quarta-feira, dezembro 11

Do lar



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Novembro partiu e, daqui a alguns dias, completaremos oito anos em casa sem ajudante. Tudo começou num belo dia em que tivemos um feriado prolongado e, querendo ser justos, resolvemos estender essa folga para nossa auxiliar.

Ao retornar, ela pediu conta e ainda tripudiou, de forma cínica, sobre nossas cabeças. Com sorriso de canto de boca, nos disse que, graças à folga recebida, tinha conseguido emprego melhor. Deixou-nos a ver navios em momento crítico em meio à correria de horários malucos e falta absoluta de tempo. Em nenhum momento sentimos raiva ou rancor, ao contrário, sabemos muito bem que todos podem e devem procurar melhoras na vida, nesse palco selvagem de competição e puxadas de tapete. Ela agiu com o justificável instinto de preservação. Faz parte do jogo. Ficou, na época, apenas um resquício de tristeza, pois saiu sem aviso e não carecia troça. Passou, pronto. Se ela precisar de carta de recomendação estamos aqui para fornecê-la, boa trabalhadora. Bom, lá se foram oito anos e agora mais nada dela sabemos, nem por onde anda. Esperamos que esteja bem e feliz. É de coração.

Daquele momento em diante, resolvemos conquistar alforria, acertar horários e, nós mesmos, cuidarmos de tudo. Do lavar ao cozinhar, do arrumar, varrer, jardinar e tudo mais. Sempre tive comigo que empregada é luxo. Filho de americano do Brooklyn, NY, e tendo morado por lá bom tempo, só vim a conhecer empregada doméstica no Brasil. Lá, tínhamos faxineira no máximo uma vez por mês. E olha, o carro dela, um Cadillac rabo de peixe, dava de mil na Station Wagon de meu pai, com laterais em detalhes de madeira.
Todos em casa fazendo sua parte. Crianças arrumando o próprio quarto. A lei do “sujou, lavou” começou cedo em casa. O caçula com 10 anos fazia muito bem sua parte. A irmã, pouco mais velha, também. Foi pedagógico. Alguma lição de liberdade deve ficar para o futuro deles.

Harmonia e economia. Claro, sempre entreveros existem, até hoje. Quem não tem dia de preguiça? Em relação à economia, lembro-me de caso contado.
Dois amigos, já por volta dos 50, ex-namorados de infância, se encontraram num bar. Há muito não se viam. Sentaram-se. A primeira coisa que um faz é acender um cigarro. Meio espantada:

— Fumando até hoje?
— Quase dois maços, acredita!?
— Sabe que, se tivesse economizado essa grana durante esses anos todos, você hoje poderia comprar uma Ferrari zero?
Ele pensou um pouco, bateu levemente os nós dos dedos com mão sobre a mesa e na lata e perguntou:
— Você nunca fumou, não é?
— Claro que não! E você bem sabe disso.
Olhada entorno, testa franzida:
— Uai, então cadê sua Ferrari?

Sabemos que, sempre que se economiza, pode-se planejar outros destinos para o não gasto. Mas isto não é o principal. O grande aprendizado foi redescobrir que podemos viver plenamente, sem dependência visceral de alguém para fazer por nós as entediantes e repetitivas tarefas domésticas. Põe tédio nisso. Vencer a preguiça e lá vamos nós. Existe vida plena sem ser patrão. E tempo, nós fazemos o nosso.
Com disciplina e participação de todos ninguém fica sobrecarregado e, detalhe passa-se a conhecer e valorizar cada cantinho da casa. Prazer ao terminar faxina, é imensurável. Sensação imensa de bem-estar.
Não compramos Ferrari, mas apostem suas fichas, ganhamos prazer, cumplicidade e união. Vale muito mais do que o carro.





Publicado Jornal Correio em 11 de dezembro de 2013


https://www.dropbox.com/s/fi3xnneu6gr3byc/Do%20lar%20JC.pdf

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