Dom
Quixote de
la Mancha - Miguel de Cervantes
Se fosse minha velha Remington, o inexistente cesto de
papéis e seu entorno estariam cheios de folhas amassadas, rasgadas, arrancadas
à força do carro da máquina e atiradas longe junto com a falta de inspiração.
A ideia demora a se fazer vista em sua plenitude e
ficarem devidamente alinhadas como linha de papagaio bem esticada deixando suas
cores da ave de papel a tremular pairando em um céu azul de tempos de inverno
que acabou de chegar. Mas não. Mais uma vez a linha se faz em barrigada
perigosa. Presa fácil para uma laçada. E eu chorando “de cara suja/
Meu
papagaio o vento carregou/ E lá se foi pra nunca mais/ Linha nova que pai comprou…” a
espera de uma Maria Solidária a me salvar.
Fico
a imaginar se todos que escrevem passam por isso. O dia da folha totalmente
branca. Ideias são muitas, porém nem sempre se consegue arrancá-las do fundo da
alma e deixá-las expostas em sua nudez pura. Sim, as ideias, assim como os
pensamentos, estão eternamente despidos à espera de que você, eu, ou alguém os
vista da forma imaginada. Podem ser fantasticamente coloridos, risonhos bailarinos
ou artistas de circo, onde podemos preencher o palco e a plateia conforme nossa
vontade. Hoje tem marmelada !???? Tem sim senhor!!! Ou podemos deixá-los às
escuras, puras sombras sem movimento, sem risos, sem aplausos. Hoje tem
goiabada!? Agora em murmúrio. Tem não senhor... em coro de vozes tristes e
sussurradas das coxias: Tem não senhor... Tem não senhor...
Luzes!
Cores! Música! Que entrem os mais belos e ricos pensamentos em forma de lindos
cavalos brancos enfeitados de ouro e prata a contornar um picadeiro repleto de gritos
e aplausos! Que entrem os palhaços com suas cambalhotas e brincadeiras, que
atirem baldes de pétalas de flores ao respeitável público! Acrobatas lindas com
seus cabelos em cachos negros e vestes reluzentes a cortar os céus com perícia
e delicadeza, arrancando suspiros apaixonados ou gritos de medo! Sei bem que
muitos torcem pela queda, pela tragédia. Mas eles que vistam os seus
pensamentos ruins com a roupagem que lhes aprouver. No meu circo, meu palco de
sonhos não tem lugar para o assim pensar. Sim, pode como já disse, ficar escuro
e sem goiabada em alguns momentos. Mas sempre haverá esperança de sons, risos e
cores...
Se me propusesse a falar apenas sobre um tema toda semana,
ficaria mais simples. Não apenas seria extremamente maçante e sem graça, seria
triste e vazio. Mesmo em momentos tão confusos e de pouca esperança como estes
que estamos vivendo, mesmo frente a tanta discórdia e inimizades surgindo a
cada dia por um nada. Acredite, cada um tem seu palco, seu jardim, sua estrada
e o caminho e as peças que quiser ali colocar são sempre aquelas que você
escolher por companhia. Nem todos os dias serão de sol e céu de pleno azul. As
tormentas e tempestades tem sua hora e lugar. Elas passarão. Assim, não tenha
medo jamais do trovão, pois ele e seu rugido/rolar significam que o raio já
caiu em outro lugar longe e você venceu mais um dia. Recolha as bolas de papel
atiradas no seu cesto, remende as folhas rasgadas. Para seu espanto, a até
então folha em branco mostrará o quanto pode existir felicidade e criação a
partir do vazio. Sonhos são para ser não apenas sonhados, viva-os intensamente.
Avante, sempre.
“À força de tanto ler e imaginar, fui
me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que
dimensão vivo.” — Dom Quixote
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