Sei bem que não é minha praia, portanto estendo a mão à palmatória ou a cravos aos que quiseram crucificar este energético ignorante. Às poucas vantagens então.
Dia desses, à tarde depois que os terríveis e agressivos raios ultra-violeta haviam perdido sua força destruidora e aproveitando a estiagem e um dia de uma claridade ímpar, ar limpo de poeiras e queimadas, resolvi capinar "minha" horta. Explico as aspas: Primeiro não é mais uma horta na acepção da palavra, logo conto. E segundo, não é minha de papel passado.
Trata-se de terreno vizinho de muro do qual cuido há mais de vinte anos. Sempre capinei, plantei e colhi fartura naquele pedaço de chão. Milho, mandioca, abóbora, feijão de corda, maracujá, urucum, chuchu, quiabo, melancia, maxixe, pimentas e por ai a fora. Meus filhos cresceram brincando naquela terra. Com o passar do tempo, passarinhos e morcegos semearam árvores de fruta. Cada vez que seguia para capinar e dava com uma muda dessas, desviava o fio da enxada e ainda "croava" para dar mais força. Dó de derrubar tenra planta. Um dia foi um pé de maminha-de-porca que deu as caras por entre folhas e mato. Pensei lá com meu canivete corneta de lâmina gasta e cabo de osso, aliás ótimo ouvinte de meus devaneios: esse vai dar um senhor cabo de enxada quando tiver lá seus dois metros. Vai lá hoje. A espinhenta e bela mudinha de palmo está com seus 10 ou mais metros de altura, bela que só, pouso noturno de casal de gaviões e tucanos e escala de centenas de outros passarinhos. Resumo da ópera: parte de minha horta virou pomar. Com a ajuda dos bichos hoje tem pés de pitanga, limão china com fartura, amoreiras, goiabeiras várias, ameixa amarela. A acerola e o limão Taiti foram plantados. Um miúdo, outro já produzindo. Nos pés das árvores, sombra só, nasce mato mais não, mas no fundo da área, nessa época das águas a coisa fica feia se não zelar.
Mas não é que dia desses apareceu uma placa de vende-se na cerca de lasca de aroeira que fiz para proteger de criação!
Perdi gosto e deixei de cuidar. Vinte anos e nem um sinal, um aviso para nós da intenção de passar adiante chão com tanta história para uns e nem visitada por outros. C'est La Vie, fazer o quê. Se usar cachimbo entorta a boca, cuidar da horta também vicia. Não agüentei, aproveitando a sobra de luz de um horário mudado, agarrei a enfrentar mato que já vinha dar na minha cintura.
Durante a tarefa fui agraciado com visitas inesperadas, até então eu conhecia apenas pó-de-mico, mas bem na minha frente, como a me fazer companhia e compartilhar do meu receio de perder o éden, em uma das eradas árvores nativas de um cerrado que pouco deixou de lembrança, nada mais nada menos do que doze miquinhos estrela, não sabia, havia plantado e agora colhia um pé-de-mico. Magnífica visão.
Que vendam o pequeno pedaço do paraíso verde, mas até lá, sigo cuidando. A beleza do trato compensa. Desfruto. É sina.
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Janeiro 2009
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