Pronto, lá se foi o boi com a corda. É cada uma que parece duas. Tenho me aventurado muito pelo centro de nossa cidade. Voltei a sentar em praça como em pleno fim de semana, (mais essa, não se hifeniza fds), e puxar prosa com desconhecido. Vendedor de pequi veio do norte de Minas e me conta isto de peito estufado, sotaque cantado de linda terra. Montes Claros? Pergunto certeiro
E não é? Responde em pergunta. De Moc mesmo! Apelido carinhoso das paragens de gente marcante como o antropólogo e escritor Darci Ribeiro, da artista plástica Yara Tupynambá e José Dias Nunes. Sabe quem é não? Pois não é que é nosso querido Tião Carreiro, da música sertaneja de raiz autentica, sem Telós e ridículos "ai se te pego"? Tomara que este se redima no espetáculo "Bem Sertanejo – O Musical", que vem por aí.
Para compensar tem Seo Godofredo e filho Beto Guedes.
Terra de Marília Fonseca Rocha, professora, colega veterinária e uma das maiores sanitaristas na área de zoonoses que conheço e que admiro como a poucos contados nos dedos.
É também terra de Dona Nazinha, Terezinha Freire, minha avó materna. É muita gente boa, vou listar mais não, pois aí perco o fio da meada e história fica sem contar.
Prosa assim nasceu só de um perguntar pelo preço da dúzia de pequi em nossa agradável praça.
Vendedor de bilhete puxou assunto, falou do tempo dos gansos na praça e lhe contei que muitas carreiras me deram na época de estudante, quando ali cortava caminho para pegar ônibus rumo a lonjura deserta, o ermo que era o campus Umuarama.
Era cedinho que só. Deixei-me ali ficar, contando pombos, esperando loja abrir para consertar óculos. Havia rolado por cima deles noite passada ao dormir relendo Dante Alighieri. Quisera eu ser Virgílio, senhor da razão e mão segura a conduzir Dante pelas terras do purgatório e inferno.
Sem eles, meus óculos, mal conseguia observar escorpiões no biotério que me restou. Serpente então, nem de longe.
O ar fresco da manhã me permitia, mais uma vez, apreciar o acordar de uma cidade que amo de paixão.
Um casal de idosos bem idosos, atravessou praça de mãos dadas. Observei em êxtase. Crescemos enquanto cidade sem perder a beleza de cotidiano puro.
O ranger e o raspadear de portas de enrolar se abrindo me trouxe de volta.
Levantei do banco, deixando fresca sombra para trás. A fonte lá adiante ensaiava alguns acordes enquanto afinava a belas águas dançantes.
Passei rente ao lago e pude observar criança bem segura pela mãe que, lá de um alto, tentava tocar as carpas preguiçosas que, como peixes de puro cristal e ouro líquido, deslizavam ainda na sombra. Talvez andasse esperando comida, a hora do trato, cevadinhas que só.
Segui meu trecho flutuando em paz.
A loja de consertar óculos ainda não estava aberta. Encostei-me ao muro em frente, paciente. Tempo de ver gente em roda de uma outra loja logo adiane. Coloquei tento. Era o Seo Salomão, com rosto em sangue. Tinha acabado de ter sua loja assaltada e foi covardemente agredido por gente armada.
Misto de raiva, impotência e tristeza. Uma bela manhã não merecia tanta ruindade. Sua esposa vociferava e com toda razão, frente tamanha violência.
Deixei os óculos para tratamento, primeira e triste figura a entrar na ótica.
Só se falava do assalto. Preço alto estamos a pagar.
Em suspiro saí a buscar moinhos de ventos. Eu e meu Rocinante imaginário.
E lá se foi o boi com a corda. Acorda!
Publicado em Uberlândia Hoje a 23 de Março de 2017