Adulto pega criança pela mão, compra pipoca, algodão doce e, em solene silêncio, segue rumo às jaulas. Na primeira, como se em exposição de arte estivesse, o adulto põe a mão no queixo, entorta a cabeça para um lado, dá dois passos para trás em visível admiração. Após alguns segundos começa em voz alta a detalhar para a criança sua impressão: “Observe a leveza, os contornos, o brilho. É uma pena que esteja tão ameaçada. Felizmente conseguiram capturar esse espécime para que possamos admirar e mostrar para vocês, crianças”. A criança, espantada em ansiedade, devorava pipoca sobre pipoca em ato contínuo.
Seguem para a segunda jaula. Outra vez, o adulto em postura séria, se põe a descrever o que vê, termina em suspiro: esse também está na lista dos ameaçados. O passeio prossegue. Outro recinto, este mais amplo, muito bem cuidado, ao centro um lago de azul indescritível cercado por árvores frondosas e carregadas de frutos que, de longe pareciam saborosamente doces. Aqui o adulto teve mais trabalho, não localizava o morador de cativeiro de luxo. Por fim abriu sorriso: “Viu só! É ligeiro, por esse motivo merece jaula especial, com lagos, cachoeiras e grama verde. Consegue notar a leveza de seus movimentos? Tímido que só, dizem que é o último. Andam a procurar outros dos seus para tentar resgatar a espécie”.
Criança, entediada desde o primeiro cárcere visitado, achou forma de se distrair. Ia anotando os dizeres das placas de cada jaula. Estas se referiam à origem de cada morador aprisionado. Depois os procuraria em enciclopédia e dicionários.
Manhã já se ia alta, hora de ir embora, para alegria da enfadada criança. Um passeio de trenzinho e um cachorro-quente? Sugeriu o adulto em bater de palmas. Como recusar? Finalmente um sorriso se fez presente no até então taciturno semblante infantil.
Acomodado e ao sabor do agradável sacolejar do amplo e aberto vagão, o pequeno não resistiu: “Não entendi uma coisa, todas as jaulas estavam vazias!”.
O adulto não resistiu, olhos baixos envergonhados, umedecidos em lágrima, passou o braço sobre os ombros da criança: “Verdade, pequeno, o rei está nu”. Em profunda tristeza lembrou conto de Christian Andersen. Apenas os puros assim percebem.
O garoto aconchegou-se ao abraço do pai. A caderneta, agora solta, permitiu o vento folhear, expondo anotações das placas das jaulas em rabiscos infantis: “Ética (latim ethica, -ae) s. f. Parte da Filosofia que estuda os fundamentos da moral. Conjunto de regras de conduta”.
Além dos conceitos, a criança copiou das plaquinhas em frente às jaulas distribuição geográfica, endemicidade e mais particularidades. A brisa, em mudar ligeiro de páginas, permitiu ainda vislumbrar outras anotações: “Vaidade, honestidade, justiça, fraternidade, amizade, tolerância, generosidade, paciência, também em vazias jaulas se faziam ali presentes”. Classificação do risco de cada um sempre em destaque: “Extinto entre os humanos, em perigo crítico, vulnerável, dependente de conservação, baixo risco”.
Para sua infelicidade, predominava sempre o perigo crítico e a extinção abaixo da linha do Equador. Adulto copiosamente chorou.
Publicado no Jornal Correio em 06/05/2013
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