sexta-feira, janeiro 19

Quem quer ser um milionário?





O título aí no alto e aao lado faz menção ao deslumbrante filme “Slumdog Millionaire”, do diretor Danny Boyle, laureado com dez indicações para o Oscar de 2009. Faturou oito. Em português o título ficou igual aos medíocres programas televisivos que prometem, mas ninguém leva a bolada prometida. Não posso reclamar, pois assim consegui o que considero mais difícil para meus pobres e humildes escritos: Título.

Deixemos, pois, em paz, a cinéfila, esporte que pratico solitário e sem aventurar em críticas e análises. Deixo missão para os especialistas.

Não sei se vem acontecendo com você, mas de um tempo para cá minha caixa de e-mail vem sendo bombardeada por mensagens, com promessas mirabolantes de como se tornar um milionário e sem participar das “gags” televisivas. Isso mesmo, e-mail, pasme, ainda uso este velho recurso. Não me deixei seduzir pelas mensagens instantâneas de Whatsapp, mensseger, Instagran e afins. Claro que uso todos, mas e-mail não saiu de moda. Tenho saudades até do idoso ICQ!

Recebo mensagens oferecendo fundos de renda fixa, mesmo com a inflação em baixa (será?), a taxa SELIC miúda, o INPC negativo, o PIB crescente (hummm) e PNB sendo maior do que esse último. Se entendo de economia? Absolutamente nada, mas de tanto receber tais propostas milagrosas pus atenção e pesquisa. Bitcoins, CDBs, IGP-M, CDIs e muitas outras siglas e expressões invadem meu cotidiano, meu vocabulário macro econômico está em alta. Então vende! Grita um. Compre na baixa, venda na alta.

Eu hein, Rosa!

Outro dia um email me conta que posso fazer meu primeiro milhão aplicando cem contos por mês  em “apenas” 30 anos. Cara, eu não tenho trinta anos para esperar como a história, na gamela sobram poucos pequis para roer, e, mesmo que tivesse, o que iria fazer com essa fortuna naquela altura de minha vida?

Gostei da Bitcoins. Não pelo investimento em si, pois não sei cuidar nem de finanças domésticas. Mas o nome impõe e me alegra saber que ela é sem ser. Não existe de verdade, não tem como juntar no porquinho de barro ou debaixo do colchão. A sonoridade do nome encanta por si só, fale baixinho e devagar BIT (respira) COIN. Pronto já me sinto milionário. Essa não tem banco te sugando, não tem gerente te vendendo sonhos, não tem nada. Ela não existe, mas é. Literalmente um “Bit”. Dizem que quem comprou um desses impulsos binários há três anos ficou muito rico. Muito legal.

Porém, o que eu queria entender é simples. Se esses caras que te enviam mensagens e, como disse, são muitas vendendo sonhos de riqueza fácil, têm a infalível fórmula mágica de alcançar o pote de ouro, deveriam então ser todos magnatas. Concorda? Então pra que ficar espalhando a notícia? Altruísmo, filantropia? No mundo mesquinho das finanças onde até coelho engole lobo? Aqui “procês” ó!

O mineirinho de cá, escaldado está até com coisinha pequena. Já perdeu amigo por emprestar merreca. O cara sumiu. Mal sabia ele que nem cobrar eu iria. Envolveu dinheiro fica o ditado: “Confia no amigo, mas amarra o camelo”. Sábia placa do saudoso Barari, lá na beira do mar capixaba onde guardo minhas mais belas e também as mais tristes lembranças.

Se você meu amigo estiver recebendo mensagens de fortuna fácil fique esperto. Amarre-se no mastro, pois o canto da sereia é suave e encantador, mas a realidade é outra bem diferente. Ulisses rei da ilha de Ítaca, em sua Odisséia que o diga.

Tem a história do moço que morreu e foi para o céu. Chegou lá uma onça de bravo. Quis audiência de pé de ouvido com Deus. Depois de muito esperar foi atendido. Afinal, Ele é super ocupado, mas já que o moço não queria despachar com santo nem anjo…

Já entrou esbravejando: – Pô Seo Deus, eu fiz tudo direitinho lá embaixo, segui à risca seus mandos, nunca pequei. Bom, desejei a mulher de um próximo hora ou outra, mas sempre confessei arrependimento. A única coisa que pedia era para ganhar na mega-sena, e olha que coisa, o Senhor nunca, nunquinha me atendeu. O peito arfava e tremia, com os olhos parecendo de maritaca de tão vermelhos.

Ele, sereno, coçou a longa barba branca e com candura respondeu. – Meu filho, sabe que recebi seus pedidos sim e até queria que você ganhasse, mas você nunca jogou! Aí não teve jeito!

Quer saber, vou ali fazer uma fezinha na mega-sena, pois vai que uma hora dá certo. Tá escutando Altíssimo?






Publicado em  Janeiro de 2018

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quinta-feira, janeiro 11

Bem-vindos

Então passou. Passou Natal, Virada do ano/ Reveillon. Pipocaram milhares de foguetes, em uma comemoração bárbara a matar milhares de pássaros do coração. Cães e gatos em pânico horror não sabiam para onde correr. Aqueles que têm sorte de ter dono presente ainda encontraram colo, proteção e aconchego. Os pobres que ficaram trancados em casa enquanto seus donos vestidos de branco, amarelo, ou calcinha vermelha, cada um com seu sonho, saiam em saltitante alegria brindar paz e prosperidade, devem ter se enfiado em algum canto a tremer de pânico. Cada um vivendo sua Alepo particular, corpo e mente em frangalhos. Em tormento, para onde irão seus pensamentos em tais horas?

Mas é ano novo, tudo pode. Não meus queridos, não quero que me tomem por um protetor fanático dos animais e inimigos dos homens. Apesar de manter minha máxima de gostar mais de bicho do que de gente, aprendi a conviver com ambos. Passou forte por minha mente o sofrimento dos enfermos em seus leitos de hospital, dos berçários repletos de recém-nascidos e dos acamados terminais em casa. O bebê que nunca dorme em cólica ou febre. O idoso, um homem, uma mulher, em solidão, olhos a lacrimejar, sobressalto a cada rojão, memória a vagar longe caçando lembranças que teimam em não ficar e companhia fazer. Consegue pintar o quadro?

Ah, esquece, é ano novo que avança madrugada adentro, eu quero mais é festar. Suar minhas frustrações/decepções. Quero mais é deitar fora a tristeza e pequenez de um ano sem muito o que comemorar, pois sim, o seu final merece regozijo e justificam o espocar de medo. Os animais? Ora são apenas os animais, descartáveis como as árvores que mutilamos, como os rios que poluímos, como as vozes que calamos, como ar que impregnamos com nossa grosseria e falta de respeito.

Não, não vivemos uma Paris em guerra. Nos faltam puras crianças como Paulette e Michel a roubar cruzes para o seu pequeno cemitério de animais. Não temos “Brinquedos proibidos”. “Não existe pecado do lado de baixo do equador”. Tudo é festa, apenas festa.

Acabou, passou, pronto. Restam as contagens de não sobreviventes e retrospectivas repetitivas chatas que mais parecem reprises. Mas qual, ” tudo como dantes no quartel d’Abrantes”.

Perai, acabou nada, tem carnaval logo ali, tem copa do mundo e mais foguetes e piseiro. Aí, quando menos se espera, pipocam as eleições, a “volta do cipó no lombo de quem mandou dar”. Assim esperamos.

Apesar dos pesares, das tristezas a cada foguete, dos terremotos humanos, Voltaire me fez Cândido, sigo Panglós, o otiminista.

“Tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. […] Tudo isso está muito bem dito, mas devemos cultivar nosso jardim.”

Bem-vindos a dois mil e dezoito.






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quinta-feira, janeiro 4

Cantada


Adoro rádio. Nada melhor para dormir do que um rádio à válvula, daqueles que custam a esquentar e ficam zumbido em estática o tempo todo. Ganhei um assim do grande amigo Júlio Penna. Este, sim, entende de rádio, tem dezenas. Fuça, busca peça, conserta, ajeita e os deixa prontos para quem gosta de viajar nas ondas longas, médias, curtas e frequência modulada. O presente apresentou um pequeno problema ao regular volume e ele o levou para arrumar.

Alguns preferem som remasterizado, livre de ruídos e outros atrapalhos. Particularmente, os tais atrapalhos é que me fascinam.

Ouvir uma Nina Simone em um ensaio em plena Nova York e, ao fundo, ouve-se o telefone tocar, carros buzinam lá fora. Quem ligou em pleno ensaio? Algum diretor de teatro da Broadway? Um restaurante na 150 West 57th Street? O Russian Tea Room, por exemplo, confirmando reservas? Ou simples nightclub onde ela poderia soltar a voz e beber em paz? E as buzinas, qual a marca dos carro? Um tradicional Ford preto? Um Oldsmobile imponente? E a causa de tanta aflição? Mulher em trabalho de parto, alguém ferido a bala por algum gangster? Ou simples impaciência com um trânsito já caótico da Grande Maçã nos distantes anos 30 do século passado?

Tudo isso e muito mais se pode criar com a cabeça no travesseiro, ouvindo rádios e suas estáticas. São viagens infinitas a cada mexida no seletor de estação.

Antes de ganhar joia rara de Júlio, comprei um rádio moderninho. Não queria aqueles que tocam CD, queria um rádio e pronto. Na pressa, levei para casa o bicho.

Para meu espanto, o danado só toca rádio FM, nem AM tem. Uma tristeza. Tive que me conter com o danado.
Achar estação do agrado à noite é que era complicado. Ou era rádio de igreja exaltando pecados e castigos aos quatro ventos ou era música sertaneja universitária – vai ser chato pra lá. Bom, vai ver que o chato eu sou. Nada de noticiários, nada de preamar, aviso aos navegantes, nada dito em voz suave de locutor tipo Eldorado de São Paulo – “Artes e entretenimento” seu lema. Saudades do “Varig é dona da noite” ou de “Um instrumento dentro da noite”, aqui não pega.

Resignado, me deixei levar, colocando atenção às letras das músicas e se conseguiria me soltar em pensamentos. Dou exemplo de duas estações, sem citar nomes para não magoar ninguém, que tocavam músicas com letras que poderiam parecer cantadas a uma linda mulher.
Uma de muito bom gosto tocava um gentil Caetano: “Fonte de mel/ Nos olhos de gueixa/ Kabuki, máscara/ Choque entre o azul/ E o cacho de acácias/ Luz das acácias/ Você é mãe do sol (…) Você é linda/ Mais que demais/ Você é linda sim/ Onda do mar do amor/ Que bateu em mim” e seguia.

Outra estação tocava algo assim: “É bonita/ Você sabe que é bonita/ Mas eu sei que é bandida (…) Você com essa cara de santa/ Mas a falsidade é tanta/ Só eu mesmo sei dizer (…)”

Não sabia se ria ou chorava. Me conte você, moça, mas com sinceridade, qual das duas cantadas você gostaria de receber?

Júlio, querido amigo, que falta está fazendo o velho e bom Vintage Crosley anos 50, culpa minha, eu enrolando para buscar. Ando preguiçoso.






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