domingo, julho 13

Será que dou conta?





Meio de tarde cheirando à queimada. Não me acostumo nunca. Humanos vão queimar todo o mato roçado do mundo até explodir em tosse seca. Porém não é sobre fumaça que escrevo hoje.

Recebi telefonema que me fez tremer. Assim na lata, sem rodeios, convite para escrever no espaço em que mestre Clarimundo ficou por tantos anos. Na hora, me veio um lampejo: mal chegou lá no alto e já aprontou mais uma das suas. Sei que tem o dedo de Clarimundo nisso. Tenho plena convicção de que nada é por acaso. Vejamos: ele agrônomo, eu veterinário. Nós dois sempre falamos de observações do movimentar da vida.

Miramos onde poucos prestam atenção. Tenho aqui comigo que ele queria que o espaço ficasse com gente ligada a terra, às miudezas dos seres viventes que poucos olham. Passou uma empreitada sem nem pedir. Não sei se mereço ou se vou dar conta.

Nunca tal grandeza havia passado sequer em pensamento por minha cabeça. Escrevo por prazer e senso de liberdade. Escrevendo, ganho asas que, normalmente, não possuo. Só e, raramente, em sonhos, consigo alçar vôo alma humana adentro e visitar cantos que nunca foram abertos.

Clarimundo Campos é insubstituível. Jamais chegarei perto de seus escritos e de suas lições de vida. Peço, portanto, permissão por aqui estar. Se não agradar, me conte logo, pego minha tralha e sigo caminho. Contudo, se gostarem um pouquinho, saibam que tirarei leite de pedra para tentar ser boa companhia aos domingos.

Nunca escrevi com hora marcada e tem dia que travo. Vem o tal vazio de palavras. Quando isso acontece, encolho em canto mais longe de meu quintal e falo com formigas, corujas e gambás que teimam em morar na cidade. Muitas vezes, eles sopram uma história antiga ou algo que viram na cidade lá embaixo. Rabisco correndo para não esquecer.

Clarimundo de onde estiver me conte: por que eu? Tantos bons escritores bem perto. A responsabilidade de utilizar um espaço que foi, e continua sendo seu, por tantos anos, é grande. Prometo que vou tentar fazer de tudo para honrá-lo. Agora um pedido meu: quando tiver tempo me conte, daí, que escrevo daqui. Vamos tentar essa parceria em segredo. Desejem-me sorte. Não me vejam como intruso, sou apenas mais um contador de casos, um observador de gente, de bichos e do mundo.

Fecho meu primeiro dia com Manoel de Barros, pois tanto ele quanto o Sr. e Guimarães Rosa, ocupam espaço idêntico em meu pensar. “Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo.”








Jornal Correio de 13 de Julho de 2014 -  Página B8 - Revista




Será que dou conta?


3 comentários:

José Afonso Fonseca Valadares Vasconcelos disse...

Grande Billy!
Cabia você e cabia o Clarimundo no mesmo jornal. Como não os colocaram enquanto ele andava entre nós, você vai ficar sem ele no jornal! Mas saberemos curtir seus escritos e suas ideias (detesto sem o acento no "e"...)mesmo estando em planos diferentes. oas vindas a você. Boas leituras para nós.

william h stutz disse...

Obrigado pelo incentivo Zé Afonso. Mas será que dou conta? Grande abraço

Leda Maria Lopes Perez Maia disse...

Olá William, já sigo vc no face e no jornal. Gosto do seu estilo e desse seu modo simples e poético de ver a vida e tudo o rodeia.
Gostei da escolha e o Jornal "O correio" está de parabéns. Nós, os leitores, é que ganhamos.