quinta-feira, março 12

Escravo


Nada nesse mundo conseguia o prender, era livre leve e solto; assim escreveu Moreno, cantou Rita.
Sem amarras ou peias, mantinha sempre mala pronta. Era só bater vontade estranha que ganhava mundo.
Conhecia tudo, o tudo, era o tudo dele, que bastava, completava.
Subiu morro, quebrou mata no peito, passou atolado em barro de serra. Ilhado em maré alta, passou perdido em caranguejola e saveiro. Tubarões.
Voou. Atravessou o Atlântico. Conheceu miséria e fartura. Era totalmente livre. Era.

Dia veio, assim do nada apareceu dúvida. Encontrava-se em deserto pleno naquele momento. Não em deserto clássico, de filme; com dunas, sol causticante e areias dançantes ao morno vento. Nada disso. Estava naquele instante na mais movimentadas ruas do mundo. Monumental via de gente. Turba em serpentear sem fim.

Percebeu naquele segundo que estava andar por uma Babel horizontal, vida distante de Eufrates. Não entendia palavra sequer. Ninguém o olhava ninguém o via, ficara transparente, invisível.

Toda a sua autoconfiança e arrojo sumiram poros à fora. Suou em bicas frio de inverno glacial.
Procurava inutilmente apoio na multidão que o cercava calmamente ensandecida. Queria um gentil sorriso, um olhar úmido de sinceridade daquela gente eternamente mergulhada, cada um, em seus mais estranhos pensamentos: virgens parindo lindos bebes, religiosos pecaminosos. Adúlteros, assassinos. Bailarinos, cantores, domadores de feras em circos mambembes. Arqueólogos corajosos em tumbas de faraós. Anjos, santos bajuladores, astros de rock. Palhaços, super herói.

Parecia ouvir esta profusão de pensamentos enquanto procurava parede para se apoiar. O chão em fenda se abriu sob seus pés. Viu o céu e não viu nada.

Descobriu de súbito a falsa e efêmera liberdade que tanto alardeava. Como tantos e todos. Como todos na face desse capenga e envelhecido planeta, era escravo de si próprio.

Para tais grilhões, percebeu a duras penas, jamais haveria alforria. Correntes do mais puro e resistente material cósmico o mantinha prisioneiro, enjaulado em fina casca..
Percebeu que suas andanças agora, seriam em busca de sua manumissão.
Mudou o curso de sua existência. Voltou-se para dentro de si. Sensatamente rumou para o primeiro lugar a procurar liberdade perdida. Vivia seu Apocalipse pessoal. Sentiu medo. Desterro.




março - 2009

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