segunda-feira, dezembro 26

Assim será



Queridos amigos do bem, um lindo e iluminado dia de Natal exatamente como a manhã que se faz anunciar. Esta é minha última crônica para nosso querido Jornal CORREIO que também se despede dia 31. Acabaram-se os domingos. Nó na garganta aflição em dedos que continuam a escrever como se houvessem muitos domingos a publicar pela frente. Tristeza e alegria. Tristeza pela falta que nosso CORREIO fará, alegria ter passado pela experiência maravilhosa de aqui estar durante incontáveis domingos.
Amigos, gente do bem, um forte abraço para quem é de abraço, um beijo especial para quem é de beijo. Nos veremos por ai.
Um 2017 de muita esperança.
 
William H Stutz
whstutz@gmail.com




Querido Clarimundo Campos, vou parar com a frescura e chamá-lo apenas Clarimundo. Caro Clarimundo, como vão as coisa por ai no mundo das estrelas e das luzes? Tem encontrado muita gente conhecida? Sei que muitos tomaram outro rumo. Não têm merecimento das estrelas e devem andar a beirar porta de entrada do universo de gente do bem. Mas estes, que fiquem por lá o tempo que for necessário para então, na base de muita reza e penitência receber alvará de entrada. Mas me conte, tem ai tudo que sempre botamos atenção? Tem moça bonita de vestido de chita a balançar ao vento das estrelas? Tem serra azul e córrego de pescar lambari e traíra? Tem cachoeiras enormes com poções de nadar em água gelada de tão boa? E passarinho tem de monte em cantoria sem fim de embalar sono tranquilo? Matas, cerradão, ponta de areia, mar azul turquesa e praias de areia fina e branca?

Tá certo concordo, chega de perguntação, pois conheço resposta – Quer conhecer, vem prá cá.
Hora vou meu querido amigo, quando puxarem minha senha dando baixa no meu CPF pego o trecho e, se acharem que faço por merecer, ganho entrada direto, se bem que acho que vou ter que passar algum tempo no meio do caminho, pois de santo, nem tanto. Fiz das minhas, poucas, mas fiz, devo ter alguma duplicata vencida, algum acerto há de acontecer. Reconheço.

Sei que deve estar acompanhando curioso os acontecimentos aqui por essas bandas, mas se distraiu ponha tento. Moço, nem te conto, não que perdeu muita coisa não.
O Bicho humano não vai aprender nunca. Sinto que até o fim dos tempos, quando já não tiver mais nada que destruir, ele vai continuar nesse ato de andar de fasto.
Mas deixa prá Clarimundo é sina, fado cada um escolhe o seu.

O verdadeiro motivo dessa missiva é um agradecimento. Pois então. Por mágica sua, apeei nesse espaço aqui no CORREIO de Uberlândia. Claro, fui trazido pelas mãos generosas de Ivan Santos, Cézar Honório, e recebido com uma trupe gentil de primeira linha como Pablo Pacheco, Núbia Mota e outros tantos que fica difícil aqui citar por conta até de espaço, afinal, como sempre bem lembrava a minha maravilhosa editora a quem de coração agradeço e muito me afeiçoei, Adreana Oliveira, sobre quantidade de caracteres e tais.

Bem sei, teimoso que sou, sempre burlei a regra, Adre, pacientemente, diminua o “olho” da crônica. Nunca cortou ou editou uma linha, figura especial. Mas aí de seu plano astral tenho certeza que você soprou meu nome para estas fantásticas pessoas. Deu no que deu. Pode acreditar, caro Clarimundo, sempre tentei fazer o melhor, como disse na minha primeira crônica, substituir você foi sempre um desafio impossível, fazer jus ao seu espaço sempre me exigiu esforço sobre-humano em tentativa semanal de me superar e fazer por merecer.

Não sei se consegui, mas tentei e muito. Assim, meu querido amigo de escrita, hoje quero, junto com você, me despedir. Não se assuste. Por motivos ligados aos novos tempos ao novo mundo que se faz brilhar, nosso CORREIO se despede também no dia 31. Essa será nossa última crônica logo em dia de Natal. Gostaria, antes do apagar da luzes, do silêncio se fazer nas oficinas, do fechar de cortinas lhe render uma grande salva de palmas, em pé e gritar a plenos pulmões: Bravo Clarimundo do Mundo, da Luz, dos Campos, da vida, da alegria. Bravo, mil vezes obrigado a todos que por aqui pousaram olhar e, em inumeráveis domingos puderam nos fazer companhia. Bravíssimo a todos que compõem o quadro do CORREIO. Meus queridos, o importante é que fizemos parte da história e isso, amigo Clarimundo, isso é eterno.

Feliz Natal e um novo ano de muita paz leitores queridos. Vou sentir uma saudade danada de vocês.
Uberlândia, 25 de dezembro de 2016.








segunda-feira, dezembro 19

Busca





Blocos barrocos
carnavais de tapetes coloridos
lanternas em báculos enfeitados,
lanternas de vime,
fitas e mais fitas além de belas chitas
no sobe e desce das ruas, fria chuva,
Zé Pereira.

num carnaval de pedras
paixão estonteante
amor adolescente, imaturo, de repente
busca por amor puro utópico, alucinante paixão proibida, banida, expurgada

tribunal tendente, pérfido, sem alma
juiz leviano, inconfidente,
quadrilha
sentimentos machucados, corações sofridos
nobre e plebeu- história repetida
final previsto, sórdida armadilha.

amor perpetuado na memória
dias de infindável alegria, para os enamorados sentimento encantatório da mais linda e impossível vitória
sumariamente julgados, friamente afastados

num carnaval de frias pedras
choro e tristeza
paixão agonizante
para um degredo, para os dois, eterno e puro segredo

o tempo,
felizes se fizeram, outros amores, outras e abrasadas quimeras.

Cristalizado na memória, entre confetes, serpentinas, chitas e multicoloridas fitas:
muito carinho, lembrança terna de um carnaval de pedras.

( Era uma vez um carnaval - William H Stutz)

São tantas as maneiras de um verdadeiro amor expressar. O poema acima de minha autoria nasceu muitos, muitos anos atrás. Um amor adolescente, permanente que a vida toda me acompanhou. Estranha a vida, quisera eu saber motivos para guardar na lembranças amores tão distantes, tentativa de resgate? Por que não? Vontade de saber como está, como vive onde se encontra. Todos sofremos de lonjuras como disse com maestria Manoel de Barros, o grande poeta das miudezas, aquele que me ensinou o olhar para todos os lados, não em busca das riquezas gigantescas e velozes, mas as lentas quase invisíveis seu “Apanhador de desperdícios” encanta.

Os amores foram feitos para durar para sempre, bom quase todos. Pode-se viver uma vida com alguém e o amor não ser o bastante. Vira costume, cadeira ao sol, acomodado. De amor a escrava solidão, rotina sufocante, vazia. Insistimos a malhar ferro frio.

Não. Fomos feitos para sermos felizes, “a vida não é uma condenação” me disse um amor verdadeiro. A busca perfeita, eterna busca, um dia um dia surge em luz. Parafraseio Alda, minha mãe “no fundo bem no fundo encontrarás a pérola” e não existe tempo nem lonjura que separe sentimento verdadeiro, puro. O feito para eterno ser eterno será, sem costume, rotina, bocejos ou indiferença.

Cada dia um pedido de namoro, cada amanhecer beijo doce, variados sabores. Feliz aquele que da poltrona da vida arriba, por vontade própria ou atirado. Tem a chance de começar tudo outra vez. E lá não é tal uma dádiva? Quantos podem ou querem? “Mergulha fundo/Mergulha mais fundo ainda/ Como um pescador de pérolas/ E procura/ Procura sem te cansar! 
(Swâmi Paramananda, Índia, sec. 19)
Sim encontrei minha rara joia, você também achará a sua. Basta e só basta procurar.

Assim Manoel, o de Barros, nos ensina “Prezo a velocidade/ das tartarugas mais que as dos mísseis./ Tenho em mim esse atraso de nascença./ Eu fui aparelhado /para gostar de passarinhos. Mestre, mestre, quanta saudade: “ Só uso a palavra para compor os meus silêncios.”

Reaprendi o amor verdadeiro. No mais Gerias. Em festa.







Jornal Correio de Uberlândia 18 de dezembro de 2016
e
Jornal Voz Ativa - Ouro preto MG








terça-feira, dezembro 13

Mesa 15



Difícil em poucas linhas descrever a mesa 15. Um universo em miniatura, sempre em expansão. Alguns assíduos são os eternos guardiões do espaço ali reservado. Entorno deles, em variáveis estado de matéria, orbitam algumas centenas de sempre bem-vindos visitantes. Alguns sentados, outros em pé mesmo, trocam dedo de prosa e boas gargalhadas. Aliás, o que mais se faz ali na mesa 15 é rir. De tudo. O bom humor prevalece sempre. Discussões são comuns e acaloradas. Os assuntos, motivadores e variados: política, futebol, gosto musical. Se não estou enganado em relação a este é uma unanimidade: sertanejo não!

Sempre em pauta cinema, receitas de hambúrgueres, churrascos e tipos de bebidas. Aliás, aí um ponto interessante. Tem gosto para todas. Alguns só bebem a cerveja A, outros B, mais outros C. Reina sem problemas a democracia plena. Cada um pede o que gosta. Nada de cerveja? Refrigerante zero, colorido coquetel de frutas, vodca ou whisky, estão sempre presentes. Até água ali se toma!

Eclética, etílica e, repito, democrática. Não é uma confraria de homens. As mulheres estão sempre presentes e dão cor e graça à mesa 15, onde todos são iguais independente de tudo.

Ali é um lugar de integração absoluta. Ninguém se importa se você é de direita ou de esquerda. As referências são as mais variadas. Reina a falsa máxima de Voltaire. “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Falsa sim, pois em obra alguma do grande iluminista foi encontrada tal citação. Poderia até ser atribuída a Panglós, ator principal de Cândido, o otimista, mas lá não está. Acalorado debate pode surgir à mesa 15 sobre o assunto, mas também ninguém está tão disposto assim, e com razão.

Ali, convivem também em plena harmonia, sempre sujeitos a gozações, corintianos, palmeirenses, atleticanos e até cruzeirenses e flamenguistas. Seu time perdeu? Tome sarro. Entenda sarro como “ato peremptório de divertir-se de outrem”, e não aquelas outras definições que de lampejo surgem à cabeça. Podemos chamar a mesa 15 de irmandade ou similar? Seguro que não, pois ali nada de estatutos ou regras rígidas prevalecem. confraria talvez. Impera sim o bom senso e a harmonia. Alguns foram criados perto de cachoeiras e falam aos berros. Parece briga, o que nunca é. Outros sussurram e ficam roucos com música alta.

A mesa vive plena era tecnológica. Tem grupo nas redes sociais onde, como em todos os grupos, amanhece com dez ou 12 bons dias, marca-se acontecimentos, festejos de aniversários e o tradicional de dezembro “inimigo invisível ou oculto”. Aqui só vale presente deboche. Mesa 15 não tem sinais ou toques, mas só de olhar um para outro se sabe o que rola. Diversão garantida, sem traumas.

Fui apresentado à mesa 15 por um amigo em comum, em um momento crítico de minha vida. Senti-me plenamente acolhido e falta me faz quando lá não posso estar. Laços reais de amizade por meio dela foram consolidados. Posso dizer com propriedade que aquele grupo me fez rir novamente. Fim definitivo de vivido luto e pronto! Quisera eu que todos tivessem uma mesa quinze para sentar. As gentes seriam menos solitárias, mais solidárias, menos tristes.

Vida longa à mesa 15!






Jornal Correio em 11 de dezembro de 2016

segunda-feira, dezembro 5

Dizer adeus



Era ainda madrugada adentro. De tão frio nem grilos cantavam, pios de coruja haviam se silenciado, corujas/encorujadas se aquietaram na tentativa de se aquecer, nem a fome as faria voar esta noite.
A lua exuberante em um céu estrelado — anunciavam geada.

Uma única e pálida lamparina ardia na casa. Os movimentos eram cuidadosamente calculados para que nem um ruído acordasse a família. Vestiu-se devagar, sentado na cama. De minuto a minuto lançava um olhar para a mulher deitada ao seu lado. Só seus vastos e perfumados cabelos longos podiam ser vistos, escondida estava sob várias mantas multicoloridas de tear. Percebia-se sua respiração cadenciada; profundo sono; com certeza repleto de sonhos calmos/suaves. Quanto calor emanava daquele corpo oculto, que vontade de ficar e deitar-se ao seu lado, apertá-la contra seu corpo, amá-la, amá-la, amá-la.
Calçou a botina, seus dedos ainda doíam da lida do dia anterior, assim como as suas costas e braços. Envelhecia. Levantou-se mais lentamente ainda para que o já gasto catre não rangesse. Passou levemente as mãos nas pontas daqueles cabelos sedosos.

Caminhando para a porta do quarto, olhou furtivo em direção de sua companheira, as sombras de seus contornos dançavam nas paredes projetadas pela luz da lamparina que agora ele segurava. Não mais a via. Cômodo em breu.

Parou à porta do quarto do filho, mantas espalhadas pelo chão, menino encolhido na cama. Ternamente recolheu as cobertas e cobriu seu garoto. Beijo na testa. O pequeno entreabriu os olhos e sorriu longe. Sentiu o calor voltando e sussurrando um “Eu te amo” para o pai, virou-se a dormir.

No quarto em frente, a filha. Menina-moça quase adulta, adolescente. Beijou-lhe rapidamente a face fria pelo vento que matreiramente insistia em entrar pela janela semi-aberta como que a trazer murmúrios de juras de amor de algum pretendente desconhecido. Fechou a janela rápido, espantou e apagou os recados, pai ciumento.

Bebeu um gole de café frio, caminhou para a porta da varanda, apagou a lamparina. Escureceu a casa, escureceu sua alma, junto com aquela chama apagou-se também parte imensa de sua vida. Não podia, não sabia viver sem os seus.

Partiu jurando voltar.






Jornal Correio em 4 de dezembro de 2016