"(…)deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação. (…). Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. Na verdade, o homem não era necessário (…). Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias. Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa. Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos (…)” – Fragmento de “Dia da criação”, de Vinícius de Moraes
Pois não é que essa semana, que passou voando, que nem harpia em retorno ao ninho, comemorou-se o 434º aniversário do calendário gregoriano e ainda o Rosh Hashaná, o ano novo Judaico, segundo o calendário estamos no ano 5778. Ainda temos o calendário Chinês. Estamos vivendo o Ano do Macaco de Fogo. Este, curioso e sem papas na língua, cria amigos e inimigos facilmente.
Para contar tempo, o homem criou mais um monte de calendários, o calendário hegírico ou Islâmico, Calendário Juche que, como tudo mais, só é usado na Coreia do Norte. Bom, de tão isolados que são, só serviria para eles mesmo e não vai fazer diferença para o restante do planeta. Ainda tem o Maia, o Etíope e tais.
O fato é que o homem sempre arrumou um jeito de prender o tempo e tentar usá-lo a seu bel prazer. Quantos não riscam diariamente a folhinha, na tentativa de apressar o tempo por algum motivo? O mais comum hoje é o dia do pagamento. Acaba-se de receber e já começa a marcar o dia do próximo. Não está fácil pra ninguém.
Contam os criacionistas que Ele se desdobrou em criar o mundo no qual vivemos, deu um duro danado e, exausto, resolveu a parada no sétimo dia. Se existisse televisão, certamente iria assistir a um bom programa, um filme, talvez. Os dez mandamentos, não estas versões atuais, seria sem dúvida alguma aquele com Charlton Heston, Yul Brynner, e “grande elenco”. Esse jargão nas artes deve ter sido criado para economizar papel.
Particularmente, acho que Deus, em momento de tensão, de saco cheio de tudo, resolveu pintar os passarinhos e plantas. Esquece o tempo, pensou. Pediu ajuda aos anjos poetas. Decidiram que o vento não teria cor visível, nem aroma especial. Assim, cada um poderia escolher o que sentir. Salgou o mar, mas adoçou rios, riachos e cachoeiras. Distraiu-se com saíras. Alguns querubins as usavam para limpar as mãos de tintas, deixando algumas com até sete cores. E Ele viu que era bom. Deve ter sorrido feliz.
Começou a pensar ao observar as belezas de seus artistas alados — Esqueçam o tempo criaturas. O sol, a lua, as marés, as chuvas e as flores. O amor, fome e sede serão seus relógios. Pronto, aí veio uma merda de uma serpente e atrapalhou tudo.
“(…) o tempo não serve de medida: um ano nada vale, dez anos não são nada. Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranquila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intépido, como se diante deles estivesse a eternidade.”
Rainer Maria Rilke em Cartas a um jovem poeta
“(…) o homem não era necessário (…)”
Ficassem apenas os poetas…
Jornal Correio em 16 de outubro de 2016