Passado turbilhão eleitoral que, querendo ou não, deixou um agitado pensar na cabeça da gente e, muitas vezes, sufocou o que mais gosto de fazer, observar.
Os cavaletes foram tantos, os santinhos espalhados pelas ruas a sujar tudo, repulsa frente tamanha falta de respeito. O espiar por sobre mil faces com sorrisos, espertamente produzidos em computador, passou a ser martírio.
Em todo canto sentia-me espiado, observado por falsos rostos e números. Tomara que, na próxima, o Ministério Público proíba estes expedientes. Um grande amigo murmurou: “Canteiro é lugar de flor”. E olha que ele também foi candidato. Este é outro dilema em política local.
São tantos amigos e conhecidos. Quando me refiro a “tantos”, quero dizer alguns poucos, é a tal história de ser “famoso no Facebook corresponde a ser rico no Banco Imobiliário”, li esta outro dia, a autoria desconheço.
Finda a peleja eleitoral, retirados os cavaletes e os sorrisos plásticos, pude voltar à atividade que mais gosto, depois de trabalhar meus escorpiões e morcegos, é claro. Observar o mundo à minha volta, retornar como bem falou Manoel de Barros, atentar para as pequenas insignificâncias. Não sei se existem em grande tamanho ou proporção, seria complicado.
Mesmo enferrujado pela distração cívica, não deixei passar batido fato que vinha observando sem olhar já há alguns dias.
Beija-flores no quintal, vários, dezenas mesmo, todos ensandecidos pelas flores e perfumes, resultado de curta chuva que caiu sobre nossa Uberlândia. Com os beija-flores, abelhas sem ferrões, as nossas pequenas e belas jataís e mandaguaris, se fartavam em pólen e néctar. No meio desse piseiro de primavera, um colibri diferente se fazia notar. Voava ligeiro de flor em flor como qualquer outro, mas não se dava por satisfeito com nenhuma. Toda tarde era só ligar a mangueira que tem na ponta uma perereca verde/vermelha para matar a sede das plantas por alguns minutos, que vinham os sedentos bichos. Sede e fome. A chuva tarda. E lá estava ele, brilhante e perdido.
Depois de muito observar tive um lampejo de ideia. E se o pequeno fosse anósmico? Esclareço, o anósmico não sente cheiros, cheiro algum. De nada mesmo. O mais doce dos perfumes, o mais saboroso aroma do mais rico pólen passam totalmente desapercebidos! Como sobreviveria minha pequena e diária visitante se não conseguisse encontrar pelo olfato seu sustento? Fiquei agoniado. Aquela pequena preciosidade da criação poderia morrer de inanição a qualquer momento. Talvez, depois de provar alguma flor, ela pudesse pelo sabor conseguir identificar algo, pois é sabido que sua língua percebe cinco sabores: amargo, azedo, doce, salgado e unami, que significa gosto saboroso e agradável. Esse unami é descoberta recente e teve até congresso mundial para sagrá-lo gosto.
O oposto é chamado de hiperosmia, outro castigo, aqui e no reino da Dinamarca, ou não? Mas não acontecia. A avezinha voava zonza entre água do sapinho esguicho, banhava-se nas gotas que escorregavam folhas abaixo, mas nada de se alimentar. Essa ladainha já durava semana. Mas não podia ser possível, beija-flor, com tanta energia que gasta, não conseguiria sobreviver por tão longo tempo sem o doce mel. Firmei atenção redobrada no bicho, quase pronto a capturá-lo e fornecer alimento com conta-gotas. Mais alguns dias, e percebi meu grande engano, o bichinho era quase normal, só era daltônico, nada mais, normal. Quanto alívio.
Publicado no Jornal Correio em 15/10/2012
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