Assustado procurei do outro lado da cama, claro não achei nada. Tinha
passado uma semana fora em viagem e o dormir em outra cama que não a
minha descontrolou a rotina do levantar. Troquei a perna direita pela
esquerda, o travesseiro escorregou pela falta de apoio. Dei uma guinada na
cama como se estivesse abaixando para fugir de um rabo-de- arraia.
Agarrei o celular a atender. Era da portaria. Um vizinho amigo ausente de
sua casa solicitando se poderia pegar uma encomenda para ele. Claro que
sim! Levantei-me de pronto, na afobação calcei apenas uma das velhas
havaianas e, de pijama, isso mesmo que ouviu ou leu, pijamas, durmo
assim, não consigo dormir pelado, me sinto nu, putz essa deveria ir para o
concurso dos trocadilhos infames capitaneadas por Maurício Wincler,
Flávio Pacheco, Edson Denisard e companhia - “a regra é clara” Não acho
que seria desclassssifiiiicadaaaaaa!
Levantei-me calçando apenas um pé das sandálias, olhos inchados de
sonhos e o cabelo parecendo uma macega em terreiro mal carpido. Ah, e
sem meus óculos displicentemente largados no criado mudo ou para ser
politicamente correto no móvel servidor com carteira assinada incapaz de
proferir palavra alguma (mundo ficando sem graça).
Desci a passos largos para buscar o solicitado.
O rapaz da entrega me olhou de cima para baixo com estranhamento. Cabreiro, estendeu o pacote com as pontas dos dedos, olhos fixos no pé sem sandália, sei lá se “isso” vai me avançar, deve ter pensado. Ia quase indo embora quando de estalo se voltou a perguntar – será que poderia me dar número de um documento seu se não for incomodar muito? Quase uma súplica? Ainda meio tonto de sono e confuso pela claridade e pouco enxergando sem as lentes salvadoras, misturei CPF com RG.
Ele, entregador, percebeu, mas acho que também
pensou – vou cutucar esse doido mais não... Estava ele preste a subir em
sua moto, falei eu: Pera aí! Ele gelou, percebi, pois tentava ligar a moto
mas confundia com o pedal de partida. Por debaixo do capacete senti que
ele empalideceu.
Olhou com olhos quase a saltar da órbita. Perai, repeti, tá errado! Acho que
ele pensou em largar até a CG 125 e sair na carreira... Não, tá tudo certo,
deixa eu ir embora por tudo que há de sagrado! Ele não disse isso, mas a
expressão corporal demostrada era como se tivesse dito. O número do RG
não é esse.
Ele quase chorou de alívio enquanto eu de cá ditava o número
correto (acho que ele não anotou).
Voltando, cruzei por moradores que pouco me relaciono. Me olharam com
estranheza, dispensei o bom dia. Aqui já tenho uma fama de ser meio
estranho, de ser o cara que conversa com bichos e plantas...
Outro trovão e a chuva recomeçou mais grossa. Não entrei, à porta de casa
me deixei ficar. A água lavou meu rosto, ajeitou meu cabelo e encharcou
uma alma feliz e lógico o pijama. Depois disso, só banho e café quente. O
dia mal começava. Abençoado dia! Que cheguem mil encomendas, se aqui
estiver com prazer recolho.