Ponto final. Concordo em plenitude com o jornalista Ivan Santos. Que se fechem os campos de concentração animal em todo o mundo. Sem discussão. Não falo mais disso. Sou contra, contra sou. Proponho um novo tipo de zoológico.
Adulto pega criança pela mão, compra pipoca, algodão doce e, em solene silêncio, segue rumo às jaulas. Na primeira, como se em exposição de arte estivesse, o adulto põe a mão no queixo, entorta a cabeça para um lado, dá dois passos para trás em visível admiração. Após alguns segundos começa em voz alta a detalhar para a criança sua impressão: “Observe a leveza, os contornos, o brilho. É uma pena que esteja tão ameaçada. Felizmente conseguiram capturar esse espécime para que possamos admirar e mostrar para vocês, crianças”. A criança, espantada em ansiedade, devorava pipoca sobre pipoca em ato contínuo.
Seguem para a segunda jaula. Outra vez, o adulto em postura séria, se põe a descrever o que vê, termina em suspiro: esse também está na lista dos ameaçados. O passeio prossegue. Outro recinto, este mais amplo, muito bem cuidado, ao centro um lago de azul indescritível cercado por árvores frondosas e carregadas de frutos que, de longe pareciam saborosamente doces. Aqui o adulto teve mais trabalho, não localizava o morador de cativeiro de luxo. Por fim abriu sorriso: “Viu só! É ligeiro, por esse motivo merece jaula especial, com lagos, cachoeiras e grama verde. Consegue notar a leveza de seus movimentos? Tímido que só, dizem que é o último. Andam a procurar outros dos seus para tentar resgatar a espécie”.
Criança, entediada desde o primeiro cárcere visitado, achou forma de se distrair. Ia anotando os dizeres das placas de cada jaula. Estas se referiam à origem de cada morador aprisionado. Depois os procuraria em enciclopédia e dicionários.
Manhã já se ia alta, hora de ir embora, para alegria da enfadada criança. Um passeio de trenzinho e um cachorro-quente? Sugeriu o adulto em bater de palmas. Como recusar? Finalmente um sorriso se fez presente no até então taciturno semblante infantil.
Acomodado e ao sabor do agradável sacolejar do amplo e aberto vagão, o pequeno não resistiu: “Não entendi uma coisa, todas as jaulas estavam vazias!”.
O adulto não resistiu, olhos baixos envergonhados, umedecidos em lágrima, passou o braço sobre os ombros da criança: “Verdade, pequeno, o rei está nu”. Em profunda tristeza lembrou conto de Christian Andersen. Apenas os puros assim percebem.
O garoto aconchegou-se ao abraço do pai. A caderneta, agora solta, permitiu o vento folhear, expondo anotações das placas das jaulas em rabiscos infantis: “Ética (latim ethica, -ae) s. f. Parte da Filosofia que estuda os fundamentos da moral. Conjunto de regras de conduta”.
Além dos conceitos, a criança copiou das plaquinhas em frente às jaulas distribuição geográfica, endemicidade e mais particularidades. A brisa, em mudar ligeiro de páginas, permitiu ainda vislumbrar outras anotações: “Vaidade, honestidade, justiça, fraternidade, amizade, tolerância, generosidade, paciência, também em vazias jaulas se faziam ali presentes”. Classificação do risco de cada um sempre em destaque: “Extinto entre os humanos, em perigo crítico, vulnerável, dependente de conservação, baixo risco”.
Para sua infelicidade, predominava sempre o perigo crítico e a extinção abaixo da linha do Equador. Adulto copiosamente chorou.
Publicado no Jornal Correio em 06/05/2013
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