segunda-feira, agosto 13

O brinco - Parte II



Estaria vivenciando uma experiência paranormal? Será que a dona daquela flor de metal queria fazer contato comigo? Talvez quem sabe, em ato de desespero por amor não correspondido, teria se atirado de alguma ponte, e agora, arrependia e do lado de lá, na escuridão das águas e a caminho
do andar de cima, queria, através do brinco enviar para seu amado pedido de desculpas e que ele não se sentisse culpado por nada?

Ou quem sabe seria um comunicador alienígena? Povos de outro planeta ou dimensão abrindo canal de comunicação. Através de observações de séculos descobriram que o melhor lugar de se colocar um sistema arrojado de contato seria, hora vejam, num brinco?

Analisando todas as hipóteses só havia uma coisa a fazer: colocar tal brinco na orelha, torcendo para que ninguém me visse com aquela peça pendurada no lóbulo da orelha
ou talvez no trago para melhor sintonia, e ir até o fim. Gente de outro planeta, contato com os que se foram e hoje habitam o andar de cima, de onde lá que viesse o contato, eu me via na obrigação de desvendar aquele mistério que poderia se tornar o acontecimento do século.

Vi-me dando entrevistas para todasas emissoras TV e rádio do mundo. Twitter e Facebook não falariam em outra coisa. Do anonimato para o mundo. O staff de Oprah Winfrey brigaria de tapa com pessoal do Larry King por uma entrevista exclusiva com este que vos fala.
A NASA me convidaria para trabalhar na área 51, bem no meio do deserto de Nevada, onde coordenaria um projeto de contatos de terceiro grau, já prevendo e programando
visitas mútuas a planetas distantes. As empresas de softwares me ofereceriam milhões pela tecnologia que ali se encontrava bem à minha frente. Seria recebido por presidentes, ministros de Estado, reis e rainhas. Condecorado com medalhas de
honra e com Prêmio Nobel de alguma coisa que, se não existisse, seria criado especialmente para mim.

Capa do “Times”, da “National Geographic”, do “BusinessWeek”. Seria entrevistado pelas revistas “Science” e pela “World Scientific”. Estúdios de Hollywood ofereceriam
milhões pela exclusividade da história que viraria fi lme e sério candidato a vários Oscar, além de Palma de Ouro em Cannes.

O livro sobre o acontecido seria best-seller mundial, traduzido para cento e tantos idiomas.
Durou pouco essa tempestade de pensamentos-relâmpagos. Estes caíram por terra assim que coloquei o suposto brinco do espaço ou orelhão para conversar com os mortos. Ouvi nitidamente a forte voz melodiosa de Billie Holiday, que, como ave do paraíso, cantava “Tenderly”.
O surreal, o sonho, virou foi braveza. O danado não passava de uma miniatura ou nano Ipod que alguma moça deixara cair durante um passeio.

Era o cúmulo da miniaturização. Virando a peça de um lado para outro, acabei por perceber os botõezinhos de liga/desliga e de volume e ainda, bem embaixo em canto oculto, a prova de origem: Made in China.Tem coisa que só acontece comigo.

Na orelha, boto não! Lá ficar um pouco estranho. Mas à noite, quando deito, ligo o rádio-brinco sob o travesseiro e ouço a seleção de muito bom gosto que a antiga dona gravou. Fica só uma preocupação: quando acabar a bateria, faço o quê?

Publicado no Jornal Correio em 13 de agosto de 2012

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