Acompanhando o andar da carruagem global nessas últimas semanas, passando pelas mazelas de um futebol mercenário suando para empatar com um laterninha, navegando pela hipócrita pirotecnia de uma paraolimpíada realizada em um país parademocrático e surreal, desembocamos em uma campanha política onde prevalece o eu-faço-e-aconteço-com-a-ajuda-daquele-outro, na tentativa de arrebatar o voto dos incautos. Ainda, com a pulga atrás da orelha, assistimos indigesta quebra de avantajadas instituições que, como joguinhos de criança fingindo inocência, porém mortais, abalam toda estrutura planetária como se o dinheiro fosse o único amálgama da existência, veio bem calhar a história contada por colega de trabalho.
Colega esse que muito admiro dada sua determinação e esforço. Rapaz de dois serviços para sobreviver.
Cortando Uberlândia de ponta a ponta, sempre de bicicleta, para honrar compromissos e garantir tranqüilidade à sua família recém-formada, é casado de pouco. Finda a sua jornada entre nós, toca a pedalar suave, porém em constante aclive, até longínquo tope. Encara mais uma jornada, agora de telefone. Paciência para convencer e, via de regra escutar desaforos de potenciais clientes pouco desejosos de prosa fora de hora. Ambas as funções, realiza com prazer e entusiasmo invejáveis, aparentemente não percebido por seus superiores, pena. Final de dia ainda resta longo trecho até sua casa, agora do outro lado, para merecido descanso. Ainda assim, encontra paciência e bom humor para casos contar. Um deles:
Contam que Madre Teresa ao se despedir de sua vida terrena foi bater, merecidamente, às portas do paraíso onde foi recebida pessoalmente pelo Supremo. Longa e deliciosa prosa. A bondosa madre a colocar o Altíssimo a par dos últimos acontecidos. Ele em divina paciência escutava como se de nada soubesse. Passado bom tempo, gentilmente, Ele:
- Não estaria a querida madre com fome depois de tão longa viagem?
Ela, humildemente, fez que sim. Em alguns minutos foi servida pelo Próprio. O cardápio: um pãozinho e uma latinha de sardinha. Sem questionar, em sublime paz comeu agradecida. Não sem antes perceber que pela janela, lá embaixo dava para ver a sala de jantar do inferno. Lá, mesa farta, carnes, vinhos, frutas, uma coiserada sem fim além de muita cantoria. Um piseiro, um aranzel.
Dia seguinte a mesma coisa, na hora da refeição o tal pãozinho e sardinha. Lá embaixo nos domínios do coisa ruim, festa e fartura. Um mês se passou e o ritual do pão e peixe seguia firme. E nos quintos, festança.
Já um tanto preocupada, pois pegou a pensar se tratar de alguma penitência por erros cometidos, a bondosa madre na hora do jantar perguntou ao Eterno:
- Pai, não que eu esteja me queixando, nem que assim me incomode tanto, mas se me permite gostaria de saber, por que dia após dia me é servido pão e sardinha? Foi algo que fiz para merecer tal provação? Pergunto, pois enquanto isso, lá embaixo a horda se farta com delícias jamais sonhadas, sempre.
Fitando Madre Teresa bem fundo nos olhos, suspirou longamente e em sua infinita bondade sussurrou tristonho: - Não é castigo não, longe disso, pois teve vida santa na terra, mas cá pra nós madre, sei que há de concordar; cozinhar só para dois dá um trabalho.
Médico veterinário sanitarista
whstutz@gmail.com
Publicado em Jornal Correio, Ponto de vista de 20/09/2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário