As histórias são tantas que se perdem no tempo. Um acontecido, com o passar das datas vai se tornando lenda, cresce ou diminui. Conforme o contador, acrescenta-se pontos e contos. Que nem cupinzeiro, brota miúdo, um remover de terra sem de muito notar, num devagar quase morto vai tomando forma e jeito, desenvolve verruga imensa nascida do chão, acabando com pasto e tudo quanto há. Vira cidade organizada. Só quem gosta é tamanduá e cascavel. Um pra comer, outro pra moradia segura. Protege até contra descontrole de queimada que quando vem é destruição que só.
Assim, histórias nascem do andar das gentes.
Uma delas aconteceu, contam, lá pelas beiradas do Mato Grosso. Naquele tempo um só, nada de Sul e Norte, era Mato Grosso e pronto. Gigante de beleza e fartura, muita mata mesmo. Soja era nem em sonho. Terra virgem e bela.
Ali nesse pedaço do paraíso se deu o acontecido. Se foi assim de fato, difícil dizer, pois, como disse, o. tempo se encarrega de mudanças em toda banda, no corpo, nas paisagens, nos sonhos, nos contos
O rio era o Salobra, que nasce miúdo na Bodoquena, ruma feito sucuri de cristal beirando sempre a crista da muralha de pedra, indo dar longe no Miranda.
Pois sim, eram dois. Primeiro um que chegou na beira do rio com ideia de buscar peixe para a janta. De nascimento paulista e, por assim ser seu nome poucos sabiam, era tratado como Paulista por todos. O sol ainda andava torto no céu, faltava longe para se esconder no rio. Era ali que sumia tingindo de mil cores o Salobra, em festival de sem fôlego não deixar de sentir o mais duro dos homens.
Agachou Paulista sentando no calcanhar da botina, iscou meio lambari, resultado este e mais um saco, de tarrafada no meio de lufada, tinha isca pra mais de metro.
Pois ali deitou anzol. Não passou muito tempo chega de manso um conhecido do moço, que por nome ninguém chamava, mas era ali tratado de Mineiro, pois como reza a cartilha do certo/errado de lá, das Gerais tinha vindo.
Encostou em um Carandá erado. Pouca sombra mas tronco forte. Calmo, enrolou um palheiro e sem palavra de nada dizer, deu baforada funda. Virou o cigarrinho para seu lado e, atento na brasa, deu sopradinha para não apagar.
Paulista mais abaixo, peixe nada de nem beliscar.
Hora e tanto passou no silêncio, som só de bugios mata e vento.
— Se fosse você jogava essa linha mais ali no alto, tem cara de pesqueiro rico, resmungou Mineiro.
É talvez razão tivesse, observando o pé de Acuri que deitava quase relando a água.
Quem sabe uma bela Caranha não tiro dali? Tem muita fruta caindo n’água, resmungou para dentro.
Mudou ponto, bando de araras arrancou em barulho nervoso e colorido, interromperam o comer com receio.
Mineiro desceu mais um tanto e se pôs meio longe ainda a pitar observando. Passou um tempo comprido. De novo em fala pausada:
— Se fosse você saia dessa sombra e ia lá na curva perto do remanso.
Paulista já fazendo ar de desgosto, para não fazer o pau cair a folha, para lá seguiu.
Por mais três vezes Mineiro palpitava novo lugar e mudava seu ponto de observar e peixe nem sombra.
O sol buscava pouso e nenhum peixe. Foi quando Mineiro, outra vez, começou a contar novo palpite.
Paulista explodiu em raiva contida, estouro de boiada, vermelho de irritação, veia do pescoço estufada, gritou ódio:
— Ô Mineiro dos infernos, pára pelo amor de todos os santos de dar palpite! Se acha que muito sabe, por que você não vem pescar?
Mineiro olhou para um lado, olhou para o outro, ciscou o chão com a ponta da botina, suspirou mansidão.
Tirou o chapéu devagar e, olhando bem dentro do olho de Paulista, falou baixinho:
— Eu não, num tenho paciência
William H. Stutz
Publicado em Uberlândia Hoje 9 de abril de 2017
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