quarta-feira, outubro 25

Questão de química





Levanto cedo, lavo as mãos com sabonete perfumado, vou à cozinha e ponho água a ferver para o café.

Tomo banho também com sabonete, lavo os cabelos com shampoo com cheiro de frutas, não resisti e provei, o gosto é horrível.
Após o shampoo vem o condicionador, antes chamado de creme rinse, lembram? Na ducha mesmo faço barba e para tal uso creme específico para que as lâminas bem deslizem: a primeira faz “cham”, a segunda faz “chum”. Saio do banho, escovo os dentes com pasta dental tricolor, não sei o que representam aquelas cores: Fraternité, Egalité, Liberté, em bom francês poderia ser? A liberdade é azul.

Ia esquecendo, creme pós-barba,afinal ninguém é de ferro.
Um creme hidratante de rápida absorção, pois aqui é o cerrado e a umidade anda pela casa dos 12%. Saara, dizem.
Desodorante sem cheiro, e antes de me vestir um perfume.
Para a rua, não sem antes aplicar um protetor solar fator trinta pois o buraco na camada de ozônio não nos permite facilitar.

Alguém já parou para imaginar a quantidade e a variedade de produtos que foram usados apenas em uma manhã, num pós-despertar? Overodose química de procedências várias — claro, todos com a devida chancela da ANVISA, mas será que a mistura, a combinação já foi testada alguma vez?
Dizem que manga com leite, pepino com cachaça fazem mal, e aquilo tudo pode também?
Detalhe importante, as senhoras e senhoritas ainda acrescentam à sopa de cheiros e nomes, batons e maquiagens variadas. Céus.

Um coquetel molotov de moléculas e princípios ativos vários. Além das infinitas trilhas sonoras das propagandas, até que ponto nossa pele, essa que é o maior órgão do corpo humano, pode aguentar?
Será mesmo o céu o limite? Questão de química ou de saúde pública? Com a palavra, senhores dermatologistas. Deixa eu correr, a água do café já ferveu.






Publicado em Uberlândia hoje em 25 de outubro de 2017

Maria De Maria

 Foto: Ninguém dos Campos/Divulgação

Antes de mais nada grito aos ventos: não sou crítico de arte, não entendo de arte, não sou arte. Faço arte no sentido lúdico e infantil da palavra. Lanço-me em aventuras, algumas inconsequentes, sem trema ou trama, mas sempre inofensivas.
Sou espectador que põe atenção. Se me agrada gosto, se não me agrada me aquieto.

"Amou daquela vez como se fosse a última".

Tive o lampejo de ir ao teatro em uma quente quinta-feira, na qual a maioria gostaria de estar em um bar ou à beira de piscina ou, quem sabe, caminhando no parque. A peça, uma produção independente da até então para mim desconhecida Maria De Maria, cativou logo nos primeiros instantes.

“Beijou sua mulher como se fosse a última"

Bom, posso dizer que os longos primeiros minutos de silêncio e breu poderiam ter sido mais curtos. Criou um certo incomodo, proposital talvez.
O denso texto de Claudia Eid Asbun inspira. Impressionante a coragem de produzir e encenar Mulher de Juan.
Em árido cenário de obra, Maria De Maria se move com leveza bruta, contracena com o maravilhoso e fantasticamente harmônico e pontualíssimo violoncelo de Laura Millya.

“E cada filho seu como se fosse o único"

"O tempo não para/ Disparo contra o sol/
Sou forte, sou por acaso"
, cantou Cazuza.

A plateia em silêncio absoluto. Se bem que, quando chegamos no esperar do escuro, duas tagarelas palreavam ao som de saquinhos de o que me parecia batatas chips. Mudamos de lugar e a paz voltou a reinar.

A direção de Adriana Capparelli é sóbria e libertadora para a atriz (acho eu, foi para mim é certo).

Se era crítica que  Elena,  mulher de Juan, buscava, eis a de um simples espectador, que em muito se viu no espetáculo.
Vi-me em suas falas e coreografias. Fui mulher, fui celo, fui Juan, fui você. Como é bom em plena quinta quente ser parte de uma peça tão envolvente. Mil vezes recomendo. Quem viu viajou, quem não viu não perca a próxima apresentação. Quando a peça chegar a Ouro Preto, e tenho certeza que vai rodar mundo, peço: não perca.

Só me resta dizer Bravo! Bravíssimo Maria de Maria! Espero te ver sempre em palco. Usando modernos tempos: curti e te sigo.

"E flutuou no ar como se fosse um pássaro"

(*) Intervenções grifadas da obra "Construção" de Chico Buarque não são meras coincidências







Publicado em Olha no Diário ( Diário do Comércio ) em 25 de outubro de 2017