O barulho de roncos e sirenes surgiu sem aviso no meio da mata. A terra, em tremor, assustou gentes, galinhas e pôs em revoada passarinhos de tudo quanto é qualidade canto e cor. O céu, aquarela em movimento. Cachorro uivava medo. Cavalo em porta de venda desfez amarra de cabeçada e vazou na braquiária, sem rumo, mas sempre em trilheiro oposto ao piseiro, que lento se via chegar.
Foi um entreolhar geral. Apenas alguns sorriam já sabendo do ocorrido.
Era surpresa do prefeito para seu povo. Foi tudo combinado na quietura de gabinetes regados a cafezinhos, água mineral e brinde com espumante de boa procedência e safra.
O progresso finalmente chegaria aos grotões abandonados por homens e Deus. Ali nem o Cadreel, o Mefistófeles, o Belzebu, queria pouso.
A vida ia melhorar.
Da pequena estrada de chão, que se estendia da vila muitas léguas mata adentro até no susto dar de encontro ao asfalto, brotaram caminhões, tratores, máquinas imensas e gente, muita gente.
Muita árvore tombou no passar do cortejo de aço. Muito ninho de angola foi pisoado.
Depois de grande espera finalmente chegava a tão prometida obra.
A vila amanheceu de um jeito e posou de outro. Pouco retirado da rua única construiu-se acampamento. Primeiro barracas imensas de lona. Depois furaram fossas, montaram cozinha e até campinho de futebol.
A ordem naquele momento era evitar a vila. Desincômodo para moradores não.
Tempo. Agora casas de alvenaria, vila dos operários e dos engenheiros apartada, vendas cheias e sortidas. Vida seguia. E vida e sustento era a obra.
Fim-de-semana armava-se torda imensa. Tinha baile. Sanfona pé-de-serra soprava até altas horas.
Assim, uma a uma, as moças do lugar foram arrumando par. Namorando, noivando, casando. Umas emprenhavam e moço guardava na capoeira. Via-se mais não. Esbravejo de pai era comum, mas amolecia quando rebento nascia inocente e lindo.
Assim foi. Dia veio ideia. Sêo Hildebrando e dona Valdirene concluíram que era hora de desencalhar a filha mais velha Isolina.
Como moravam no sítio, a única chance de aproximar a filha dos futuros-quem-sabe-maridos era a festa da torda.
Relutante em sua timidez, Isolina acabou cedendo. Não sem muito conselho de mãe. Vê se me arruma moço bão de posto na obra, fecha as perna e segura mão de afoitado viu filha!
Na festa pai se ajeitou em um canto, com garrafa de boa cachaça a botar tento e proteção na cria.
Ela refuga dois, três pedidos de dança, vira e vê cara de pai amarrada. Se solta e dança com um, com outro e mais outro. Por fim achou rapaz arrumado, cheirando a leite de rosas e com botina bem zelada. Encantou. Marcaram encontro e visita ao sítio para pedir namoro.
Na volta pra casa, já na charrete, o pai animado pela pinga e pelo encontro, pergunta à filha:
— E aí filha, moço bão né?
— Bão pai. Respeitador que só.
— E o serviço, pelo tipo é de bom posto, é engenheiro, tô certo?
— Tá não pai, diz ele que tem cargo dos mais importantes e sem ele a obra não anda. É diretor de pare-siga.
O velho não quis se fazer de dessabido . Calado ficou, matutando que profissão era essa. Queria coisa boa, de posição e recurso para filha. Ia assuntar. Ora, se não!
No amanhecer escuro do dia seguinte arriou cavalo e seguiu para a obra. Objetivo traçado.
Demorou muito não. Na entrada da obra a estrada afinava, era cavada entre pedras e as rochas permitiam passagem de um ser vivente de cada vez. Fosse carro, caminhão, trator ou cavalo, era um estreito que só.
Já na boca do estreito deu com o moço, agora de uniforme amarelo e capacete, com placa na mão. Ele a virava para um lado, que era vermelho e escrito PARE. A torcia para o outro em verde, era SIGA.
Operador de pare-siga, pensou então o pai. Pensativo, deu volta nos cascos, rumo de casa.
Pois olhe, se deu casamento, não posso contar. Isolina, mande notícias.
William H Stutz
Veterinário e escritor
Publicado em Uberlândia Hoje em 12 de fevereiro de 2017
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