“Ninguém recebe agradecimento por estar certo”
Escritor e matemático John Casti
As Angolas antes arteiras e velozes, se recusam agrupar na grama forçadamente verde por molhança inútil de mangueira. Mesmo percebendo movimento diferente a preguiça as deixa assim, um quase inaudível “Tô...”, o “fraco” da cantiga, é engolido seco com a umidade de deserto...
O vento se atreve mormo. O sol indomável explode nas paredes dos muros e as transformam em barro de fornos de carvoeiras.
A noite vai custar a chegar. Mas como sempre o tempo não dá trégua e cauteloso avança. O chegar do fim dia calor não respeita e fica. As pás dos ventiladores movem ar morno. A secura parece amainar. Pura impressão.
As cigarras arriscam um canto de namoro.
Promessa de chuva perto? Antes era assim. Hoje? Vai saber, os bichos e seus fazeres
foram mudados por nós, na bruta.
Lá embaixo, beirando brejo sapos em muito
cantar saúdam o chegar da noite. Não, não conseguimos destruir o ciclo da
vida dos pequenos. A sinfonia tanto dos sapos quanto das cigarras anuncia sim
que logo as águas vão voltar. Não deu outra, as águas deram o delicioso ar da graça em
plena segunda-feira, o som cadenciado nas telhas me acordou em plena madrugada.
Pela janela a ver a festa. Durou pouco é verdade, mas lavou o céu e muitas
almas. Amanheceu com sabiá cantando. Sei que poucos notam, mas fui acostumado
assim.
Falo baixo demais segundo algumas pessoas e
sempre me fiz longe de gritaria humana onde todos falam ao mesmo tempo e
ninguém escuta ninguém. Com outros viventes, das pequenas abelhas Lambe-Olhos com seu milímetro e meio aos imensos jequitibás-rosa me dou melhor. Falo com plantas e bichos e
podem acreditar elas respondem. Um dia, tempos atrás, semente de lichia foi
gentilmente colocada em um vaso de minha horta. Anos se passaram, mas ela,
indiferente ao tempo, teimava em se deixar quando a de palmo e meio de altura chegou. Sentei
bem perto passei os dedos entre suas folhas então ásperas e cochichei baixinho
recado de última chance. Ia transportá-la para vaso pequenino dando espaço para
outra planta. Dois dias se passaram e os brotos em tons claros de um verde
macio surgiram. Podem me dizer louco, mas assim aconteceu.
Com bichos e plantas tenho troca, com humanos
quase nunca.
As inter-relações humanas
são, maneira geral, tóxicas. Sentimentos ancestrais afloram com facilidade não
em mim, bom eventualmente sim, não fujo a regra, porém aprendi controlar
e calar, mas noto em algumas pessoas de meu convívio pessoal e virtual: ódio,
inveja, arrogância, competição. O simples fato de não ser ouvido em uma
conversa deixa escancarado o mais primitivo sentir brotando dos grotões da
consciência humana.
Tente conversar com um maluco terraplanista ou
um antivacina. Assim também se dá com um fascista, um xenofóbico, um racista ou
misógino. Me desculpe o excesso de pleonasmos. Boa sorte com seu monólogo. Ou
melhor não perca seu tempo, deixa prá lá, nada de bom vai receber. Exemplifico:
Estou em alguns grupos de WhatsApp por pura educação, pois nunca, nem escrever
neles escrevo, mas também nada leio. Toda noite vou lá e limpo a conversa, só
tem bobagem e um ranço triste. Claro, gosto de alguns e é por respeito a
estes que ainda fico, por enquanto.
Um dia
deixo de lado as bobagens e saio desse convívio tão perigoso e peçonhento
quanto sala de fumante.
Céus, sim ao céu e à chuva voltemos. Preciso aprender a fugir de devaneios com tanta frequência.
A chuva. E nós, algum tempo depois das chuvas começaremos a reclamar do excesso dela . Eterna insatisfação, o ser humano desconhece felicidade plena.
Verão, ovos nas cercas e rezas para Santa Bárbara
pedindo o fim das redentoras águas.
O calor, o incomodo passado do quase irrespirável
ar seco em poeira e fumaça serão rapidamente esquecidas. As conversas, ah as
conversas...
Será quando que vai estiar de vez? Pô essa
chuvarada não passa? São Pedro está apelando...
E as florestas ardendo em criminosas chamas
outra vez. Um ciclo de destruição que a cada dia nos leva mais próximos da
extinção. O planeta terra agradecerá. Não faremos falta
“Destruam as cidades e as florestas
renascerão, destruam as florestas e as cidades sucumbirão”
E ninguém por nós, ninguém pela vida.
Publicado em Diário de Uberlândia em 25 de setembro de 2020