quarta-feira, maio 29

Degredo

Nada a dizer apenas uma estranha sede de viver
Nada a falar apenas o instinto puro de calar
Nada a fazer, apenas e apenas esperar
Nada a sentir, apenas a solidão,  degredo
Em segredo





29 de maio 2013

segunda-feira, maio 20

Encontros



Foto Jornal Correio

 Uma pequena explicação. Um levantar, ainda no escuro, para aproveitar silêncio e não deixar escapar pensamentos. Tentativa vã de salvar boas lembranças que à tona vieram depois de noite especial. Não adiantou. Invasão. Pedreiros armados de picolas, maquitas, radinhos irritantes em musica gospel alguns e funk outros. Conversas sem pé nem cabeça nos são impostas, do crime bárbaro de ontem, à tentativa de conversão como caminho. E o tal do dízimo? Pergunta, em jogar de telha para o alto. É a palavra, responde outro. Imagino que a prosa vai longe, mas um berro do pedreiro mor a pedir mais telhas interrompe a pregação. Esta até me interessou. Queria ver no que ia dar.

Fato é, este incrível exército de Brancaleone resolveu adiantar serviço de uma sexta-feira na qual, mais uma vez, a CEMIG, com comum desculpa de “melhor servir”, nos faz o hediondo favor de jurar corte de energia de 12 às 17. Não fosse o trocar de telhado no meio do qual me encontro não importaria. Muito calejados estamos com estas já corriqueiras interrupções. Esforço-me em sorriso de poucas amizades para receber os que, assenhoram-se em segundos e poeira ocupam meu espaço. Isso já dura uma eternidade de uma semana e ainda promete.

Ontem estourou cano na laje, sabe-se lá como. Cachoeira pelo globo de luz desaguou exatamente sobre nossa cama. Vivemos em obras, como João-de-barro, raro ano não se faz coisa ou outra. Juro, não acostumei.

Mas o amanhecer no escuro era para falar de assunto agradável. Deixemos o campo de batalha das reformas.

Fato é que, em dia de paz e casa em ordem, entre verduras, frutas e cheiros coloridos, capazes de confundir em êxtase qualquer passarinho ou abelha, assim em um repente, encontro Paganini, autor de “Contos de uma vida bancária”. Livro que degustei como sommelier frente à rara safra. Isso em pleno domingo em supermercado.

Entre tucanos, lembranças da ponte do Pau-Furado, flamboyants, casa de Cora Coralina, todos em suaves aquarelas da amiga de mil anos Ana Abdala, encontro Marília Cunha. Não careço perder em formas de tratamentos. Falta de educação não há em chamá-los de “você”, mesmo sabendo da imperiosa necessidade de agora em diante evocar concordâncias com verbo na terceira pessoa. Apesar de ser o primeiro encontro real, muito temos em comum, e não de hoje. Vem de longe. O que nos aproxima? O escrever. Foram momentos agradabilíssimos, curtos é fato, mas de intensa troca aproximadora. Com Agostinho Paganini a certeza de que os afazeres do cotidiano podem ser, e geralmente são, prazerosos. Com Marília, uma conspiração nasceu, mas essa ainda precisa mais corpo. Como a Inconfidência Mineira, está por nascer corrente contra opressão linguística, mas essa é outra prosa. JB Guimarães e sua taberna literária que nos aguarde para encontros onde, na surdina, traçaremos nossos planos. Aproveito para convidar a todos que cultivam a delicia do ler e escrever s para participarem de nosso movimento.

Noite perfeita, pessoas perfeitas. Terminou com jantar só para nós, em restaurante geralmente lotado e com fila de espera Nessa noite magicamente nos esperava em silencioso sossego. Claro, tive que explicar meu pedido para três garçons, pois o mesmo não constava do cardápio: filé mal passado, arroz, fritas e salada. Se batizado de Chateaubriand poderia constar entre os pomposos nomes da carta. O simples é tão complicado. Retorno a meu acolorado dia. Sei não, ou acabo fanqueiro, ou convertido o que,o que, realmente em se tratando das duas situações sinceramente duvido.




Publicado em Jornal Correio em 18/05/2013


quinta-feira, maio 16

Poeminha

Somos passarinhos de breve canto, roupagem de luz e esperança
Cobrimos crias em dia chuva, colhemos flores ao sol.


Maio 2013

quarta-feira, maio 8

Ouro velho

Outro dia em passar d’olhos em jornal de circulação nacional, me deparei com anúncio no mínimo estranho para meu pensar. Era algo assim: “Troque sua joia velha por uma novinha em folha, pagamos mais pelo valor de mercado do ouro”. O “velha” é que deixou-me intrigado. Cheirava a má-fé ou, no mínimo, truque para fisgar incautos.

De pronto, me lembrei da época em que morávamos em um ainda distante São Sebastião do Pontal, sem estrada de asfalto, sem ponte para o Mato Grosso. Tempo da balsa. Hoje São Sebastião está logo ali, rápido chegar em estrada bem conservada e, para cruzar o rio Paranaíba, a imponente ponte do Porto Alencastro, maravilhosa obra de arte da arquitetura do “estradas construir”.

Hora ou outra chegavam à nossa vila caminhões, principalmente de São Paulo, com o esperto propósito de trocar móveis novos por “velhos”. Jamais usavam a palavra antigos. Relíquias, então, nem pensar. Estratégia mascate. Visitavam fazendas, porteira a porteira, oferecendo seus produtos à base do escambo. Certa feita, ao chegar a um sítio para acudir vaca em parto, o proprietário me contou prosa: “Lembra daquela mesa imensa de jacarandá que era de meu bisavó e que você tanto gostava? Pois vem comigo, despachei a bruta e tenho certeza de que você vai gostar mais do que arranjei”. Quase caí de costas quando entrei naquela cozinha bem cuidada, de piso de cimento em nata, fogão a lenha com seus tijolos bem curtidos e pintura vermelhão sempre renovada. A imponente mesa de rara e secular madeira de lei, repleta de histórias e testemunha de tantas passagens, dava agora lugar a uma infeliz e sem vida mesa de fórmica vermelha e quatro raquíticas cadeiras

“O vermelho foi para combinar com a cor do fogão”, me disse o amigo em imenso abrir sorriso.
“Mas e os longos bancos também da mesma negra madeira da mesa?”, perguntei atordoado
“Ara! Dei de presente para o pessoal da troca, iam ficar sem serventia agora.”

Saí de lá triste, talvez por mim em sentimento egoísta, não pelo amigo que, levando manta ou não, estava feliz. Não voltei mais lá, mudamos de volta para Uberlândia. Não sei dizer se aquela alegria sitiante dura até hoje. Mas imagino a mesa se desfazendo em empenos e as cadeiras de pés de alumínio jogadas à horta.

E essa agora das joias? Anéis e brincos em coco e ouro, delicadamente trabalhados por mestre ourives. Escapulários esculpidos em Espanha no puro metal arrancado de nossas terras ainda bruto e retornando em caro adorno, passando de geração em geração. Terços que, como as capitanias, também eram hereditários. Se somadas e esticadas as Ave-marias, os Pais-nossos, as Glórias e os Creios e Salve-rainhas, que em fé ali se fizeram ouvir, várias vezes poder-se-ia, talvez, ir e voltar ao paraíso. Prestes a serem trocados por peças feitas em série, sem graça, falso brilho.

O mundo é dos espertos, dizem os de má-fé. Abusam das gentes simples, não apenas de nossos roçados e rincões. Basta pôr atenção em propagandas de televisão em que vendedores alucinados e aos gritos conseguem persuadir os que menos ganham a comprometer seus parcos salários em eternas prestações. Para comprar o quê? Frágeis mesas vermelhas em fórmica. Vermelho brilhante e quatro cadeiras com pés condenados, assim como a mesa, a durar tão pouco, que jamais tempo terão de guardar histórias e lembranças.




Publicado em Jornal Correio

segunda-feira, maio 6

Zoológico das virtudes





Ponto final. Concordo em plenitude com o jornalista Ivan Santos. Que se fechem os campos de concentração animal em todo o mundo. Sem discussão. Não falo mais disso. Sou contra, contra sou. Proponho um novo tipo de zoológico.

Adulto pega criança pela mão, compra pipoca, algodão doce e, em solene silêncio, segue rumo às jaulas. Na primeira, como se em exposição de arte estivesse, o adulto põe a mão no queixo, entorta a cabeça para um lado, dá dois passos para trás em visível admiração. Após alguns segundos começa em voz alta a detalhar para a criança sua impressão: “Observe a leveza, os contornos, o brilho. É uma pena que esteja tão ameaçada. Felizmente conseguiram capturar esse espécime para que possamos admirar e mostrar para vocês, crianças”. A criança, espantada em ansiedade, devorava pipoca sobre pipoca em ato contínuo.

Seguem para a segunda jaula. Outra vez, o adulto em postura séria, se põe a descrever o que vê, termina em suspiro: esse também está na lista dos ameaçados. O passeio prossegue. Outro recinto, este mais amplo, muito bem cuidado, ao centro um lago de azul indescritível cercado por árvores frondosas e carregadas de frutos que, de longe pareciam saborosamente doces. Aqui o adulto teve mais trabalho, não localizava o morador de cativeiro de luxo. Por fim abriu sorriso: “Viu só! É ligeiro, por esse motivo merece jaula especial, com lagos, cachoeiras e grama verde. Consegue notar a leveza de seus movimentos? Tímido que só, dizem que é o último. Andam a procurar outros dos seus para tentar resgatar a espécie”.

Criança, entediada desde o primeiro cárcere visitado, achou forma de se distrair. Ia anotando os dizeres das placas de cada jaula. Estas se referiam à origem de cada morador aprisionado. Depois os procuraria em enciclopédia e dicionários.

Manhã já se ia alta, hora de ir embora, para alegria da enfadada criança. Um passeio de trenzinho e um cachorro-quente? Sugeriu o adulto em bater de palmas. Como recusar? Finalmente um sorriso se fez presente no até então taciturno semblante infantil.

Acomodado e ao sabor do agradável sacolejar do amplo e aberto vagão, o pequeno não resistiu: “Não entendi uma coisa, todas as jaulas estavam vazias!”.

O adulto não resistiu, olhos baixos envergonhados, umedecidos em lágrima, passou o braço sobre os ombros da criança: “Verdade, pequeno, o rei está nu”. Em profunda tristeza lembrou conto de Christian Andersen. Apenas os puros assim percebem.

O garoto aconchegou-se ao abraço do pai. A caderneta, agora solta, permitiu o vento folhear, expondo anotações das placas das jaulas em rabiscos infantis: “Ética (latim ethica, -ae) s. f. Parte da Filosofia que estuda os fundamentos da moral. Conjunto de regras de conduta”.

Além dos conceitos, a criança copiou das plaquinhas em frente às jaulas distribuição geográfica, endemicidade e mais particularidades. A brisa, em mudar ligeiro de páginas, permitiu ainda vislumbrar outras anotações: “Vaidade, honestidade, justiça, fraternidade, amizade, tolerância, generosidade, paciência, também em vazias jaulas se faziam ali presentes”. Classificação do risco de cada um sempre em destaque: “Extinto entre os humanos, em perigo crítico, vulnerável, dependente de conservação, baixo risco”.

Para sua infelicidade, predominava sempre o perigo crítico e a extinção abaixo da linha do Equador. Adulto copiosamente chorou.











Publicado no Jornal Correio em 06/05/2013