Foto: Marcos Salles
Jornal CORREIO de 6 de maio 2014: “Promotor defende liberdade de locomoção dos pedestres nos passeios”. Parabéns ao Ministério Público. A ele, todo meu incondicional apoio e aplauso. A manifestação de donos de bares solicitando liberação de parte de nossas já tão estreitas calçadas beira o nonsense total. Vi foto no jornal onde aparecem donos de bares carregando cartazes de protestos com o objetivo de pressionar o legislativo a alterar o código de posturas e liberar geral os passeios, essa irregular, esburacada e desrespeitada faixa que separa o asfalto dos portões de nossas casas. Dois desses cartazes me chamaram especial atenção: “Pagamos muitos impostos” e “Temos família para sustentar”. Por todos os Orixás, serão apenas eles? Ou aquela multidão que é expulsa de relativa segurança no deslocar por mesas e cadeiras é apenas figurante? Talvez, por puro prazer, gostem de ficar pulando entre carros. Deve ser isto. Ninguém mais é extorquido por impostos de toda natureza nem possuem pessoas e pessoinhas que deles dependem. Apenas os que ali protestavam carregam o peso do mundo, revezando com o mitológico titã Atlas.
Se botarmos atenção, veremos que a maioria dessas pequenas faixas de mobilidade urbana, destinadas aos pedestres deveria se chamar pistas de cross, trilhas ou algo similar. Dignas são de prática de um esporte secular: o pedestrianismo como chamam a caminhada em Portugal. Só que lá, pode-se caminhar ou pedestrianar – horrível expressão, certamente inexistente – por belos jardins e praças. Ruas calcetadas (outra expressão lusitana) com primor, capricho artístico, seguras, educadas.
Já aqui em terras ultramar, o simples caminhar é radical total. Melhor usar equipamento apropriado de segurança.
Deixando de lado o estado de conservação das vias e os esportes perigosos, voltemos ao empachamento de vias públicas.
Um fenômeno estranho está a ocorrer há tempos no país. O público vem se tornando privado e o privado se tornando público em veloz frequência. Quando obstruo um passeio público com minhas mesas, churrasqueiras e altos sons estou me portando como transgressor, pois invado o que é de todos. Quando invado propriedade privada a situação é idêntica, já que tomo posse do que é de outrem. Transgressor outra vez. Tudo de cabeça para baixo.
Adoro boteco. O ambiente é agradável, descontraído e fico horas, desde que a companhia seja boa, ali a jogar conversa fora, falar de futebol, defender meu Galo mineiro. Falar de política, rir de piada velha. Mas não preciso sentar em mesa à rua. Já o fiz, confesso, mas ficava sempre sem graça a cada olhar de soslaio, a cada tropeço, esbarrão em cadeira. Não é certo, não é justo.
Espero que nossos promotores e nossa Prefeitura sejam rigorosos e não aceitem TACs ou coisas do gênero. A população agradece. Fica aqui, mais uma vez, minha admiração pelas ações do Ministério Público e nossa Prefeitura. Termino com fragmento do conhecido poema “No caminho com Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa: “[...] Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor do nosso jardim./E não dizemos nada./Na segunda noite, já não se escondem;/pisam as flores,/matam nosso cão,/e não dizemos nada. Até que um dia,/o mais frágil deles/entra sozinho em nossa casa,/rouba-nos a luz, e,/conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./E já não podemos dizer nada [...]”
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