sábado, agosto 31

Uberlândia do cerrado 125 anos

Em longe 1977, desembarquei, vindo de Belo Horizonte, em tranquila e calma rodoviária. Ao lado, em praça de poucos bancos, senhores de chapéus surrados, pernas cruzadas à altura da dobra do joelho,
fumavam cigarros de palha. Com braços estendidos e apoiados ao corpo, trocavam prosas, certamente contando vantagens e mentiras inofensivas. Percebia-se nitidamente aroma de fumo curtido com lascas de mama-cadela.

Em canto, junto à sombra, preguiçosos cavalos mastigavam mansamente bridões bem talhados, à espera de carrear viajantes como eu.,Não me fi z de rogado, subi uma delas e o cocheiro, a passos lentos, batendo
salto de sua botina mateira, me dirigiu um breve “para onde?”. “Pensão na Duque de Caxias, entre
Rio Branco e Cesário Alvim.” Tinha de-corado o endereço para não parecer estrangeiro. “Segue por onde?”, perguntou, já seguro de que estava ali ao seu lado um genuíno forasteiro.

Abri o jogo: “Olha só, seu moço, faz seu caminho, chego hoje pela primeira vez. Não conheço nada.”. Ele deu sonora risada e, com a cara mais lerda do mundo, me olhando de rabo de olho, disse ladino: “Eu já sabia!”.

Ali, naquele exato momento, começava minha história com Uberlândia. No começo, reticente com tudo e
com todas, vivia entocado, chorando saudades de alguma coisa que nem sabia nome. Fui conhecendo devagar e, prazerosamente, meu novo espaço. Vi ao longo dos anos transformações de cenários cinematográfi cos. Prédios antigos e belos sendo demolidos, para lugar dar a modernas obras. Bares
tradicionais que sempre mantinham as portas abertas fecharam. Alto
preço para crescimento incomum. Sei que se hoje fosse, estes prédios aí estariam tombados e protegidos. Outros tempos.

Na pensão, escrevia cartas para família de peões que aqui estavam construindo fábrica imensa. Conheci a intimidade de gente simples, rude e sofrida, que, em um calouro de veterinária, viam um doutor letrado, capaz de falar com suas mulheres e fi lhos, em distante canto qualquer deste país.

Aos poucos, como muda de planta em lata d’água, fui soltando tênues raízes. Terra rica me abraçou por inteiro. Terminado período de escola, veio a dura hora de tomar outro rumo. Mas como? Aqui tinha se tornado chão meu. A dureza da vida, como sopro de tempestade, me arrancou daqui. Resisti. Foi breve. Voltei para respirar o ar do cerrado e sentir cheiro da terra molhada, que aqui é saborosamente diferente.

Trinta e sete anos se passaram. Antevejo na toada que vai, uma Uberlândia mais justa, mais humana, mais perfeita. Uma cidade onde todos poderão sorrir e voltar a se cumprimentar nas ruas.

Quem sabe daqui a 50 anos nossos netos poderão, novamente, subir numa charrete e, de alma lavada de tanto orgulho, ao carroceiro dizer: “Eu sou daqui”. E ele, sorrindo manso, responderá: “Eu sei, toca
para sua casa?”. Enfim nossa Uberlândia do cerrado, nossa mineira Pasárgada madura e pronta. Aqui encontrará o amor da sua vida. Aqui será verdadeiramente feliz





31/08/2013
Publicado na edição especial de aniversário de nossa Uberlândia no Jornal Correio

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segunda-feira, agosto 26

3ª Corrida do Cerrado



Beija-Flor


Sempre pensei que os beija-flores fossem eternos. Cada um com sua roupagem única, pintura exclusiva, assinada por artista caprichoso. Dezenas de vezes topei com pardais, pombas, canários e até urubus estirados chão afora. Espalhados em monturos de plumagem e sangue, alguns achatados como se folha de papel fossem. Cães e gatos também. Em qualquer parte da cidade é possível, em algum momento, se deparar com carcaças estraçalhadas por desumanos pneus. Não se esquece daqueles olhos vidrados a fitar um nada.
Nas estradas que cortam nosso Brasil, já vi tamanduás, onças, capivaras, lontras, além de bois e cavalos, jogados como sacos para o acostamento.

Nunca, nunca tinha visto um beija-flor morto. Sempre os vi anjos e anjos não morrem.

Assim pensava e jurava de pés juntos: os beija-flores são eternos. Não, infelizmente não o são.

Nesta semana, do nada, deparei-me com uma pequena joia em canto de calçada. O sol bem à minha frente mostrava apenas estranha figura refletindo multicor. Frágeis arco-íris envolviam aquele pequeno amontoado de quase nada.

Dei alguns passos com palma da mão em viseira, ainda sem saber o que era. Parecia uma caixinha de joias tombada, mostrando suas riquezas; miúdas contas e pedras preciosas em perfeito corte lapidário. Coloquei-me contra o sol, só então entendi o tamanho da tragédia. Via, pela primeira vez, em toda minha vida, um colibri morto. Seu delgado e longo bico apontava para o céu. Era lá o seu lugar. Entre flores coloridas e perfumes transcendentes, a banhar-se em pequenas gotas de chuva de primavera sobre largas folhas, riscando o tempo e abrindo caminho ao vento. Nunca ali.

Olhos foscos agora em um nada ver. Sentei ao seu lado. Um pouco de mim ali morria. Clichê, lugar comum? Pode até ser, mas era a mais pura verdade. Para alguém que sonhava a certeza de que estas minúsculas estrelas vivas não morriam, foi um mais perder da infantil que teima em nos acompanhar pelo tempo.

Talvez o envelhecer seja isso: o perder das falsas verdades puerícias. A reserva destes fragmentos que, quando em vez manda recado, vai-se aos poucos esvaziando, esvaziando até quase nada restar, incrustado apenas em apagadas retinas. Ao mesmo tempo em algum canto, vai se acumulando a borra da vida. As frustrações, o não realizado tão forte de tempos atrás, que, resignados e exaustos, deixamos de lado. As utopias, sempre elas, perdidas. Abdicamos de tanto e, às vezes, descobrimos que foi por tão pouco.

Descobri, pois, de forma súbita que os beija-flores, infelizmente, morrem, assim como tudo mais. Mas disso fica lição e crescimento, os sonhos. Ah, os sonhos! Estes não envelhecem jamais mesmo, cantou a voz de anjo Milton. Não morrem e se multiplicam, ramificam, nos seguem/perseguem até o fim do caminho.

Resta consolo de que outros milhares de cuitelos continuarão saga da eternidade, pois não tem aquele, por mais sisudo, frio e insensível que seja, que não pare um segundo e, mesmo sem querer, deixe esboçar, ainda que ligeiro, sorriso de criança. Pode não demonstrar, mas sente.

Assim, trazendo paz também aos carrancudos e infelizes, recupero o meu devanear e torno a acreditar na imortalidade dos beija-flores, dos anjos e dos sonhos.

Dessa forma, “Em meio a tantos gases lacrimogênios/Ficam calmos, calmos/calmos, calmos, calmos/Lá se vai mais um dia”.





Publicado Jornal Correio em 26 de agosto 2013

quarta-feira, agosto 21

Prêmio Lobo Guará de Ouro

Cultura celebra aniversário da cidade lançando Prêmio Lobo Guará de Ouro
Concurso nacional premiará as melhores trilhas sonoras para a cinema, televisão e jogos eletrônicos

Portal da Prefeitura de Uberlândia - Agosto será um mês de grande festa cultural em Uberlândia. Para celebrar os 125 anos da cidade, a Secretaria Municipal de Cultura preparou uma programação especial, ancorada sobretudo no lançamento do Prêmio Lobo Guará de Ouro, uma iniciativa inédita que atrairá a atenção de todo o país dando visibilidade a trabalhos de trilha sonora para cinema, televisão e jogos eletrônicos.

Dentro do pacote comemorativo, está contemplada a diversidade de gêneros artísticos. As artes cênicas são representadas por meio do teatro, nos dias 29 e 30 de agosto, e por meio da dança, no dia 1º de setembro. Abre a programação, na quarta, dia 28, a mostra de fotografias “Um olhar sobre a cidade”, com curadoria do coordenador de Artes Visuais da Secretaria Municipal de Cultura, Afonso Lana.

Na quinta, 29, será oficialmente lançado o Prêmio Lobo Guará de Ouro, com solenidade oficial acompanhada de show do músico Antônio Pinto, que assina a trilha sonora de importantes filmes brasileiros, como “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”, entre outros, e um dos mais requisitados compositores de trilhas sonoras da indústria do cinema em Hollywood. Além do lançamento do Prêmio Lobo Guará, no mesmo dia haverá a estreia do Memorial dos Artistas Locais. O Memorial será uma projeção permanente em uma das paredes do foyer de entrada do Teatro Municipal destacando artistas e grupos que fizeram história nas artes cênicas produzidas em Uberlândia.

O Prêmio Lobo Guará de Ouro é uma iniciativa que irá premiar trilhas sonoras em todo o país produzidas para cinema, televisão e jogos eletrônicos. Essa iniciativa, com a abrangência de gêneros à qual se propõe, é inédita no Brasil. No país, há um festival parecido em Conservatória, distrito do município de Valença (RJ) e, no mundo, apenas a Bélgica realiza evento similar, mas ambos com enfoque somente em cinema. Além de apresentar o projeto à comunidade, a Secretaria Municipal de Cultura lança concurso aos artistas visuais para a criação da estatueta do Lobo Guará de Ouro, abrindo, assim, as etapas que compõem o projeto. A primeira etapa se encerra em agosto de 2014 com a mostra dos filmes cujas trilhas foram selecionadas e as respectivas premiações.


segunda-feira, agosto 19

Pequi

Arroz com pequi em Goiás, sempre ao lado de bons companheiros.
Foto de Guilherme Carneiro Reckziegel

Quer sentir o aroma? Clica na foto!



sexta-feira, agosto 9

Sardinhas




Vi, outro dia, em programa de televisão. Não me venham censurar, assisto sim à televisão aberta e não tem essa de me recusar parar nesse ou naquele canal. Vejo quando me dá vontade. Até novela espio quando em vez e não me envergonho disso. Tenho amigos que assistem a tudo, fingem que não. Por quê? Vergonha?

Assisto a vários telejornais, dos oficiais aos que se dizem “isentos”. Não aceito mais patrulha ideológica, nem de esquerda, nem de direita. Sou o que sou e pronto. Como escreveu Roberto Carlos, “só vou gostar de quem gosta de mim”. Claro que tem que ser na voz de Adriana Calcanhotto ou de Caetano. Não, também não dou conta de Roberto Carlos cantando. Me dá arrepio ver aquele senhor de falso sorriso a cantar “Esse cara sou eu” e jogar rosas para as senhoras da plateia, fingindo beijar uma por uma das rosas. Sou mais Erasmo, o roqueiro. Questão de gosto.


Assistir a tudo não significa que deixo que façam minha cabeça. Televisão e internet têm muito em comum. Aproveita-se pouco de seu conteúdo, mas é ótimo entretenimento. É só botar atenção e aguçar senso crítico.

Às sardinhas. O programa era sobre a migração das sardinhas, considerada a maior movimentação de uma só espécie em todo planeta, batendo inclusive a dos gnus, segundo a reportagem. Indescritível beleza a sincronia daqueles milhões de peixes em balé sem ensaio, em que nenhum indivíduo perde o passo – ou o nado. Disseram que um cardume daqueles pode chegar a ter quilômetros de comprimento e largura. A razão da aglomeração é intimidar predadores parecendo um único organismo vivo. Parece que não funciona bem, pois um ataque de golfinhos, tubarões, pássaros em mergulhos famintos e finalmente uma bocarra de gigante baleia reduzem a trupe a poucas escamas brilhando ao sol na imensidão azul. Nos relatam que é exatamente a quantidade que garante a perpetuação da espécie.

A comparação me veio em lampejo. As manifestações recentes das ruas, os jovens em imensas passeatas em ondas crescentes de pessoas, pareciam um único organismo vivo, cujo resultado é bem parecido. Assustaram muitos predadores de ideias. Aqueles que não andam no caminho da retidão ficaram espertos. Até em programas na televisão os políticos atores parecem ter decorado a mesma fala: “Olha, nós estamos escutando vocês”.
Mais uma vez, os humanos imitando bichos. Horda de predadores começa a beliscar  passeatas, divide-as em grupos menores, na tentativa de pulverizar seu poder. Tubarões especialistas em sobrevivência atacam em carnificina ideológica e econômica. Destroem lentamente a beleza coreográfica da liberdade, o verde-amarelo das faces a escorrer, como a maquiagem do palhaço, misturando-se, transformando em profundo azul, porém, sem brilho de cintilantes escamas ou de confetes e serpentinas dignas da bela festa cívica. Sobram baderneiros organizados. Um pisar em escombros.

Fico a pensar, somado ao controle natural da cadeia alimentar, a intervenção humana a cercar esses cardumes e a fritinha acompanhando bom chope lá no Beco das Sardinhas, na Miguel Couto. Acho que vai faltar sardinha. Mas será que vai faltar gente na rua? Quanto aos peixes não sei, mas, nas ruas, confio em Gianfrancesco Guarnieri e seu teatro de resistência, no cantar de Toquinho: “Quem souber de alguma coisa / Venha logo me avisar. / Sei que há um céu sobre essa chuva / E um grito parado no ar”.






Publicado Jornal Correio - Sardinhas em 09/08/2013


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segunda-feira, agosto 5

Saúde


Depois de grande susto, há dois anos, resolvi tomar jeito e cuidar melhor desse invólucro que recebi para passar um tempo aqui na terra. Não que eu fosse de abusar dos prazeres da vida, mas devo dizer que era chegado a alguns dos pecados capitais, em particular: a gula. Comia de tudo e em demasia. Mesmo assim, nunca fui obeso, mas o tal do sobrepeso me incomodava excessivamente. Susto tomado toca a cuidar da saúde. Entrei de cara para trás no modismo das ervas e sementes milagrosas. Parecia canarinho de gaiola que passa a alpiste, painço, osso de siba e jiló. Couvezinha quando em vez.

Como era, digamos, semissedentário, comecei a caminhar. O “semi” fica por conta de minhas andanças de trabalho atrás de escorpião e morcego e do trato de jardim e casa. Devagar no começo, quilômetros poucos, hoje fico entre 10 km a 15 km seis vezes por semana, metade correndo, metade a passos apressados, como o coelho atrasado de Alice. Mas não é das carreiras diárias que quero falar, e sim dos meus alpistes, painços e complementos.

Comecei com linhaça, passei pela chia, tentei girassol, mas este sempre me lembrava um papagaio de minha infância que teve morte trágica, larguei logo. Entrei na onda do noni, até plantei pé da fruta em casa. Alimentação frugal e muito exercício. Tudo ia maravilhosamente bem. Emagreci em excesso e fiquei com cara de doente. Um dia, perguntaram se era anoréxico. Sem problemas, mas a minha bronca ficou com a ciência. Com a mesma rapidez que descobrem e indicam propriedades quase milagrosas de algum alimento, na semana seguinte, outro grupo, em outro lugar, cai de pau mostrando riscos de se consumir aquilo que era a bola da vez.

O ovo é o maior exemplo desse empurra-encolhe: ora faz bem e pode-se comer sem restrição, ora deve nem ser provado, pois mata mais do que formicida Tatu. E olha que nem descobriram quem veio primeiro, se ele ou a genitora galinha.
Noni, milagroso até outro dia, segundo estudos pode causar hepatite fulminante e a transplante de fígado, se usado em demasia. Anvisa pede cautela, o que não nos contam é quanto é o tal demasia. Os ômegas da linhaça não são tão eficientes como os do peixe, diz outro estudo. E a chia chia no bolso, chegando a preço astronômico, depois que virou moda.

Todo dia sai uma história nova. Quem não se lembra da casca de ipê-roxo para curar câncer? Quase levou a pobre espécie à extinção. Volta e meia nos pedem cascavel, pois dizem que a gordura dela cura artrite, artrose, picadas de insetos, gripe, frieira, chulé, caspa e até, se acompanhado de reza brava, tira mau-olhado ou encosto e, se perfumada, arruma casamento. Se começar a correr boato como o da suspensão do Bolsa Família, nossa pobre cobra corre risco de desaparecer de vez.
Larguei mão. Vou à nutricionista, mas, por ora, descobri que a melhor dieta é aquela que sempre comia: bom arroz, feijão, bife e salada. Pelo menos até a próxima publicação ou notícia de jornal provarem o contrário.

Quer saber, enquanto não resolvem se o ovo é mocinho ou bandido, vez por semana, bato um ou dois com arroz branquinho, mas tem que ser de gema mole. Deixo registro e agradecimento ao grande médico e imensidão de amigo/irmão de mais de 30 anos por me apresentar as delícias do caminhar/correr: Luiz Mauro, não é à toa que seu sobrenome é Coelho.





Publicado Jornal Correio em 03/08/2013

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