segunda-feira, agosto 27

Anjos


Quando se acredita que tudo viu, cena insólita em pleno e seco agosto. Bela ilha de verde jardim se apresenta aberta bem à frente. Em manhã bem cedo estava a andar pelo tempo em busca de nada fazer quando topei com cena insólita. O sol à minha frente e, como holofote de palco, momentaneamente me levava às cegas. Caminhava pesado, ligeiro, pensando em nada, ou talvez na morte da bezerra, o que dá no mesmo.

No ar fresco da manhã, um perfume cítrico/almiscarado me trouxe de volta.

Olhei bem contra o sol, por baixo da aba do boné, buscando a origem de tão magnífico aroma. O esplendor amarelo ouro explodiu nos meus olhos, mas, mesmo assim, deu para notar vultos brancos, esguios, com esvoaçantes véus soltos a vento manso formando longas ondas que flutuavam em harmônica dança. Tentei olhar de lado para tentar entender tamanha beleza e elegância, não seriam garças, pois eram bem maiores do que aquelas esculturas. Seriam anjos?

Será que morri e nem percebi? Contam algumas teorias que o tal morrer na realidade não existe. Acontece assim: quando se acha que morreu, na realidade, passa-se para outra dimensão imediatamente e, se para a dimensão anterior os que lá estão lhe veem morto, na outra para qual se deslocou continuamos tal e qual, vivos e funcionando. Se foi um tombo fatal lá, na da frente você levanta, resmunga e continua vivinho da silva. Meio confuso, não é?

Mas assim seria e, em um grão de areia, teríamos espaço para centenas de dimensões, todas funcionando normalmente e lá estaríamos presentes sempre, apenas pulando de uma para outra, eternamente.

Se foi isso e morri, então me enganaram todos. Não vi a tal luz, o tal túnel nem nada que sugerisse mudança de dimensão. O sol continuava a me castigar os olhos e o corpo.
Não, não fiz a tal passagem. Estava ali mesmo a admirar o que agora me pareciam fadas.
Uma gota de suor escapou do boné, desceu lenta pela testa, contornou a sobrancelha e escorregou têmpora abaixo em molhada cócega. Acabou seu trajeto nas costas de minha mão.

Segui um pouco mais cabreiro, olhar firme no chão. Uma sombra imensa de sucupira esparrama-se logo adiante, seria ali o firmar olhar sem a interferência do brilho maior. Assim foi e sob a fresca sombra firmei vista.

A cena parecia saída de um filme de Kurosawa. “Sonhos”, talvez?

À minha frente, em exuberante jardim bem cuidado, uma ilha de verde e flores, em meio ao seco de um agosto castigante, rodopiavam nada menos do que cinco lindas jovens vestidas de noivas, véus e grinaldas. Brincavam como ninfas gregas em jardins do Monte Olimpo, na longínqua Tessália. Riam, corriam elegantemente de um lado para outro. Uma festa de beleza, elegância e alegria.

Mas o que fariam tantas noivas em plena manhã, assim em bando, como raras aves? Haveria um casamento coletivo e elas ali se concentravam a esperar pretendentes? Pouco provável. Ainda sob o frescor da sombra da sucupira, admirando a bela cena, segui mais lentamente para não assustá-las, pois poderiam alçar voo ao notarem minha presença. Notei, ao virar a esquina, outro grupo de pessoas. Uma produtora pelo que percebi.

Nada mais do que uma sessão de fotos para alguma revista, loja ou book.
Grata surpresa iluminou o dia, alegrou o bairro. Fez feliz quem as viu. Que tenham sorte com seus futuros consortes. Vida longa às fadas.







Publicado no Jornal Correio em 26/08/2012

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