quarta-feira, setembro 9

Caçamba

Texto nosso publicado no Ponto de Vista do Jornal Correio, com pequeno engano de assinatura sob título, corrigido no final. O nome (Divino Moura) que lá aparece não é ainda um de meus heterónimos
Falha casual do jornal sem maoires problemas
Texto no jornal AQUI




Resolvemos, antes da chegada das chuvas, fazer pequena reforma em casa. Nada de mais, coisa pequena mesmo. Mas como toda reforma grande ou pequena a nossa também careceu de aluguel de caçamba de entulho, aliás, ótima invenção, deixa tudo mais limpo e arrumado facilitando a vida. A solicitada chegou em meio ao fim de semana prolongado, aniversário de nossa cidade. Boa coisa, menos uma preocupação ou aborrecimento. Ledo engano.

No amanhecer de domingo, no sair de casa bem cedinho para ver belo e ensolarado dia, não é que topo com sacos de lixo doméstico atirados na caçamba! Não deu nem tempo, foi o coletor de entulho chegar e o lixo chover. Para a maioria das pessoas nada demais, para mim foi uma afronta ao convívio, à educação. Uma cidade comemorando 121 anos e ainda tem gente praticando atos medievos. O hábito de não se sentir dono das sobras que se produz é deprimente.

Alguns não medem esforços nem consequências para se livrarem de seus monturos. O terreno mais próximo, a caçamba solitária, muda e de bocarra aberta, ou a rua mesmo se transformam, num estalar de dedos, em depósitos particulares de lixo. Nem livre, nem particular. Pois a “volta do cipó de aroeira, no lombo de quem mandou dar” é rápida, em forma de pragas apocalípticas e miasmas, atingindo toda uma vizinhança. Ratos, baratas, escorpiões. Doenças e tristeza são, quase sempre, o efeito colateral de tanta falta de educação e respeito ao próximo. E o poder público se matando para manter nossa cidade limpa, bela e digna de sua mais de centenária existência.

Mesmo depois de detonar ares e lugares, o lixo na caçamba será carreado para uma central de entulho. Uma vez lá, passará a fazer parte de um ecossistema, oculto aos nossos olhos, mas extremamente perigoso. Locais propícios para abrigo de pragas, nas centrais, estas passam a contar com o que faltava para seu alegre e Malthusiano crescimento: Comida! Aquele aparentemente inofensivo saquinho de lixo recheado de cascas, contas pagas, cartas de amor rasgadas, restos de refeições, fecha ciclo de vida para muitas criaturas que logo vão se refestelar de outras sobras e em troca espalhar doença, sofrimento, morte.

Fico a ruminar pensamento: se nem do próprio lixo alguns se dão ao luxo de cuidar, como será a postura cidadã tão importante e solicitada diante de algo, se não maior, pelo menos mais urgente e cujos maléficos resultados aparecem mais rapidamente, como a pandêmica gripe A que estamos enfrentando? Qual a contribuição coletiva de alguém que joga suas sobras “ao léu da ventania”? A Dante e seu Inferno! Nenhuma presumo. Mas falar que o poder público não está agindo com o devido rigor, que acha um absurdo cancelar shows e outros eventos, assim como recriminar o fechamento dos portões em jogo de futebol, torna-se hábito de gente assim.

Esporte preferido: falar mal de tudo e todos, quando não, reclamar da vida. Intriga-me saber que tipo de exemplo uma pessoa que não cuida de seu lixo dá a seus filhos. Será que também sugere propina em blitz de trânsito? Ateia fogo em terreno baldio, fuma em locais proibidos, fala ao celular em cinemas e teatros?
E mais: burla regras básicas de convivência, despreza a lei? E se for ”autoridade” se vangloria de carteirada dada? Desdenha o honesto, o justo? Muito provável. Curioso e assustador. Quanta coisa da alma humana pode-se aprender com um simples saco de lixo, ou com destino a ele dado.





setembro 2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Verdades!
As chuvas que ocorreram em São Paulo na última terça-feira estão aí pra mostrar como lidamos, inconsequentemente, com o lixo.