Passam em bando num cantarejo sem fim. A força de suas asas é tamanha que criam vento, fazendo repicar meus sinos da felicidade, seguem em algazarra para árvore próxima.
Peitos estufados a cortejar namoro. Vêm filhotes por aí.
Primavera anunciada. Vão nascer com o chegar das primeiras chuvas.
Tudo em sincronia, nada fora do lugar, do tempo, da vida.
Minto, tem muita desordem mundo afora, no nosso entorno, dentro da gente. Em esforço de sobrevida fingimos nada ver, mesmo tanto olhando. Árvores são arrancadas por conta de um portão sem sentido. O lixo maquiado de luxo que nunca existiu.
Ah, mas em troca, você mata três e planta outro tanto. Pensou se justiça humana assim pendesse?
A seca castiga como de costume nesse inverno sem frio ou neve. E como de costume, por costume, ateia-se fogo por toda cidade. Um matinho seco, um roçado, arde em frieza, morte.
As corujas buraqueiras, do alto de postes de inanimado concreto, observam em agonia suas tocas serem devoradas, suas crias fadadas a horrível martírio. Pequenas Joanas d’Arc na morte, às avessas em vida. Aqui família empoleirada presencia sacrifício estúpido, sem soldados ingleses, sem canonizações póstumas.
A primavera se aproxima arrastada em poeira e cinza. Logo a chuva protetora trará vida, verde, cantos. As corujas terão outra chance. Escondidas de olhos humanos poderão ver filhotes voarem mudas em pios e bater de asas.
O bando de Pássaros Pretos, Canarinhos da Terra, Joões-de-barro em gritos, cantos e algazarra, pousam em nossa primavera. Fizemos ceva com quirera amarela/doce e farinha de pão. Tocamos o sino duas vezes, só duas vezes, eles vêm de longe buscar sustento. A cantoria encanta. Passamos horas a ver/ouvir. Nem goiaba deu. Árvore mutilada custa dar fruto outra vez.
A seca castigou forte este ano. Não secou apenas plantas e córregos, secou alma humana. Muitos que por perto circulam estão secos para um eterno sempre. Como deserto em suas entranhas nada mais vingará em vida e paz.
Nos conta Dante: ” […] cruzam rio pantanoso e cinzento rio Aqueronte, conduzidos por Caronte – o barqueiro dos mortos na mitologia grega. Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! […], anuncia, descendo o remo nos que hesitam em embarcar. Começa a descida pelos nove círculos infernais!”
Bicho homem! Apenas de ti tenho receio.
Busquemos nos encantos, que por vir estão, alento para nossas vidas. O Criador nos deu as costas ou apenas virou olhar? Talvez nem exista como o concebemos/acreditamos. Ainda há tempo. Rogai por nós.
Ordem e o que mesmo?
27 de setembro de 2017
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