terça-feira, janeiro 13

Horário de verão

Horário de verão, não gosto, mas tem lá suas vantagens. Não sou do ramo, mas essa história de economia que dá para abastecer uma cidade do tamanho de União de Minas por uma semana não me convence. Devem existir outras formas de diminuir a tal demanda da hora de pico como a chamam. Eu prefiro me referir a ela como hora do banho, do chuveiro elétrico, da novela das seis, do happy hour.
Sei bem que não é minha praia, portanto estendo a mão à palmatória ou a cravos aos que quiseram crucificar este energético ignorante. Às poucas vantagens então.

Dia desses, à tarde depois que os terríveis e agressivos raios ultra-violeta haviam perdido sua força destruidora e aproveitando a estiagem e um dia de uma claridade ímpar, ar limpo de poeiras e queimadas, resolvi capinar "minha" horta. Explico as aspas: Primeiro não é mais uma horta na acepção da palavra, logo conto. E segundo, não é minha de papel passado.
Trata-se de terreno vizinho de muro do qual cuido há mais de vinte anos. Sempre capinei, plantei e colhi fartura naquele pedaço de chão. Milho, mandioca, abóbora, feijão de corda, maracujá, urucum, chuchu, quiabo, melancia, maxixe, pimentas e por ai a fora. Meus filhos cresceram brincando naquela terra. Com o passar do tempo, passarinhos e morcegos semearam árvores de fruta. Cada vez que seguia para capinar e dava com uma muda dessas, desviava o fio da enxada e ainda "croava" para dar mais força. Dó de derrubar tenra planta. Um dia foi um pé de maminha-de-porca que deu as caras por entre folhas e mato. Pensei lá com meu canivete corneta de lâmina gasta e cabo de osso, aliás ótimo ouvinte de meus devaneios: esse vai dar um senhor cabo de enxada quando tiver lá seus dois metros. Vai lá hoje. A espinhenta e bela mudinha de palmo está com seus 10 ou mais metros de altura, bela que só, pouso noturno de casal de gaviões e tucanos e escala de centenas de outros passarinhos. Resumo da ópera: parte de minha horta virou pomar. Com a ajuda dos bichos hoje tem pés de pitanga, limão china com fartura, amoreiras, goiabeiras várias, ameixa amarela. A acerola e o limão Taiti foram plantados. Um miúdo, outro já produzindo. Nos pés das árvores, sombra só, nasce mato mais não, mas no fundo da área, nessa época das águas a coisa fica feia se não zelar.

Mas não é que dia desses apareceu uma placa de vende-se na cerca de lasca de aroeira que fiz para proteger de criação!

Perdi gosto e deixei de cuidar. Vinte anos e nem um sinal, um aviso para nós da intenção de passar adiante chão com tanta história para uns e nem visitada por outros. C'est La Vie, fazer o quê. Se usar cachimbo entorta a boca, cuidar da horta também vicia. Não agüentei, aproveitando a sobra de luz de um horário mudado, agarrei a enfrentar mato que já vinha dar na minha cintura.

Durante a tarefa fui agraciado com visitas inesperadas, até então eu conhecia apenas pó-de-mico, mas bem na minha frente, como a me fazer companhia e compartilhar do meu receio de perder o éden, em uma das eradas árvores nativas de um cerrado que pouco deixou de lembrança, nada mais nada menos do que doze miquinhos estrela, não sabia, havia plantado e agora colhia um pé-de-mico. Magnífica visão.

Que vendam o pequeno pedaço do paraíso verde, mas até lá, sigo cuidando. A beleza do trato compensa. Desfruto. É sina.



Janeiro 2009

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