segunda-feira, fevereiro 26

Flores (uma crônica margarida)

Era uma vez uma linda e serelepe margarida. Leve e solta vivia a cantar e a escrever lindos e doces poemas. Adorava se deixar ao vento, onde suas pétalas coloridas eram por ele acariciadas. Ali, com as gotas de orvalho, se banhava em versos e seu bom dia era como uma prece, onde agradecia a beleza da vida. Cada dia vestia uma cor. Ora branca, ora amarela ou um reluzente laranja. As cores vinham de seus pensamentos, de seus sonhos e, transparente que era, se deixava assim enfeitar.

Um sorriso lindo a deixava mais e mais bonita. Seu sonho sempre foi vestir chita e correr vereda, acompanhada de borboletas formosas, abelhas com seu perfume de mel e beija-flores em bater de asas, abrindo caminho entre o dourado capim fresco da manhã. Mesmo impedida, não se sentia triste, pois todos os seu lindos sonhos a conduziam por este caminho de formosura e ela, com seu vestido de chita rodopiava feliz.

Era a margarida mais bonita entre tantas, e sua inimaginável beleza não vinha apenas de suas cores, de seu pólen mágico de Pirlimpimpim. Possuía uma energia inesgotável de bem fazer, de alegrar crianças, velhos e gentes que passavam por seu caminho. Em meio a tantas, se destacava, sua energia podia ser sentida de um longe ver. As noites eram de muita prosa e cantar, as estrelas brilhavam enciumadas: como pode uma simples Margarida brilhar mais do que nós? Perguntavam amuadas.

Seus amigos vaga-lumes formavam colares e em seu entorno, como enfeites de Natal, pequenas aranhas teciam toda noite seu vestido de chita com a mais pura seda que eram capazes de produzir. Ali a lua em seu nova/cheia se deixava ficar a escutar a cristalina voz da Margarida que também se punha a contar histórias de lonjuras, de mistérios de amores perdidos.

Um belo dia a Margarida conheceu um rude, triste, confuso e mal-humorado espécie de flor. Não tinha cor nem brilho, suas poucas pétalas pareciam queimadas por frio intenso de geada, chamuscadas de alguma queimada.

Sem perfume, quase sem vida, o tal suspirava abafado e compulsivamente. Tinha muitos espinhos, com caule áspero e seco.

Incomodada com tamanha melancolia, a mágica Margarida tentou um ligeiro aproximar. Estendeu gentil folhinha do mais puro verde, quase tristeza em forma de planta.

Para seu espanto, recebeu em troca um cálido sorriso e um afastar ligeiro.

Quis saber o motivo de tamanha amargura. Soube assim:

Fora belo sem ser narciso, feliz um dia. Não, muitos dias. Vivia com outra flor de fortes cores e perfumes deslumbrantes e pensava que o simples gostar, o amor de seu jeito seriam suficientes. Era rude e mal-humorado quase sempre. Vivia a buscar o que sempre teve e nunca percebeu. Não regou, não cuidou como deveria. Assim, merecidamente, perdeu seu então bem mais precioso, por puro não saber zelar.

A tristeza agora vinha do luto do naufrágio em tempestade por ele mesmo criado. Não haveria colheita futura.
A margarida condoída lhe ofereceu seu coração, suas cores, seu sorriso, suas canções.
Em impulso e sem saber bem se entregou a ela. Viveram intensa paixão e encanto. Suas folhas ganharam brilho novamente, o sol a brilhar o aquecia em carinho.
Precipitou, no pensar de amar poder outra vez.

Não era hora nem destino, pois o peso da perda ainda batia forte. Novamente em defesa, não querendo sofrer, se possível assim fosse, outra vez rude e amargo se tornou.

Assim, perdeu para sempre a bela Margarida. Novamente não soube cuidar. A felicidade lhe escorreu entre os dedos mais uma vez.

O tempo, professor em voo constante lhe ensinou.
Não sofre mais por passado, sorri sozinho tamanha tristeza sentida, livre para sempre, sem amarras, sem poita.
Hoje de penosa flor a caprichoso jardineiro pronto a zelar com carinho de sua planta.
Para as flores que um dia magoou só resta pedir desculpas por tanto sofrer. Nada será como antes, mas a primavera sempre trará flores, perfumes, amores, refúgio.
Assim Margarida seu dito muito me serve:

Se Margaridas florescerem na sua rua e isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua…
Saudade e culpa, sem remédio, sem cura?

Publicado em Voz Ativa - Ouro Preto 
Em 24/02/2018

quarta-feira, fevereiro 21

Cultura


Reunião com Secretaria de Cultura PMIC (Programa Municipal de Incentivo a Cultura) Projeto de Primeiro Livro aprovado tanto no programa municípal quanto pela Lei Rouanet a luta agora é pela captação de recursos. Aceitamos ajuda de bom grado.

Ah pela lei municipal podem ser captados recursos via  IPTU ou ISS
Pela Lei Rouanet - Renuncia Fiscal de Imposto de Renda.

terça-feira, fevereiro 20

Pescador de estrelas

Imagem NASA/ESA

Já falei para vocês da nossa mesa 15.
Da confraria ali formada há alguns anos. Dela participam as mais variadas pessoas. Citando alguns nessa salada multi profissional e cultural: temos advogados, comerciantes, juízes, promotores, professoras, contadores, DJ. Poetas, escritores, veterinária, produtora cultural, Dentistas, médicos e até, vejam este que vos fala, um misto de escritor, poeta e também veterinário de estranhos bichos
Passamos por poucas e boas. Viajamos juntos para ver a história de perto, em lugares "nunca dantes navegados" para muitos de nós. Brigamos, forte expressão, briga não, discutimos muito.

Temos gente de direita, esquerda, centro e muro. Defendemos nossos pontos de vista com fervor pátrio pouco visto.
Se dependesse da mesa quinze eleições acabariam sempre empatadas. Resolvidas talvez no par ou ímpar mas se preferir, no cara ou coroa.

Sim, temos cada pega pra capar, que nem te conto. Nem por isso nos tornamos inimigos. Depois do pau muita risada e é como se nada tivesse acontecido. Política, política, amizades a parte.
Respeito absoluto pelo livre pensar e manifestar.
E no futebol? Temos aqui atleticanos até debaixo d'água, corintiano, palmeirense, vascaíno, flamenguista. botafoguense e até cruzeirense. Mesma história, gozação não pára, amizade sólida.
Uns gritam suas ideias outros sussurram pacientes. O tom de voz não impõe vontades, sempre em tranquila paz terminam as prosas ou trovas

Gosto musical? Deus nos acuda, temos roqueiros, jazzistas, bluezeiros, MPB pura, do qual faço parte, afinal meu aprendizado vem da época em que se fazia boa música. Tem sambista, confesso sou ruim da cabeça, tem pagodeiro e até quem goste de sertanejo, mas nossas afeições não desafinam, seguem harmônicas.

Agora estamos passando pela primeira vez pela perda de um dos nossos. O querido Alcides alçou vôo. Partiu sem avisar.
Particularmente não o conheci muito, quando cheguei à mesa 15 ele ainda se fazia sempre presente, mas depois de breve tempo teve que se afastar. Continuamos a trocar prosa em nosso grupo virtual. E conheço de cor e salteado suas histórias e façanhas em barrancas de rios Brasil afora contatadas pelos amigos mais próximos e companheiros de pescada. Sim, era um apaixonado por uma boa pescaria.
Alcides companheiro, foi pescar lá no céu. Posso sentir sua paz e alegria ao ferroar um imenso e belo cometa da cauda imensa e brilhando, vejo o baita saltar como Dourado na imensidão do cosmos, rabear em tentativa vã de escapar de suas experientes mãos no trato com o molinete/carretilha . Estrelas menores de afastando, abrindo espaço, em susto com a celestial batalha. Fim de linha, Sorriso aberto nos lábios recolhe a cansada e valente presa. Mansa encosta, não é embarcada, com ligeiro afago a liberta, assim, sai lentamente a vagar no infinito procurando retomar seu eterno trajeto. Alcides, se tornou um feliz e iluminado Pescador de Estrelas e Sonhos. 

Vai fazer falta aqui, mas suas histórias cristalizadas, serão contadas sempre. Vá em paz meu amigo, vá em paz. Algum dia estaremos todos nessa beira de eternidade a navegar na mesma canoa, onde prevalecerão sempre rios piscosos e imensos em beleza e lonjura , risos e amizade. Ai posso sim, lhe pedir ensino no manejo de tanta tralha e, como em felicidade pescar tantas estrelas e tão belos sonhos. Até!

William H. Stutz
Veterinário e escritor


Jornal Voz Ativa - Ouro Preto

Jornal Uberlândia Hoje 

quinta-feira, fevereiro 15

Caça-palavras

Começou outra vez e não é de hoje. O contar novamente me some. Ideias e vontades brincam de começar e sumir esconde-esconde de impacientar. Exatamente como palavras cruzadas de revista/jornal de nível considerável. Não. Parece mais caça-palavras daquelas de circular com caneta e a maioria está de fasto ou de lado em curva. Aí fico em mato sem cachorro, acho não. Procuro as histórias e elas fogem ligeiro, não me dando tempo de rabiscar papel. Conheço bem meu sistema. A história nasce miúda, vinda de um sussurro perdido, de um ver de canto de olho, de um observar quieto. Andando meio a tais, atento sem por atenção, pois não carece, vem sozinho.

Conto o fato que de uns dias pra cá parece orquestra em afinação antes de concerto, cada um ouvindo seu próprio instrumento atento às notas. Violinos, trompete, metais em desarmonia até batuta de maestro bater desconfusão. Os sussurros se transformam em algazarra de maritacas estridentes em pé de goiaba carregado, o observar confuso de quem anda desatento, o ouvir pouco, meio que fechado. Sinto cheiro de pólvora no ar. Os assuntos andam televisivos. Todos repetindo como papagaios, que me desculpem os lindos emplumados repetidores de sons, como se lessem cartilha de alguém.

Vai tentar manifestar em público opinião bem sua, criada do seu pondero, influência alheia nenhuma, fruto seu por atenção, sem interesse de partido tomar. Um Deus nos acuda de contra-pontos e censuras, a diversidade, a pluralidade, o simples pensar. O respeito é da boca pra fora. Outro dia um amigo colocou um videozinho na rede com dizeres tipo assim: "O que acontece quando você expõe sua opinião na internet". O vídeo mostra a antológica cena de Piratas do Caribe, onde Johnny Depp na pele do capitão Jack Sparrow aparece correndo em uma praia, perseguido por centenas de nativos dispostos a jantá-lo. Hilária a participação de um solitário cachorro que se limita a latir para Sparrow e depois para a caterva enfurecida.

Aí, meu amigo, como planta sem rega vamos murchando. As palavras que deveriam compor casos vamos engolindo. Cortadas quase sempre ao meio por algum suspiro salvador. Resultado? Hoje as palavras se escondem por todo canto a me olhar, em um desafiador "vem me pegar".

Teimosia não me falta e sei que é passageiro. Acho que acontece com todo atrevido que resolve bater chapéu em caixa de letras, em cutucar pensamentos e ideias com vara curta. Hora elas revoltam e lhe dão um sumiço.

Mas a faxina já começou, saibam. Vassoura e basculho a percorrer quinas e as mais altas e escuras quinas. Depois aspirador emprestado, recolho as fujonas e em comum acordo voltamos as pazes, ao um bem querer cálido e harmônico.

Vivo de contar o vivido/sentido/passado. Sem isso flutuo em vácuo desconecto. Sinto falta de compartilhar estrelas, infinito olhar de paisagens, de trocar olhar sisudo por sorriso largo de quem perde tempo com meus rabiscos e de tentar tirar a cabeçada e o freio das convenções. E olha que tenho viajado muito, chão rodado mesmo, não só aqui dentro. Com meu livre pensar, acender velas e soltar vaga-lumes, cobrir novamente cabelos longos maravilhosamente revoltos e longos de margaridas.

Perfumes meu amigo, perfumes em letras exalar. Estou voltando, ressaqueado de super dosagens de crueldade humana, mas estou logo ali com minha tralha cheia de letras e histórias. Voltando com toda força e verdades escondidas a serem escancaradas. A porteira entreaberta me dá um sinal

Em paz, tranquilo, mas com toda disposição no falar.







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sexta-feira, fevereiro 2

Bárbaros


Praia lotada, sol a pino. Pouco se vê da faixa de areia. Um tapete multicolorido de guarda-sóis como uma plantação de cogumelos gigantes se esparrama em semicírculo sufocando a orla. O barulho infernal de rádios e toca fitas abafa o murmúrio delicado do vento e o infindável quebrar das ondas, que, aparentemente assustadas com a multidão se apressam em maré baixa, quanto maior a distância melhor. Não resolve. A cada palmo de areia produzido pelo recuo inevitável das águas, nova semeadura de cogumelos de pano e gente, muita gente.

O ensurdecedor som eletrônico, numa mistura intolerável de estilos e gostos, mau gosto, é alucinante, de sertanejo a reggae, brega chic e sambinhas, funk quebra-barraco e falcões latinos. Tudo misturado e alto.

As aves por falta de árvores se apinham, lado a lado em pânico silencioso em parapeitos de prédios. Mães à milanesa aos berros com crianças com baldinhos e bóias. Pais sonolentos de calção e camisa pólo. Cerveja e churrasquinho murmuram palavrões irritados.

No mar jet skis manobram perigosamente entre humanos de narizes brancos de pomada. Os corais submersos escondem peixes de olhos arregalados e paralisados de medo.

Volta e meia dentre os panos redondos despontam estandartes bizarros alguns com camarões mumificados espetados cheirando a fumaça e cebola sempre seguidos por bando de moscas a lutar contra as poucos e raras rajadas de vento que milagrosamente conseguem romper a barreira humana e seus acampamentos de lazer. Outros desfilam por sobre a falsa sombra melosos chumaços de melados algodões doce.

O perfume da maresia é substituído por impensável fusão de colônias, cremes protetores, bronzeadores, suor e álcool.

Algazarra de um dia inteiro. Invasão destruidora, nociva. O vermelho da tarde anuncia uma debandada geral, como decompositores saciados a horda se retira rumorosa. Bêbada, cansada, ardendo em rubra pele.

Aos poucos novamente se ouve a brisa e as ondas, um guruça de olhos em pé lentamente se aventura para fora de sua toca, hoje particularmente fez jus a seu apelido, caranguejo fantasma, passou um dia inteiro invisível. Ensaia tímidos passos em direção à água, estica o pescoço que não possui, observa. Montanhas de destroços espalhados ao longo de toda a praia, restos de um saque ou de um banquete dantesco. Silêncio e breu. Com repugnância o pequeno estica as patas para o mar/óleo ainda gelatinoso. Sinais dos tempos, sinais dos ventos. Mergulha prendendo a respiração.








Publicado Jornal Voz Ativa - Outro Preto