terça-feira, junho 12

Insuportabilidade


Se é fácil abrir conta bancária, tente fechar uma.Com a chegada da portabilidade, nada mais justo do que cada pessoa poder escolher instituição financeira que lhe der na telha para depositar seu salário.
Essa escolha pode se dar pelos belos olhos azuis da gerente, pela propaganda de televisão ou até pelas taxas de juros e serviços mais baixos.

Sorteio uma terça-feira para fazer uso desse novo direito cidadão. Terça geralmente os bancos estão mais vazios. Chego à agência e topo com multidão. Gente saindo pelo ladrão. Era o quinto dia útil do mês. Dia de contas vencendo, algumas empresas em pagamento e outras coisas que fui descobrindo. Fica mais essa: jamais vá ao banco no quinto dia útil de mês algum. Se possível, jamais vá a banco algum. Tente, se tiver coragem e confiar, resolver tudo virtualmente.

Infelizmente, fechar conta pela internet não tem jeito. Lá me vi, em meio a piseiro de gente. A espera promete e é longa. Gente xinga, encontra-se amigos que não se via há muito tempo, um casal flerta.

O rapaz do meu lado esperava humildemente havia mais de hora.Uma criança impaciente se põe a chorar e a mãe, a ponto de descabelar, se segura para não fazer coro com a cria.

Será que não rola uma barrinha de cereal ou copo d’água aí não?Um senhor ao meu lado desencadeia um ataque de asma, chia pânico. Senha ABC4567 grita um caixa. Olha o painel!

Olhar painel? Parece final de novela ou de Copa do Mundo. Ninguém desgruda os olhos daquela TV de números e letras, mesmo sabendo longe sua vez de ser chamado. ABC4567, grita outra vez. Uma piscada, um “blup” muda o número. Muitos foram embora ou morreram de raiva.

O casal do flerte já está sentado juntinho. A senha dele foi aos poucos sendo picotada. A dela, dobradinha em ansioso origami.Alguns discutem política. Sucessão municipal, último capítulo da novela da 8, futebol.

Primeiro ato: zerar conta. Começa o calvário. Caixas eletrônicos não soltam moedas. Bom, sem problemas, são apenas 0,43 centavos. Deixa pra lá. Antes de adentrar a agência, sou abordado por recepcionista que quer saber o que lá vou fazer. Fechar conta, digo eu. De sorriso à carranca foi coisa de segundos. Já zerou a conta? ? Virei ex e ex qualquer coisa não vale o sal da janta. Conto a história dos centavos. Ah não, tem que tirar tudinho, não pode ficar nada! E me dá senha para rapar o tacho e outra assinar o termo de encerramento.

Entrei na agência às 13h18 para sacar moedinhas. O banco foi legal. Em vez de 0,43, me deram 0,45! Encanto. Mesmo sem nunca ter usado a tal conta a não ser para sacar em caixa eletrônico o meu soldo mensal, não é que tinha uma cobrança programada para quase um mês à frente, de alguma taxa da qual nem conhecimento tinha?

Nunca tive folha de cheque sequer, e todos diziam que eu possuía a isenta conta salário. Descobri que para definitivamente romper os grilhões que me prendiam ao banco ainda teria que esperar mais um pouco.
Eram 16h44. Sou paciente.

A zerada conta receberá depósito exato que o senhor funcionário me mostrou em sua reluzente tela de computador, em verdes e brilhantes dígitos. Assim, daqui a um mês, se até lá não aparecer outra dividazinha com poderoso banco, deixarei de ser sócio minoritário deles para ser, novamente, um homem livre, pelo menos até cair em outra arapuca do sistema.







Publicado em Jornal Correio em 12/06/2012

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