segunda-feira, setembro 23

Grande sertão: veredas?



Tomo emprestado de Guimarães Rosa título, a interrogação é minha. Li, estarrecido, na coluna Confidencial de nosso CORREIO de Uberlândia em 5/9/2013, a nota “Veredas em risco”, sobre a aprovação em segundo turno pela Assembleia de Minas, projeto que modifica a Lei Florestal Mineira. O jornalista Arthur Fernandes nos conta: “Um dos itens prevê a possibilidade de formação de barragens em áreas de vereda”. Trata-se da manutenção do artigo 13, inciso I, letra g, e artigo 12, parágrafo 3º.

Tenho quase certeza absoluta de que esses senhores e senhoras, deputados e deputadas, que votaram a favor dessa barbárie, nem ideia têm da importância das veredas para a região em que alguns nasceram.
A turma do ICMbio nos conta: “as Veredas exercem papel fundamental na manutenção da fauna do Cerrado pois atuam como local de pouso para a avifauna, de refúgio, de abrigo, de fonte de alimento e de local de reprodução, também para a fauna terrestre e aquática”. Vai além: “Também são comuns (as veredas) numa posição intermediária do terreno, próximo às nascentes (olhos d’água), ou na borda de matas de galeria. A concorrência da Vereda condiciona-se ao afloramento do lençol freático, decorrente de camadas de permeabilidade diferentes em áreas sedimentares”.

Beleza; contudo, ao mesmo tempo em que enaltecem a importância da vereda, será que se calarão diante desse descalabro, desse assassinato legalizado de mais um frágil bioma por um monte de gente de terno e gravata que se diz nosso representante? Será que estes deputados, acostumados a respirar ar-condicionado, têm noção de que a vida no Cerrado depende visceralmente dessas áreas em especial? Números, os números, isso eles provavelmente entendem: no Cerrado vivem 935 espécies de aves, entre as quais 148 são específicas dessa área, cuja maioria está simplesmente ameaçada de desaparecer.

Aqui deixo um agradecimento especial para Liza e Elismar Prado, que votaram contra tamanha violência. Faço isto, mesmo sem procuração e em nome dessa Arca de Noé tropical, repleta de emas, seriemas, jaós, nhambus, corujas-orelhudas e primas buraqueiras. Repleta também de delicados caburés, araras-azuis, canindés, bandos de papagaios, maritacas e periquitos, além de antas, guaribas, gatos-maracajás, jaguatiricas, lobos-guarás e onças-pintadas, entre centenas de outros bichos e plantas sem voz. Ainda existe gente humana falando pelo nosso acabrunhado e espoliado ecossistema, batendo de frente com poderosos lá na capital.

Se a situação não se reverter, daqui a pouco haverá só buritis a morrer em desespero com as raízes atoladas em águas de barragens, mais uma vez descaracterizando a face de nossos horizontes. Milhares de nascentes e olhos d’água simplesmente desaparecerão. Não bastassem plantações de cana com incêndios criminosos. Outro dia fui testemunha ocular de uma visão do inferno em Araporã. Ouvi nitidamente o grito da terra, o cheiro da morte, o voar desnorteado de aves chamuscadas, condenadas à lenta agonia da dor física e à perda de cria. Fogo e água a decretar o fim de mais um refúgio sagrado da natureza.

Cinco de setembro, por mal dos pecados, foi meu aniversário. Pode ter certeza, não era exatamente esse tipo de presente que gostaria de receber de políticos, que nem ao menos nos conhecem e enviam seus cartões impessoais cheios de cores e votos de muitos anos de vida.

Publicado Jornal Correio em 22 de setembro de 2013








Um comentário:

Clarice Villac disse...

Belo de dramático texto, amigo William.
Ainda haverá outras instâncias, em que poderá ser evitado este mal terrível ?