quarta-feira, setembro 25

República


Fico prestando atenção nas conversas de meus filhos e seus amigos, que moram em repúblicas hoje em dia. Não consigo imaginar nem de longe como são de verdade. Um reclama que a televisão a cabo só pega 45 canais, veja que absurdo. A maioria mora sozinha ou são no máximo dois por apartamento, cada um com seu quarto e seus pertences, de modo geral novos e comprados em lojas de verdade.

Outro fala da lentidão da internet e reclama da faxineira que não apareceu na semana passada. Quanto luxo. Nos tempos de escola morávamos em uma casa na antiga Felisberto Carrijo, caindo aos pedaços, com paredes grossas de adobe e pintadas a cal. Éramos muitos. Dois a três em cada quarto. Quanto mais gente melhor, pois, assim, era possível baixar os custos. Nossos móveis eram comprados de outras repúblicas que fechavam ou em lojas de móveis usados. Tudo na base da “vaquinha”. Se aparecia um candidato novo para se juntar a nós pagava joia, cota utilizada em “melhorias”. Primeiro havia uma assembleia de apresentação e, quando possível, uma breve sindicância entre colegas que o conheciam. Se rolasse um não, uma bola preta, o cara estava fora. República era, acho que ainda é, coisa séria na medida do possível.

Contam, não sei se é verdade, que uma delas, quase vizinha, resolveu declarar desobediência civil e simplesmente parou de pagar conta de luz. Alguns meses depois, naquela época a companhia de luz era mais condescendente, a energia foi cortada. Isso não inibiu os nobres republicanos, que quebraram o lacre e religaram o relógio. Assim contam, foram meses sem pagar nada, até que, descobertos, a Cemig foi lá e levou o relógio inteiro. Resolvido? Nada disso. Estudante de nossa época era meio kamikaze. Chamaram um colega da Elétrica que simplesmente fez ligação direta e, assim, foi até a entrega do imóvel. Risco permanente e iminente de a casa pegar fogo. E alguém tinha juízo naquele tempo? Não sei se esta história aconteceu ou tornou-se mais uma lenda para o vasto e rico folclore mágico que envolvia as repúblicas de nosso tempo. As festas eram memoráveis e, coitado dos vizinhos, intermináveis, principalmente ao fim de cada semestre. Mas uma coisa é certa, todos estudavam para burro.

Queríamos formar juntos e isso era acordo firmado. A vida não era fácil. Íamos para a Escola de bicicleta. Eram quatro viagens por dia, pois não tinha a moleza de um RU. Nosso cardápio era sem risco de errar: arroz, feijão e carne moída ou um bife histologicamente cortado. Na falta dela, a saída era o ovo frito. De salada, o famoso 365, nome dado ao tomate, pois todo santo dia ele estava em nossa mesa.

Meio de cada mês começava a faltar uma coisa ou outra. O cinto apertava. Nestas horas, aparecia nossa fada madrinha, Dona Noêmia. Sabedora de nossos apuros gentilmente nos convidava para almoçar, nos presenteava com um tabuleiro de lasanha. Sempre atenta. Coração imenso e gentil, a ela devemos muito.
Tanta história para contar. Aos poucos, conto. Relembrar é viver. Quanta originalidade nessa expressão! Aguardem.





Publicado Jornal Correio em 25/09/2013




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