Das dores conhecidas parece que a de dente é uma das piores; corre pareada com a dor de parto e pedra nos rins. Passei certa feita por crise de vesícula. Forte assim, com conhecimento de causa, incluo-a na lista das dores físicas bravas. Outras dores insuportáveis são as dores da alma, de consciência e de amor, mas estas deixo para outra oportunidade.
Aquele que nunca passou pelo sufoco de uma sala de espera de dentista levante a mão. Cheiros e sons que só ali existem. Tem coisa mais medieval do que alguns instrumentais odontológicos? O boticão parece coisa inventada na Inquisição. Passou pelos porões da Redentora, ocupando lugar de destaque nas mãos de torturadores.
Chega a pleno século 21 com todo seu vigor e, pior, aperfeiçoado anatomicamente para que os seus usuários tenham maior conforto.
Tanto avanço tecnológico e não conseguiram abolir outro instrumento de horror: aquela broquinha de alta rotação e o seu inconfundível barulho.
Na sala de espera, só de ouvir aquele zuimmmm, percebe-se inquietação geral. A velha e conhecida arte de folhear revista sem ver é o que mais rola. Às vezes, a tensão é tanta, que, não raro, o que passa é folha de revista voando para os lados, arrancadas, tamanho pânico. Agora, se o zumbido da canetinha sádica for acompanhado de um som gutural de dor vindo lá de dentro, vira um Deus nos acuda aqui fora. Muitos pacientes, verdadeiramente impacientes e de olho no relógio, se levantam de pulo e saem, às vezes, sem aviso. Uma vez lá dentro, você é recebido pelo dentista, geralmente acompanhado por uma técnica em saúde bucal, vestidos de impecável branco, máscaras e sorriso nos olhos.
Com o coração a mil, senta-se na hodierna cadeira inquisitorial para seção particular de tortura. Mãos a suar frio, a perna fica dormente, os olhos arregalados e começa se.
A mania de dentista conversar com você e ainda fazer perguntas? Você lá, com a boca travada, com aparelho que parece bridão, além da boca recheada de algodão.
Se doer, me avisa! Uma lagriminha escorre no canto do olho como resposta, mas ele continua futucando sem dó. A mão sobe e desce em velocidade inacreditável, nada de parar.
A maioria sai do consultório parecendo que saiu de uma sauna. A blusa ensopada de suor e um olhar de sofrimento tão grande que, normalmente, chegam em casa esgotados a ponto de apagar no sofá ou à mesa de jantar, com garfo na mão.
Adrenalina pura.
Alguns nascem com medo de barata ou de cobra. O medo de dentista também é de nascença, deve vir das tais vidas passadas. Em outros tempos, bruxos, feiticeiros ou, simplesmente, inimigos da Santa Sé, pessoas cujos bens a Igreja cobiçava, acabavam quase sempre nas mãos de um carrasco munido de quê? De um tataravô do atual boticão.
A maioria das crianças de hoje quase não tem cárie, quero assim acreditar.
São programas de prevenção que começam nas escolas: bocas roxas, flúor, tanto da água de consumo quanto bochechos periódicos, selantes e por aí afora. Governos, profissionais, escolas e famílias mais conscientes.
Apesar de tudo, tenho os profissionais da odontologia, imprescindíveis à saúde coletiva, em alta conta e respeito, mesmo causando tanto medo em alguns como eu. A eles peço apenas um favor: inventem novos barulhos e cheiros ou, pelo
menos, dividam comigo os honorários do terapeuta.
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