou morro acima, engolindo aquelas situadas em seu entorno. Fica como aqui, chove norte, sol ao sul.

Aqui não. É vasto, amplo, o horizonte é reto – talvez um desmiolado terraplanista tenha desenvolvido a teoria da terra-pizza em algum ponto do cerrado. E olha só a manchete: “Segundo pesquisa do Datafolha, 11 milhões de brasileiros acreditam que a Terra é plana”. Fernão de Magalhães treme em seu descanso eterno com tanta babaquice. Olavo de Carvalho me poupe vá!

Se o Instituto de pesquisa avançar mais descobrirá que milhões acreditam em Papai Noel, outros tantos juram que coelho bota ovo de chocolate e outro grupo grande e sofrido acredita que os problemas do Brasil se resolvem com uma ditadura de direita ou de esquerda. Estes não são apenas desmiolados, são o retrato de uma cultura imbecilizada por propagandas massivas e Tweets infindáveis. Pense bem.

A beleza das terras altas como sempre encantam. Os espaços sem obstáculos deixam as nuvens livres, num vagar solto. Sisudas, as nuvens carregadas escolhem onde despejar carga. Tórrido domingo, resolvo visitar alguns jardins que pela vida fiz. Na primeira visita chego distraído próximo à primavera em desalinho, por falta de trato. Distraído e esquecido da época de choca dos pássaros pretos, fui recebido por um esquadrão negro a me dar rasantes e bicadas leves na cabeça.

Haviam se esquecido de mim tão ligeiro? Outro dia comiam em minha mão quirera farta. Hoje, ataques? Defesa das crias, isso sim. A memória dos agrados é apagada pela fúria protetora de mães e pais zelosos. Coloquei-me a conversar manso com eles e logo se acalmaram, pousando bem ao meu lado. A primavera, agora largada, se debruçava até o chão. Deu dó, pois já previa seu destino em poda. O Flamboyant Mirim estava em plena florada. Sorri. A pitagueira a pitangar, a amoreira amorando, deixando frutos pelo chão para alegria das cocares e das abelhas. Confesso que a pitangueira não plantei. Provavelmente algum morcego ou sabiá ali deitou semente, que vingou forte. A goiabeira salva, goiabando vigorosa, repleta de frutos cantos, encantos.

Outro grande jardim. Modificado, mas ali. Soprou lembrança de minhas mãos. O jambolão imponente com sua sombra maravilhosa, o grande ipê rosa, o esquálido ipê branco acuado em sombra. Vi florir uma vez. A mama-cadela, bela. Frutos com gosto de molecagem crescendo, crescendo. Abrigo de joões-de-barro. Lembranças. Sigo. O Jardim na sacada, que não plantei, mas vi de perto, sempre belo e bem cuidado.

Memória voou por outros jardins já desbotados, de perfumes indecifráveis e perdidos, com crisântemos, beijos multicoloridos e samambaias, muitas da adolescência. Orquídeas e espigado pé de Araçá, há muito sem sabor, quando muito amargo fel, já enterrada esquecida aleivosia.

“É sonho-segredo/Não é segredo/Araçá Azul fica sendo/O nome mais belo do medo/Com fé em Deus,/ Eu não vou morrer tão cedo/ Araçá Azul é brinquedo.” Assim cantou Caetano. Visitei outros tantos jardins. A maioria não existia mais. Abacateiros, bananeiras, árvores tantas. Hoje dão lugar a casas e prédios. O concreto enterrando aprazível verde.

Não me entrego. Ninguém deve desistir. Devemos sempre cultivar um jardim. Se não for possível em terra, que seja em nosso imaginário. Ali intocável prova de vandalismo do progresso ou de emoções se eternizará e poderemos colher sempre a fruta mais doce, a flor mais bela, sentindo o deleite da sombra mais fresca que a vida pode nos oferecer. Basta querer, basta cuidar. Somos todos jardineiros de nossos sonhos.





Jornal Diário de Uberlândia em 24 de outubro 2019