O gosto por carne assada e cerveja, muita cerveja, fazia da vida do amigo um eterno fim de semana. De família grande todos com gosto idêntico, mudavam apenas quanto ao time de futebol. Alguns eram fanáticos corintianos, outros flamenguistas e, dizem, meio que de olhos baixos, até são paulino e palmeirense tinha. Porém, não se estranhavam. Levavam tudo na esportiva e gozação, como deve ser quando se trata de futebol e política. Cada um tem o seu time e partido. Eu disse partido? Esquece. Quis dizer candidato, pois até eles, políticos, em sua maioria, andam a esconder o partido a que pertencem. Foi-se o tempo de se bater no peito e dizer com orgulho: Sou Democrata! Outro: Sou Republicano! Opa, acho que errei na geografia.
Não importa, a história é outra. Voltando ao amigo, como disse, de família grande, aniversário é que não faltava. Não importava o dia da semana, tinha que comemorar. Churrasco e cerveja, muita, muita cerveja. Batizado, casamento, começo de namoro, fim de namoro, time ganhou, time perdeu, time jogou, churrasco e cerveja, sempre muita. Isso em dias úteis. Nos inúteis, dos feriados e fins de semana, não carecia desculpa, pois já eram para tomar todas mesmo.
Não que o amigo não trabalhasse, longe disso, trabalhava e muito. Compromissado e bom de serviço. Mas venceu horário, pronto, disposto a tudo. Outra característica fantástica sua era o vício da leitura. De bula de remédio, revista velha, jornais de ontem aos grandes clássicos, nada passava batido aos seus olhos. Minto, ao seu olho. Só tinha uma vista. Da outra não enxergava. Curiosamente só descobriram sua cegueira aos 11 anos de idade. Acho que já falei disso. Vou conferir. Se não, depois conto.
Este saudável hábito de leitura, que aos poucos vem se perdendo, como milhões de pessoas, por conta do maldito smartphone e seus aplicativos, em particular o WhatsApp, não tirou sua rapidez de pensamento e outra mania: palavras cruzadas. Do nível mais alto àquelas mais simples detona todas em tempo ligeiro. Bom, isso quando não pegava uma, começada por outra pessoa, sem o trato com a coisa. Ao ponto. Não o churrasco, mas o contar.
Certa noite, acordou com dor lancinante no dedão do pé, irradiava para tornozelo. Tentou levantar-se. Desastre. Despencou sentado na cama. Não conseguia encostar o pé no chão. Apavorado, ligou para o irmão pedindo ajuda.
— Acode aqui mano. Acho que quebrei o pé dormindo.
— Como assim mano! Ninguém quebra pé dormindo!
— Não sei como, devo ter dado um chute na parede sonhando. Corre que o trem tá feio.
Urgência médica, lá se foi, apoiado e saltitando que nem saci. No hospital, depois da habitual longa espera, foi finalmente atendido por médico sonolento de longo plantão. Examinou, mexeu daqui, cutucou dali e ele, aos berros, a cada virada. Radiografia para tirar a teima do amigo, pois o diagnóstico estava fechado. Nada de fratura.
— Olha doutor, se não é chute na parede, o que é que eu tenho? Perguntou, já com água no olho.
— Gota meu filho. Seu problema é da gota serena.
— Você bebe?
— Socialmente, mas aceito um golinho só para acompanhar.
— Gosta de carne?
— Vixe!
Passou remédio e dieta. O remédio tomou. Quanto à dieta, filosofou:
Todo ser humano tem que escolher: fazer dieta ou ser feliz.
Ele, escolheu ser feliz. Não abriu mão de sua cerveja e churrasco. Vai ser feliz lá num rodízio!
Leia super rapidinho em um fôlego só:
Esta prosa não é recomendada em casos de suspeita de dengue e muito menos para menores de 18 anos.
Jornal Correio em 2 de outubro de 2016
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