segunda-feira, setembro 30

Déjà vu

Vazio

Dia vazio de palavras esse hoje.
Para ressaca de lexema, nem lexotan dá jeito.
Mas se tomar durmo. Ao dormir não lembro de escrever, tentaria não aborrecer. Mas como me furtar do prazeroso unir de letras?
Injusto. Se durmo e não sonho? Nada a contar.
Crio então restaurante de letras. Cada um com seu pedido.

Poemas? Sim senhor, mas ao ponto por favor.
Crônica do cotidiano? Agradeço andam um tanto quanto indigestas, ácidas.
Conto? Não conto, me falta tempo, quero algo mais breve, ligeiro.
Haikai? Torço o nariz. Nem de longe, oleosa e sem gosto. Oriental. Não acostumo com o jeito, distante de meu gosto tropical, colorido, rico. Falta música, vento e cheiro de terra.

Falta o perfume de minhas damas-da-noite. Cheiorosas a Misturar alfazema, leite de rosas, laquê. Química enjooativa a se juntar ao meu Lancaster, a meu Gumex. Cabelos duros em pasta incolor a fingir lisos.

Falta no cardápio da triste memória a Guaigurus de tempos longe, o Rosário e sua vitrola imensa movida a moedas. O jantar/amanhecer no Scotellaro. Última cerveja da noite antes de, macambúzio, pegar o Serra Capivari 44, rumo de casa. Casa?

Prosa? Claro que quero, mas a sua. Puxe uma cadeira, encha o copo, estale os dedos, chame o garçom. Vamos falar de um dia vazio de palavras como este. Vamos falar das damas-da-noite. O que  fazem à luz do dia?


Lady and the Tramp

quarta-feira, setembro 25

República


Fico prestando atenção nas conversas de meus filhos e seus amigos, que moram em repúblicas hoje em dia. Não consigo imaginar nem de longe como são de verdade. Um reclama que a televisão a cabo só pega 45 canais, veja que absurdo. A maioria mora sozinha ou são no máximo dois por apartamento, cada um com seu quarto e seus pertences, de modo geral novos e comprados em lojas de verdade.

Outro fala da lentidão da internet e reclama da faxineira que não apareceu na semana passada. Quanto luxo. Nos tempos de escola morávamos em uma casa na antiga Felisberto Carrijo, caindo aos pedaços, com paredes grossas de adobe e pintadas a cal. Éramos muitos. Dois a três em cada quarto. Quanto mais gente melhor, pois, assim, era possível baixar os custos. Nossos móveis eram comprados de outras repúblicas que fechavam ou em lojas de móveis usados. Tudo na base da “vaquinha”. Se aparecia um candidato novo para se juntar a nós pagava joia, cota utilizada em “melhorias”. Primeiro havia uma assembleia de apresentação e, quando possível, uma breve sindicância entre colegas que o conheciam. Se rolasse um não, uma bola preta, o cara estava fora. República era, acho que ainda é, coisa séria na medida do possível.

Contam, não sei se é verdade, que uma delas, quase vizinha, resolveu declarar desobediência civil e simplesmente parou de pagar conta de luz. Alguns meses depois, naquela época a companhia de luz era mais condescendente, a energia foi cortada. Isso não inibiu os nobres republicanos, que quebraram o lacre e religaram o relógio. Assim contam, foram meses sem pagar nada, até que, descobertos, a Cemig foi lá e levou o relógio inteiro. Resolvido? Nada disso. Estudante de nossa época era meio kamikaze. Chamaram um colega da Elétrica que simplesmente fez ligação direta e, assim, foi até a entrega do imóvel. Risco permanente e iminente de a casa pegar fogo. E alguém tinha juízo naquele tempo? Não sei se esta história aconteceu ou tornou-se mais uma lenda para o vasto e rico folclore mágico que envolvia as repúblicas de nosso tempo. As festas eram memoráveis e, coitado dos vizinhos, intermináveis, principalmente ao fim de cada semestre. Mas uma coisa é certa, todos estudavam para burro.

Queríamos formar juntos e isso era acordo firmado. A vida não era fácil. Íamos para a Escola de bicicleta. Eram quatro viagens por dia, pois não tinha a moleza de um RU. Nosso cardápio era sem risco de errar: arroz, feijão e carne moída ou um bife histologicamente cortado. Na falta dela, a saída era o ovo frito. De salada, o famoso 365, nome dado ao tomate, pois todo santo dia ele estava em nossa mesa.

Meio de cada mês começava a faltar uma coisa ou outra. O cinto apertava. Nestas horas, aparecia nossa fada madrinha, Dona Noêmia. Sabedora de nossos apuros gentilmente nos convidava para almoçar, nos presenteava com um tabuleiro de lasanha. Sempre atenta. Coração imenso e gentil, a ela devemos muito.
Tanta história para contar. Aos poucos, conto. Relembrar é viver. Quanta originalidade nessa expressão! Aguardem.





Publicado Jornal Correio em 25/09/2013




segunda-feira, setembro 23

Abuso

Risca o céu, queima a terra
Sobram escombros, ruínas, cinzas




Foto: w h stutz - Divisa de Goiás e Minas. 10 horas,  41ºC

Grande sertão: veredas?



Tomo emprestado de Guimarães Rosa título, a interrogação é minha. Li, estarrecido, na coluna Confidencial de nosso CORREIO de Uberlândia em 5/9/2013, a nota “Veredas em risco”, sobre a aprovação em segundo turno pela Assembleia de Minas, projeto que modifica a Lei Florestal Mineira. O jornalista Arthur Fernandes nos conta: “Um dos itens prevê a possibilidade de formação de barragens em áreas de vereda”. Trata-se da manutenção do artigo 13, inciso I, letra g, e artigo 12, parágrafo 3º.

Tenho quase certeza absoluta de que esses senhores e senhoras, deputados e deputadas, que votaram a favor dessa barbárie, nem ideia têm da importância das veredas para a região em que alguns nasceram.
A turma do ICMbio nos conta: “as Veredas exercem papel fundamental na manutenção da fauna do Cerrado pois atuam como local de pouso para a avifauna, de refúgio, de abrigo, de fonte de alimento e de local de reprodução, também para a fauna terrestre e aquática”. Vai além: “Também são comuns (as veredas) numa posição intermediária do terreno, próximo às nascentes (olhos d’água), ou na borda de matas de galeria. A concorrência da Vereda condiciona-se ao afloramento do lençol freático, decorrente de camadas de permeabilidade diferentes em áreas sedimentares”.

Beleza; contudo, ao mesmo tempo em que enaltecem a importância da vereda, será que se calarão diante desse descalabro, desse assassinato legalizado de mais um frágil bioma por um monte de gente de terno e gravata que se diz nosso representante? Será que estes deputados, acostumados a respirar ar-condicionado, têm noção de que a vida no Cerrado depende visceralmente dessas áreas em especial? Números, os números, isso eles provavelmente entendem: no Cerrado vivem 935 espécies de aves, entre as quais 148 são específicas dessa área, cuja maioria está simplesmente ameaçada de desaparecer.

Aqui deixo um agradecimento especial para Liza e Elismar Prado, que votaram contra tamanha violência. Faço isto, mesmo sem procuração e em nome dessa Arca de Noé tropical, repleta de emas, seriemas, jaós, nhambus, corujas-orelhudas e primas buraqueiras. Repleta também de delicados caburés, araras-azuis, canindés, bandos de papagaios, maritacas e periquitos, além de antas, guaribas, gatos-maracajás, jaguatiricas, lobos-guarás e onças-pintadas, entre centenas de outros bichos e plantas sem voz. Ainda existe gente humana falando pelo nosso acabrunhado e espoliado ecossistema, batendo de frente com poderosos lá na capital.

Se a situação não se reverter, daqui a pouco haverá só buritis a morrer em desespero com as raízes atoladas em águas de barragens, mais uma vez descaracterizando a face de nossos horizontes. Milhares de nascentes e olhos d’água simplesmente desaparecerão. Não bastassem plantações de cana com incêndios criminosos. Outro dia fui testemunha ocular de uma visão do inferno em Araporã. Ouvi nitidamente o grito da terra, o cheiro da morte, o voar desnorteado de aves chamuscadas, condenadas à lenta agonia da dor física e à perda de cria. Fogo e água a decretar o fim de mais um refúgio sagrado da natureza.

Cinco de setembro, por mal dos pecados, foi meu aniversário. Pode ter certeza, não era exatamente esse tipo de presente que gostaria de receber de políticos, que nem ao menos nos conhecem e enviam seus cartões impessoais cheios de cores e votos de muitos anos de vida.

Publicado Jornal Correio em 22 de setembro de 2013








terça-feira, setembro 17

Ninhal I

Achou mais um canto de varanda. Cadê coragem para não deixar ficar? Pois que fique e crie seus filhotes ! Clica na foto para ver de perto

segunda-feira, setembro 16

Lua de setembro

Lua a espiar o dia, clica para ampliar


Foto de Bia Stutz em 15 de setembro 2013