sexta-feira, dezembro 3

Uma palavra pode derrubar o governo

A força da palavra somada à uma boa dose de tola curiosidade leva muita gente a ser guiada por uma simples “cabeça” de matéria. Segundo alguns Manuais de Redação, ou vocês acham que não pesquisei os principais jargões de redação jornalística? Bom, segundo destes manuais recomendam que a tal “cabeça” seja forte e impressionante a ponto, e é claro este é o objetivo, seja de tamanho impacto que possa chamar atenção do leitor e quase que automaticamente obrigá-lo a deitar olhos sobre o texto. Aí vem minha birra ou se preferir, implicância com alguns espertos que escrevem. 

Concordo que o Título é superimportante e deve mesmo ser isca boa para prender leitor, mas tudo tem limite. Não carece ser enganoso como tantos que por ai vemos. Se o noticiarista, seja ele diário ou “freela”, tem que ter certa noção do estrago ou da irritação que pode causar ao abusar do tal “impacto” ou isca de seu texto. Ora sejamos. Outro dia me deparei com uma “manchete” mais ou menos assim: “Famosa, bonita e rica, Ana Hickmann fatura prêmio acumulado da Mega e soma mais alguns milhões a sua conta bancária”. Em rápido pensar me pus a analisar o que li. Sei que existem muitos paparazzicorrendo mundo como um Labrador ou Golden Retriever (relaxa... a comparação não é nenhuma ofensa partindo de mim pois curto muito mais os animais do que os humanos) atrás de uma imagem inédita de alguma super celebridade em situação inusitada que possa lhe render alguns bons dólares. Mas sei também existem muito paparazzo, (pausa para um pouco de cultura inútil: paparazzo é o singular de paparazzi), estes eu chamo de retratistas.  Como seria a denominação de um jornalista especialista em cabeças de matérias enganosas?

Voltando a atriz e apresentadora Ana Hickmann e sua suposta mega sorte.

O “corpo” da matéria continha uma história besta sobre um cartomante, ou vidente sei lá, sapecou “Segundo o espiritualista, a apresentadora pode ganhar na Mega Sena e ficar ainda mais rica.” Ou seja, nada de verdadeiro o peixe-leitor foi fisgado direitinho

Tudo não passa de um belo “Nariz de Cera” – o Dicionário do Foca explica: “Tenha certeza de que não tem nada a ver com museus ou esculturas. Segundo o “Manual do Foca: guia de sobrevivência para jornalistas”, o termo “nariz de cera” dá nome a introduções de matérias que são muito longas e vagas, sem dados exatos. Basicamente é a famosa “enrolação”. (*)

Passear na web é uma aventura e um grande exercício de interpretação e malícia se assim não for você vai passar horas sem querer nas chamadas do tipo bela Ana Hickmann ou em outra tipo “Você se lembra de fulano de tal? – se controle para não chorar quando ver como ele vive hoje”

A última que do nada apareceu num site de busca estrategicamente colocado entre os resultados de busca – algum algoritmo  deve ter me identificado como imbecil e me persegue web a fora – Mas a ultima foi cômica simplesmente dava um alerta: “ Globo encerra atividades na TV aberta, emite comunicado ao público e confirma último dia no ar: “31 de dezembro”. Cocei o queixo antes de clicar no link. Matutei, como que um povo tão culto e antenado vai viver sem a novela das oito, sem os “inéditos” Vale a pena ver de novo? Sem o mais grave, sem dar o sonoro boa noite para o Bonner ao fim do Jornal Nacional? Apesar de destorcida não pode ser caracterizado como uma “Barriga” ou fake. Pura esperteza isso sim!

Mesmo sabendo que lá vinha sacanagem cliquei sim a Globo encerra atividades na TV aberta, emite comunicado ao público e confirma último dia no ar: “31 de dezembro” mas em países como Alemanha, Espanha, França e Itália.... - https://www.otvfoco.com.br/globo-deixa-tv-aberta-e-confirma-ultimo-dia-no-ar-31-de-dezembro/

Comecei foi a rir, pois cai a armadilha sabendo. Mas o que importa para a TV Foco da própria Globo são os clicks e visualizações e assim ajudei a “Vênus platinada ” apelida da assim segundo o apaixonado pela história da televisão no Brasil, Márcio Menezes: “Esse apelido surgiu em 76, quando funcionários da Globo trocaram de sede após um incêndio na antiga, a faixada do prédio foi pintada de prata a pedido de Hans Donner e ai o apelido acabou pegando.”   Assim pois, repito ajudei nas suas estatísticas mercadológicas e estas sim interessam muito pois abre os olhos de patrocinadoras.  Todo cuidado é pouco fica esperto. 

Aproveitando as dicas do Manual do foca” vou ficar atento para saber qual será o “olho” desta crônica e ainda, para agradar a Redação passo a seguir o conselho “a produção é feita dentro do padrão “Arial 12”. Já em jornais e revistas, os tamanhos geralmente são 10” Me corrija Redação se estiver errado

Pois então se você acredita em tudo até que “uma palavra derruba o governo” redobre atenção duas vezes

 “Nota pé”

(*) Os termos de redação de jornalismo e significados foram coletados no site DICIONÁRIO DO FOCA - Anatomia dos jargões: da cabeça à nota pé - http://facopp.unoeste.br/facopp/anatomia-dos-jargoes-da-cabeca-a-nota-pe/





03/12/2021

segunda-feira, junho 28

Domingo, palco azul

 



— O medo que tens— é que faz, Sancho, que nem vejas, nem ouças às direitas, porque um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são. Se tão medroso és, retira-te para onde quiseres, e deixa-me só, que basto eu para dar a vitória à parcialidade a quem ajude.

Dom Quixote de la Mancha - Miguel de Cervantes

 

Se fosse minha velha Remington, o inexistente cesto de papéis e seu entorno estariam cheios de folhas amassadas, rasgadas, arrancadas à força do carro da máquina e atiradas longe junto com a falta de inspiração.

A ideia demora a se fazer vista em sua plenitude e ficarem devidamente alinhadas como linha de papagaio bem esticada deixando suas cores da ave de papel a tremular pairando em um céu azul de tempos de inverno que acabou de chegar. Mas não. Mais uma vez a linha se faz em barrigada perigosa. Presa fácil para uma laçada. E eu chorando “de cara suja/ Meu papagaio o vento carregou/ E lá se foi pra nunca mais/ Linha nova que pai comprou…” a espera de uma Maria Solidária a me salvar.

Fico a imaginar se todos que escrevem passam por isso. O dia da folha totalmente branca. Ideias são muitas, porém nem sempre se consegue arrancá-las do fundo da alma e deixá-las expostas em sua nudez pura. Sim, as ideias, assim como os pensamentos, estão eternamente despidos à espera de que você, eu, ou alguém os vista da forma imaginada. Podem ser fantasticamente coloridos, risonhos bailarinos ou artistas de circo, onde podemos preencher o palco e a plateia conforme nossa vontade. Hoje tem marmelada !???? Tem sim senhor!!! Ou podemos deixá-los às escuras, puras sombras sem movimento, sem risos, sem aplausos. Hoje tem goiabada!? Agora em murmúrio. Tem não senhor... em coro de vozes tristes e sussurradas das coxias: Tem não senhor... Tem não senhor...

Luzes! Cores! Música! Que entrem os mais belos e ricos pensamentos em forma de lindos cavalos brancos enfeitados de ouro e prata a contornar um picadeiro repleto de gritos e aplausos! Que entrem os palhaços com suas cambalhotas e brincadeiras, que atirem baldes de pétalas de flores ao respeitável público! Acrobatas lindas com seus cabelos em cachos negros e vestes reluzentes a cortar os céus com perícia e delicadeza, arrancando suspiros apaixonados ou gritos de medo! Sei bem que muitos torcem pela queda, pela tragédia. Mas eles que vistam os seus pensamentos ruins com a roupagem que lhes aprouver. No meu circo, meu palco de sonhos não tem lugar para o assim pensar. Sim, pode como já disse, ficar escuro e sem goiabada em alguns momentos. Mas sempre haverá esperança de sons, risos e cores...

Se me propusesse a falar apenas sobre um tema toda semana, ficaria mais simples. Não apenas seria extremamente maçante e sem graça, seria triste e vazio. Mesmo em momentos tão confusos e de pouca esperança como estes que estamos vivendo, mesmo frente a tanta discórdia e inimizades surgindo a cada dia por um nada. Acredite, cada um tem seu palco, seu jardim, sua estrada e o caminho e as peças que quiser ali colocar são sempre aquelas que você escolher por companhia. Nem todos os dias serão de sol e céu de pleno azul. As tormentas e tempestades tem sua hora e lugar. Elas passarão. Assim, não tenha medo jamais do trovão, pois ele e seu rugido/rolar significam que o raio já caiu em outro lugar longe e você venceu mais um dia. Recolha as bolas de papel atiradas no seu cesto, remende as folhas rasgadas. Para seu espanto, a até então folha em branco mostrará o quanto pode existir felicidade e criação a partir do vazio. Sonhos são para ser não apenas sonhados, viva-os intensamente. Avante, sempre.

 

“À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo.” — Dom Quixote







Diário de Uberlândia - Junho 2021

sexta-feira, maio 7

Como morrem as amizades

 



Como morrem as amizades

Título pesado não é mesmo? Talvez seja mais para chamar atenção de incauto leitor, que passaria os olhos sobre meus escritos no jornal como um trator. Jogada de marketing digital, posto que não temos mais o espaço em papel às sextas? Pescaria de leitura, tendo como isca títulos atrativos que, como uma “chamada de capa” e sua frase impactante sobre a matéria, na maioria das vezes em nada condizem com o conteúdo? Ou será uma sensação verdadeira que estou experimentando? Caras e caros, julguem vocês, por favor.

O lance é que estamos vivendo o período mais louco de nossas vidas, mesmo para aqueles que têm TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) como o “rei” Roberto Carlos, segundo ele próprio declarou em uma entrevista por videochamada na comemoração de seus oitenta anos. Não é fofoca de folhetim ou invenção.

Para quem sofre as pressões horríveis do TOC estamos finalmente vivendo em um mundo que lhes é familiar, no qual as pessoas não mais se tocam, lavam as mãos infinitas vezes ao dia, se banham de álcool em gel, se evitam, não visitam e nem sentam em seu sofá. Em sua sofrência muitos têm seus truques e reservam sempre um copo, talheres e prato para “intrusos”. Depois de alguma visita incômoda, usam luvas e lavam estes objetos com bucha especial, separada para isto. Em seguida a este ritual ainda vem o spray de álcool salvador e, em suas mentes, matador de tudo quanto há de perigoso. Talvez isto se repita uma, duas ou até três vezes para que se sintam tranqüilos (as). 

Conheço bem o sofrimento de quem convive com esse transtorno. Tenho o maior respeito por eles e se sugestão pudesse dar seria que se tratem, procurem ajuda, pois a vida é muito curta para que a deixemos passar com tanto sofrimento. Posso falar de cadeira. Fui agorafóbico e tinha crises de pânico, que por anos a fio me incapacitaram e me fizeram perder muito. Demorou, mas venci e hoje tento o impossível, recuperar o tempo perdido. Difícil. O tempo você pode até pensar que recuperou, mas os sentimentos, oportunidades, pessoas que perdeu jamais.

Porém, se a situação está cômoda, em termos, para os portadores de TOC, para o resto da humanidade está um caos. Vivemos à flor da pele. O que antes passaria batido ou acompanhado de um simples suspiro, hoje gera reações de raiva, repulsa e revolta. 

Até bem pouco tempo se alguém em sua mesa de bar ou em alguma rede social fizesse apologia ao fascismo, que nos ronda e avança com força pouco vista depois do fatídico golpe de 64, o máximo que fazíamos era um balançar e coçar de cabeça e um deixa pra lá. Hoje? Não fica sem resposta agressiva e vira um quebra pau! Gente, gente, parem com isso! Nunca. Bloqueia-se. Exclui-se de sua lista

E isto depois de muito xingar. É de arrepiar quando ouvimos os argumentos reducionistas, sem base alguma sobre comunismo e socialismo, como se os dois fossem sinônimos. Só para ilustrar dou lista curtinha de alguns países socialistas Noruega, Suíça, Espanha e Dinamarca todos sociais-democratas socialistas e/ou trabalhistas e tem Israel no oriente médio também. 

Agora depois que ouvi da boca de fanáticos apoiadores do mito que o Caiado de Goiás era comunista pois bateu de frente com uma manifestação/aglomerada de apoio ao Messias presidente, encerrei qualquer tipo de conversa sobre política com essa gente. Palavras ao vento.

No futebol, outro assunto que era apenas motivo de gozações sadias e divertidas, eram as zombarias dirigidas aos Flamenguistas, odiados por quase todas as outras torcidas. Quando perdiam, qualquer coisa era motivo de mofa sem fim, até em disputa de remo (afinal é o Regatas que carregam no peito) ou mesmo em campeonatos de bolinha de gude. Nada escapava da zoeira. Hoje dá briga e criam-se inimizades facinho, facinho (diminutivo esse que usamos inventado, mas bom demais da conta de falar). Gozação virou coisa séria. 

Outra coisa que se tornou ainda mais perigosa nestes tempos difíceis foi a franqueza. Esta hoje é catalizadora em relações de qualquer espécie. Quer perder um amigo, seja franco. O apoie quando está com raiva e usa os piores adjetivos contra algo ou alguém, mas saiba que, assim que ele ou ela resolver seus conflitos e o objeto de seu ódio passar se voltará contra você.

 Todos aqueles xingamentos que ele (ou ela) professou serão creditados a você e aí meu caro, minha cara, a ira se voltará contra sua pessoa. A velha amizade, sentimento de fraternidade, “tamo junto”, vão para o espaço. Você sempre sairá perdendo. Vivendo e aprendendo, em alguns assuntos, seja em época doida ou normal, o melhor é ouvir e por mais provocado a compartilhar a dor e os desejos momentâneos do amigo/amiga, fique quietinho. No máximo balance a cabeça. E olhe, até esse movimento e sua melhor cara de paisagem podem futuramente pesar contra você.

Gente humana é muito esquisita, se cuide, pois o que foi construído em décadas pode ruir por uma bobagem que nem plantada por você foi.

Ah, meu amigo em espírito Guimarães Rosa, qual estrela lhe guiou a pena ao escrever “Amizade dada é amor. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios.”

 




Publicado em  Diário de Uberlândia em 07 de de abril 2021

 

 

 

 

 

 

 


sexta-feira, abril 23

Noé o dilúvio e a Covid

 

“Noé foi um homem justo e perfeito em sua geração”, afirma a Torá. Sua vida e suas ações se entrelaçam com o Grande Dilúvio que varreu a Terra no início da história, destruindo toda a humanidade, à exceção dele e de seus familiares.” Revista Morasha Edição 43 - Dezembro de 2003.

"O remédio para o mal sempre precede o próprio mal.”

Uma singela charge que recebi pelo WhatsApp me trouxe um pensar diferente. Nela, se via ao fundo a Arca de Noé e os casais de animais enfileirados, tranqüilos, esperando sua vez de entrar. Em primeiro plano um casal de unicórnios se afastava em direção oposta, enquanto o macho sussurrava aos ouvidos de sua companheira de longos cílios e olhar tenro: “Preocupa não, vai ser uma chuvinha”

Relata a Torá, que desde a época de Enosh, filho de Seth e neto de Adão, os homens haviam progressivamente se desviado do caminho do bem, corrompendo-se moralmente. A geração que vivia na época de Noé, conhecida como a "Geração do Dilúvio", era depravada e degenerada em todos os sentidos (a Torá, conhecida também como Pentateuco, é o conjunto dos primeiros cinco livros da Bíblia e é a base da religião judaica).

Depois de muito tentar, penso eu que já de saco cheio, “D’us finalmente decide pôr um fim à maldade reinante, eliminando da face da Terra todos os seres vivos (Gênese 6:7). Após a destruição, Ele daria início a uma nova geração de homens.”

Não meu caro leitor, minha cara leitora, não pretendo aqui falar de religiosidades. Respeito todos aqueles que professam o bem independente de matrizes religiosas, seja ela indígena, ocidental, africana ou oriental. O fato de ser gnóstico me permite essa liberdade de pensar.

Voltando à charge da Arca e dos unicórnios, me deixei levar pelas mensagens ali contidas. Poderia ser uma referência darwiniana (chutei longe) a explicar a extinção de animais mitológicos e fantasiosos, como dragões, fadas, gnomos, caiporas, sacis e tantos outros que povoam o imaginário popular mundial. Mas não, viagem descartada, pois estes foram salvos e eternizados nas profundezas das arcas mentais dos povos que viriam e renasceriam como Fênix. Ela própria pensava-se perdida sob as águas do Diluvio “purificador”.

Porém, a verdade é que não dá nem para duvidar do recado dado. Vejam, e aí é outra viagem minha, o Brasil como sendo o mundo e na pressa de construir uma “Arca”, encontramos sim uma verdadeira Babel. Olha aí eu novamente me remetendo às escrituras, em particular ao capítulo onze de Gênesis, no qual o conflito de ideias é fomentando por lideranças de comportamento tresloucado, insensível e que chega às raias do sadismo. Negacionistas de berço e que preferem a confusão de uma Babel ao entendimento racional, científico e lógico da situação pré-diluviana que estamos vivendo. Meu receio maior é pelo que está no porvindouro dessa triste história. Poderíamos classificar a atual pandemia como o dilúvio contemporâneo, mas seria uma injustiça, para não dizer um insulto, jogar a culpa na Divindade Maior, como se D’us outra vez quisesse punir a humanidade. Não! Em pleno século XXI, a raça humana cada vez mais depreda, esbanja os já parcos recursos e quem deveria zelar pela natureza, pelos ecossistemas agredidos, pelo planeta em agonia, tange boiada para rápido ir passando. Criminosos! Não, o Sars-CoV-2, causador da atual pandemia de covid-19, não é um “castigo Divino”. Castigo e cruel é a inoperância em seu combate, a politização da doença: Quem é de esquerda usa máscara e apoia a vacina, quem é direita, em sua maioria, como unicórnios em extinção, a considera uma “gripezinha”. Há aqueles que diziam em tom de deboche que os mortos não passariam de uns 800 (?). Total falta de respeito com toda uma população. Hoje, quando já ultrapassamos 370.000 vidas levadas e nosso país ainda continua acéfalo de uma coordenação única, capaz de unir a todos em discurso e posturas proativas, que podem muito bem reduzir radicalmente o avanço da doença. Ao contrário, as lideranças maiores continuam agindo em parceria com o vírus. Seus seguidores, como que hipnotizados ou drogados pelas posturas inadequadas, irresponsáveis, perigosas, continuam a aplaudir com os olhos vidrados todas as perversidades de seu mito.

Nossa gente recebendo vacina às migalhas por falta de responsabilidade gestora e diplomática.

Nos falta urgente, como dito lá no começo “(...), um homem justo e perfeito em (nossa) geração (...). Falta-nos um Noé. Que venha o Dilúvio e leve a boiada água abaixo.

 

Post Scritum: Todas as referências à Torá e a Noé foram retiradas do site http://www.morasha.com.br, da própria Torá e da Revista Morasha da qual sou assinante.

 




Publicado em Diário de Uberlândia en 23 de abril 2021 ( Dia de São Jorge/Ogum)

terça-feira, abril 13

Sons de outono

 

Sons de outono

O arrastar cadenciado da piaçava penteando o chão seco vai dando um sono de sonho. Nem de vez outono direito e as folhas, para desespero de alguns, começam a desnudar as árvores. Para uns lixo a sujar, para mim uma passagem bela e hora de merecido recolher. Desde criança adorava pisar nas folhas secas e ouvir os diferentes sons produzidos. Seguia em meio aos  frondosos fícus da Bernardo Monteiro só para pisar em suas frutinhas em delicioso estalar. Ah, os Ficus de minha Belo Horizonte! Flávia Ayer contou em 2011 no Jornal Estado de Minas um breve relato do fim de inúmeras dessas árvores:Na década de 1960, Belo Horizonte assistiu ao corte de árvores até então mais polêmico de sua história. Na madrugada de 20 de novembro de 1963, cerca de 350 fícus foram cortados da Avenida Afonso Pena, na Região Centro-Sul. Oficialmente, a derrubada do corredor verde era justificada pela proliferação dos insetos Gynaikothrips ficorum, os tripes, batizados popularmente como “amintinhas”, numa referência ao então prefeito de BH, Amintas de Barros (1959 a 1963).

Outra versão, no entanto, aponta que a eliminação das árvores seria, na verdade, para alargar a Afonso Pena e dar lugar aos automóveis que chegavam às ruas, com o crescimento vertiginoso da capital, que passava de 350 mil habitantes na década de 1950 para 700 mil 10 anos depois.

Atrasava para a porta do Grupo Escolar, o Instituto de Educação. O ano era 1961. Eu e meus 7 anos de idade. Lá em casa todos já sentiam cheiro pútrido de algo no ar, que se consolidou em sombras em um março de 64. O jeito era mudar outra vez e permanentemente para os EUA. Mas a vida dá voltas e planos mudam todo dia.

Ponho atenção na preguiçosa vassoura, o tom não era de piaçava. O arrastar tinha sotaque diferente. Vou à janela conferir. Sabia! Era de folha de buriti. O som é mais arrastado e demora mais a intercalar. Senti cheiro de quintal de terra batida. São Sebastião do Pontal me veio. Pulou do velho HD das lembranças.

O céu se pintou de luz e o azul próprio da estação do fim das águas parecia trazer paz. Lá fora o mundo. Os sons de outono. Na minha varanda uma multidão de pequenas abelhas Jataí flutuava em coro mudo. Zangões a espera de uma princesa. Colmeia ia enxamear. Os hormônios, que só eles percebem, os excitam. Assim que a futura rainha sair em seu primeiro e único voo nupcial será perseguida por estes, cuja única função é desposar a abelha-mestra. Mas tudo tem um preço na natureza. Uma vez feita monarca o ex-futuro-jamais Rei terá morte lenta e dolorosa e a vida de uma nova colmeia surgirá em esplendor mágico.

As folhas de buriti continuam seu carinhoso arrastar. Uma leve brisa agita os sete sinos da felicidade pendurados entre minhas plantas e acalmam, a ponto de esquecer por alguns segundos a tragédia que assola o planeta.

Outro som, não de outono exatamente, mas que se faz destacar no silêncio de minha insulação, é o bater de antigo relógio de parede a contar o tempo desde meados do século XIX. Sua marca? Ansonia Clock Company.

Ansonia, não poderia ser mais apropriado. Quando o relógio chegou pelas mãos de Marília, uma admiradora e estudiosa de peças antigas, eu quase fiquei maluco. Tenho ouvido de tísico e ouço o que quase ninguém escuta. Daí talvez meu humor sempre ruim e só encontrando paz nas pequenas e silenciosas coisas da vida que me cercam. O tic-tac eterno e o bater das horas cheias e das meias horas me enlouquecia. Durante o dia menos. Mas dava noite, era um suplício. Um meio despertar a cada meia hora. Chegamos a um a acordo e à noite parávamos o pêndulo. Santo remédio para meus ouvidos. Mas não foi nada não. Marília viajando e eu só em meus silêncios. No tempo tamanho de um ficar me dei conta de algo a incomodar. Não achava o que era, por mais que puxasse do pensar. Até que, num reflexo... O som do relógio! Era ele que me fazia companhia junto com a sinfonia afinada de sinos, passarinhos, pio/ cantar de corujas, deliciosos chiados de morcegos a caçar, canto longe de galos, miados de gatos e embalador vento nas folhas das palmeiras a imitar o bater de ondas! O relógio regia a orquestra ou senão ditava alguma métrica. Em resumo, era o metrônomo da minha trilha sonora. Corda dada, acerto de horas e aqui está às minhas costas, em seu tiquetaquear enquanto escrevo. “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Continuo só por mais um tempo, mas a musicalidade do passar do tempo está normalizada. Diminui saudade um pouquinho só.

O varrer já se vai longe, mas ainda escuto seu arranhar mandrio. Contei que tenho ouvidos de tísico, o grito das Angolas parece mil trombetas desafinadas. Bênção e tormento.

 



Veterinário e Escritor

Diário de Uberlândia  9 de abril 2021